Caratinguenses contam como está a Itália diante do Coronavírus
DA REDAÇÃO – “Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas desprevenidas. Rieux estava desprevenido, assim como nossos concidadãos”, diz trecho do livro ‘A Peste’ do escritor franco-argelino Albert Camus. E esse trecho pode ser atribuído a pandemia do Coronavírus, que ressurgiu na China no final do ano passado. A personagem Rieux seria a Itália, epicentro dessa doença na Europa. Conforme o jornal Corriere della Sera, até a noite de sexta-feira (13), a Itália contabilizada 17.660 casos e 1.266 mortes.
Como hoje o mundo é globalizado, pessoas escolhem viver em outros países e o DIÁRIO conversou com dois caratinguenses que residem em Milão, na Lombardia. Esta cidade, que é conhecida como centro financeiro da Itália, uma das capitais mundiais da moda e terra da Internazionale e do Milan, é um dos locais mais afetados. Paira o clima de incerteza, mas eles são cautelosos e estão respeitando as orientações das autoridades de saúde. E inspirado noutro trecho do livro de Camus, numa versão atualizada com que o mundo hoje vive, eles sabem que virá o dia, que servirá para ensinamentos dos homens, em que o Coronavírus sumirá e todos serão felizes novamente.
“É importante observar o erro dos outros para evitar sofrer as mesmas consequências”
Danilo Sávio vive em Milão desde 2002. Ele mora com esposa e filho. Ele disse que “uma foto não poderia explicar o “silêncio” de Milão nestes dias”. Danilo trabalha com decoração floral, atende geralmente festas de casamento. Ultimamente passa os dias em casa. “Atualmente a população é obrigada a ficar em casa. Sair só em caso de necessidade de comprar alimentos ou motivo de saúde. Mesmo assim a pessoa precisa preencher um módulo de “auto justificativa ” do motivo de “porque sair de casa” e apresentar no caso de controle por parte da polícia ou alguma autoridade preposta ao controle. Essa é uma regra geral”, explica.
Segundo ele, na prática alguns setores estão funcionando, caso dos estabelecimentos que vendem alimentos e, obviamente, as unidades de saúde. “O resto está fechado em virtude de decreto ministerial”, específica. “Quem ainda pode trabalhar, além dos já citados, os serviços de entregas, tem que apresentar a documentação. As escolas estão organizando as lições on-line”, acrescenta.
Em momentos como esse, o ser humano fica apreensivo. Danilo Sávio analisa essa situação. “A apreensão é relativa. Uma parte da população é séria e está levando a sério o problema, ficando em casa e evitando problemas. Infelizmente tem sempre quem acredita que pode levar “vida normal” e por causa disso alguns já foram multados e denunciados por desrespeitar o decreto ministerial”.
A respeito de ficar em casa, Danilo Sávio conta que não é fácil, mas é o correto a ser feito. “Mas tem sempre seus aspectos positivos e são estes que me interessam. Meu setor de trabalho foi um dos primeiros a parar, que é o setor de eventos, que parou quase imediatamente para evitar aglomeração de pessoas”.
Mais uma vez pegando gancho na obra de Camus, um trecho fala, “quando a própria história já não tinha profecias, encomendaram-nas a jornalistas, que, ao menos neste ponto, se mostraram tão competentes como os seus colegas de séculos passados”. A imprensa falou com o devido crédito sobre o Coronavírus, porém os governos não deram a mesma atenção. O consenso é que medidas efetivas demoraram a ser tomadas. Danilo concorda. “Demoraram a tomar decisões drásticas, que no final das contas tiveram que fazê-las, mas já era tarde. Estava lendo que aqui em Milão verificaram a primeira pessoa que se recuperou do vírus. Foi identificada no dia 23 de fevereiro, um dos primeiros na Itália”.
Ele continua seu raciocínio e fala sobre essas medidas. “Atualmente todos os bares estão fechados. Na primeira fase do decreto os bares podiam funcionar até às 18h e restaurantes em horário normal, mas mantendo ao menos um metro de distância entre os clientes. Mas durou pouco. O governo entendeu que era ineficaz esse tipo de medida parcial. Também cinema, museus e sistema escolar em todos os níveis foram fechados imediatamente”.
Ele faz um alerta aos brasileiros. “Se o Coronavírus chegar aí no Brasil com a força que chegou aqui, é melhor nem esperar decisões de governo. O certo é fazer todas as precauções imediatamente e voluntariamente. Esse tipo de atraso nas decisões contribuiu para o agravamento geral da situação”.
Para entender melhor a situação, ele cita um casamento ocorrido recentemente (N.E.: o entrevistado se refere ao casamento da irmã da influencer Gabriela Pugliesi. Depois, a influencer confirmou que contraiu o Coronavírus). “Eu li que no Brasil fizeram um casamento de alguns personagens famosos. Inclusive um deles era médico, se não me engano. Esse erro poderia ter sido evitado. É importante observar o erro dos outros para evitar sofrer as mesmas consequências”, observa.
Danilo Sávio faz mais uma observação. “Aproveitando essa oportunidade, digo para não subestimar os riscos. É só uma visão pessoal. Nada acontece por acaso. Essa “crise” está dando a humanidade uma grande oportunidade de rever as próprias prioridades, os próprios valores. Porque a crise verdadeira é de “valores”, mas não os valores materiais”.
Ao final da conversa, Danilo Sávio relata que os moradores da Itália têm dado um jeito e a alegria aparece até nestas situações. “As pessoas estão cantando e dançando nas janelas e varandas em diversas cidades italianas”, conclui, mostrando que o ser humano sempre se supera nos momentos difíceis.
“Se cada um tivesse feito a sua parte, talvez hoje não estivéssemos presos em nossas próprias casas”
Deisimar de Assis Andrade, 40 anos, é diarista e vive em Milão há quatro anos. Ele tece seus comentários sobre o Coronavírus em Milão. “Desde o carnaval que as escolas e universidades, centro esportivos e os eventos que contam com a participação do público haviam sido cancelados. Outras cidades já estavam em situação considerada área vermelha e acabaram sendo isoladas. As empresas daqui começaram a fazer o rodízio de funcionários, liberando alguns deles para trabalhar em casa, e assim controlando a entrada e saída para tentar diminuir o risco de contaminação, mas as medidas não foram suficientes”.
Ela conta que no dia 8 de março o governo decretou que seria obrigatório ficar em casa até o 3 de abril, só podendo sair da sua cidade para trabalho, sendo obrigatório comprovar o contrato com a empresa e comprovar que a empresa está funcionando.
Segundo Deisimar, a maioria das empresas estão fechadas, menos o comércio de produtos de primeira necessidade, como farmácia e supermercados, “e mesmo assim as pessoas que vão a estes lugares têm que respeitar o limite por metro quadrado. Eu mesma fui a um mercado perto da minha casa e só podia entrar doze pessoas por vez”.
Ela conta que teve sua rotina totalmente alterada. “Como eu sou autônoma, não tenho como comprovar os meus motivos para sair de casa, e acaba que estou sem expectativa para o que vai acontecer no dia de amanhã. Mas na minha casa ainda não está faltando nem o alimento e nem coisas importantes. O serviços na cidade tiveram uma queda grande, não tem como fazer nada, até mesmo os serviços de entrega foram proibidos, e não podemos ter contato com os amigos, nem com ninguém fora da nossa residência. Ainda tem uma ordem de prisão para quem descumprir a lei da quarentena e uma multa no valor de 260 euros para aqueles que estão na rua sem uma justificativa plausível”.
De acordo com alguns jornais italianos, determinados serviços de delivery ainda são permitidos, no caso de entrega em domicílios, mas respeitando as regras, nenhum contato entre entregador e cliente.
Mais uma vez, a obra de Camus ilustra essa reportagem: “O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens são mais bons que maus, e na verdade a questão não é essa. Mas ignoram mais ou menos e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza…” Então, Deisimar faz sua conclusão. “Oriento ao pessoal do Brasil para tomar todas as medidas de prevenção e não cometerem os mesmos erros que nós aqui da Itália cometemos, pois se cada um daqui tivesse feito a sua parte, talvez hoje não estivéssemos presos em nossas próprias casas.”