Ildecir A. Lessa
Advogado
O que quase todos os brasileiros tem conhecimento, em nível nacional, é que o Senado aprovou na quarta-feira (31/8) a destituição da presidente Dilma Rousseff (PT). Já havia o afastamento desde 12 de maio, quando foi aceito no Senado o processo de impeachment em desfavor da Presidente. Com a destituição, Michel Temer (PMDB) assumiu o cargo em definitivo, no Congresso Nacional, e viajou para a China. A duração do segundo mandato de Dilma durou um ano e nove meses. Apesar de toda movimentação política em torno do processo de impeachment, o julgamento final, teve a aprovação de 61 senadores, com a conclusão de que, a petista cometeu crime de responsabilidade ao atrasar repasses aos bancos estatais, na prática conhecida como pedaladas fiscais, e ao assinar decretos autorizando a abertura de créditos suplementares, sem a autorização do Congresso. Dilma não foi inabilitada para exercer funções públicas por oito anos. 42 senadores votaram por este impedimento, 36, contra, e houve três abstenções. Assim, não houve os dois terços necessários para a imposição dessa pena, e a petista poderá dar aula em universidades públicas ou prestar consultoria a governantes!
O que se chamou no julgamento de fatiamento, ou seja, a separação das penas de perda do mandato e inabilitação, é polêmica. Isso porque, a Constituição, em seu artigo 52, parágrafo único, estabelece que nos processos de impeachment, o Senado fica limitado a condenação “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Na linha do tempo, Dilma é a segunda presidente do Brasil a ser destituída via impeachment em 24 anos.
Desde o fim da ditadura militar, em 1985, apenas dois dos quatro mandatários eleitos concluíram todos seus mandatos — Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Guardadas as proporções, relativas aos aspectos jurídicos, a questão política é central. Apesar de todos os fatos ocorridos no julgamento de Rousseff, ele foi essencialmente político. Admissibilidade do processo pela Câmara dos Deputados e julgamento pelo Senado. O verniz jurídico conduziu o processo, mas ele não deixou de ser como uma peça teatral. Uma peça teatral é composta de três elementos: autor/texto, ator e palco. O problema central de toda a representação reside na dificuldade de traduzir o texto escrito para o encenado. Na política temos o autor que é o povo, os atores que são os políticos e os palcos o Executivo e, principalmente o Legislativo. O distanciamento entre as demandas populares e o exercício político dos nossos representantes está na tradução que estes fazem dos anseios da população. É complicado solucionar os profundos problemas sociais e econômicos que se acumularam ao longo da história do Brasil. Mesmo com tudo isso, estamos, ao que tudo indica, num ambiente em que a democracia é um valor universal. Bem ou mal, ela fortalece a sociedade. O que surge como grande problema no Brasil é que, pensa-se que pode mudar os hábitos simplesmente alterando as leis. Não adianta reforma partidária, sem uma transformação cultural de nossos políticos e da sociedade. A reforma política começa por uma reforma na sociedade. Tem ainda, a decadência da liderança, dentre outros fatores. A política perdeu sua capacidade de comunicar-se com a sociedade.
Agora, a questão do impeachment passa para o terceiro palco, o Judiciário, tendo sido já acionado, o Supremo Tribunal Federal, já com diversas ações tanto dos apoiadores de Dilma, quanto da oposição. Isso vai gerar muitas outras notas explicativas.