Desembargador José do Carmo Veiga de Oliveira fala sobre ética e postura na magistratura
Ano a ano, vários casos são propagados pelo país, contando com a divulgação da mídia. Os crimes violentos chocam e causam indignação. Assim, os pedidos de “justiça” ganham força nas ruas pelo apelo da população. No entanto, a “justiça” que tanto se clama, na verdade já vem com uma espécie de rótulo pronto: condenação. Como pensar diferente diante de um filho que matou o pai, ou vice-versa? Ou o político que praticou corrupção?
Essas questões fazem parte da rotina de um juiz. Ele é o responsável por analisar os processos e fazer o seu julgamento. Mas, além de toda a teoria emocional que envolve estes casos, há as provas materiais que fazem parte do processo e que norteiam a sua decisão. Para o desembargador caratinguense José do Carmo Veiga de Oliveira, é nessas horas que o magistrado deve mostrar a sua isenção.
Para falar sobre esse assunto e da ética na magistratura, o DIÁRIO DE CARATINGA entrevistou José do Carmo, eleito no último dia 25 de abril, pelo Pleno do Tribunal de Justiça para integrar o Órgão Especial do TJMG, que tem importante papel nas atividades de ordem jurisdicional e administrativa do referido Tribunal.
A competência do Órgão Especial é conferida por Lei Complementar e pelo seu Regimento Interno, implicando julgamento de questões de (in)constitucionalidade de lei estadual em nível da Constituição Estadual e, assim, de leis municipais em relação à Constituição do Estado de Minas Gerais, além de matérias de ordem administrativa, orçamentária e relativas à carreira da Magistratura Estadual.
O Código de Ética da Magistratura foi publicado pelo CNJ em 2008. Ele é satisfatório ou precisa de melhorias?
Algumas considerações devem ser formuladas, embora brevemente. É notório que ao longo da vida em sociedade, e dada à sua dinâmica, é natural constatar-se que em alguns pontos o Direito não consegue acompanhar o desenvolvimento social, assim como a própria Ciência em todos os seus ramos. Temos visto isso com muita frequência e, desta forma, é inequívoca a necessidade de se manter, também, a atualização de nossos diplomas legislativos, mormente quando se trata de uma matéria tão relevante que é exatamente o Código de Ética da Magistratura. Há questões que precisam ser contempladas, máxime em se considerando que o legislador não é onisciente e precisa estar atento aos avanços que a vida em sociedade impõe a todos. Talvez se pudesse considerar que o regramento em apreço seja até recente, todavia, não podemos olvidar das mudanças que experimentamos vida em sociedade.
Muitos casos que tramitam na Justiça são “bombardeados” pelo clamor das ruas. Como isso interfere no julgamento do magistrado?
Na minha modesta compreensão, tenho que considerar que em muitas dessas situações ocorre, na verdade, um tipo de maxidimensionamento de aspectos que são o ponto fulcral da intervenção do Judiciário. Exemplifico: o caso dos Nardoni, como poderia ser qualquer outro que, submetido à apreciação do Tribunal Popular do Júri, sempre divide a opinião pública. Sempre existe uma plateia de plantão para estabelecer uma espécie de “linchamento moral” dos acusados, apesar da tamanha gravidade que o caso apresenta. No entanto, é de se considerar que os jurados que integraram aquele Conselho de Sentença foram imensamente “bombardeados” pela mídia em geral e não faltou quem se posicionasse contra os acusados. Estamos, nessa hipótese, com o devido e necessário respeito, tratando de pessoas que não possuem a necessária formação jurídica ou, se a possuem, não estão habituadas a enfrentar esse tipo de “abordagem”.
Qual deve ser a postura do juiz nesses casos?
Quando abordamos, de outro lado, processos que se encontravam sob apreciação do Excelso Supremo Tribunal Federal, tivemos uma lição lapidar proferida pelo Eminente Ministro Celso de Melo no que tange à questão relativa à admissibilidade ou não dos embargos infringentes no caso que se tornou conhecido como “Mensalão”, onde essa matéria foi abordada com grande sabedoria, maestria e autoridade pelo Eminente Ministro. Esse argumento coloca à vista de todos; a necessidade de se promover, portanto, uma posição de isenção, porque nem sempre o que o senso comum ou o clamor público reclama é o que edita o Direito. Deve-se considerar, ainda, que a prova produzida no curso da tramitação dos autos é que direciona o julgamento a ser proferido pelo Magistrado, assim considerados genericamente todos os graus de jurisdição. Há uma célebre passagem de Piero Calamandrei que informa que o juiz é aquele que tem coragem de ficar só consigo mesmo, não se ocultando por detrás da ordem de nenhum superior hierárquico. Essa é a dura tarefa do Julgador, em qualquer de seus níveis de jurisdição.
A sociedade geralmente exige dos magistrados uma postura totalmente ética. Pequenos deslizes de pessoas comuns costumam ser aceitos, mas não acontece o mesmo com os juízes. Como o senhor vê essa questão?
Essa problemática é de fácil compreensão e solução. Todos somos humanos e sujeitos à prática de equívocos. A grande questão consiste na sabedoria de se posicionar de modo a evitar que haja uma reiteração nessa prática, pois, do contrário, não será passível de aceitação pela sociedade. Devemos levar em conta, ainda, que tudo quanto um juiz adota como regra de conduta, em muitas das vezes, ou é aplaudido por uma parcela da sociedade ou, de outro modo, é severamente criticado por outra parcela dessa mesma sociedade. Afirmo desta maneira, porque nas pequenas comarcas o juiz é sempre um referencial, uma espécie de ícone sobre o qual todas as luzes estão sendo lançadas em todo tempo e lugar. Mas, os padrões sociais divergem de um lugar para outro. Onde é tolerada determinada conduta, noutro pode não ser. O fato é que se deve considerar a imperfeição em todos os seres humanos, dada a constante exposição dos atores sociais aos mais variados tipos de situação e cada um reage ao seu modo, de conformidade com a sua formação e momento psicológico.
No ano passado, a revista eletrônica Consultor Jurídico noticiou que um juiz dos Estados Unidos, que deixou seu celular ligado, tocando em meio a uma audiência. Ele pediu desculpas aos presentes e aplicou uma multa de US$ 25 a si mesmo, por desacato ao juízo. Se fosse a mesma situação, no Brasil, o senhor acredita que teria o mesmo desfecho? Por quê?
Sabemos que cada povo tem a sua própria cultura, valores e predicados e, forma de agir e reagir em certas situações. São os chamados topóis. Nós podemos ser muito bons nas ações, porém, imprevisíveis nas nossas reações. Em se tratando da Magistratura e especificamente quanto ao caso apresentado, não temos no Brasil nenhum tipo de “punição” estabelecido para situações que tais, mesmo estando no exercício da prestação jurisdicional. Mas, já tive oportunidade de presenciar uma ocorrência dessa natureza, onde o Magistrado pediu desculpas aos presentes e, assim, prosseguiu no seu trabalho. Tenho como regra manter os meus celulares no “silencioso”, apenas com o vibra call acionado, exatamente para evitar esse tipo de ocorrência.
Muitos dizem que temos um “excesso de leis”. O senhor concorda com essa afirmativa?
Sem dúvida. A produção legislativa no Brasil é altamente inflacionada. Para se ter ideia do que se aborda nesse questionamento, a partir de 1946, com a vigência da então nova ordem constitucional, todo o ordenamento brasileiro, doravante, foi renumerado a partir do número 01 e, assim, já alcançamos a casa de mais de 13.300 leis, não considerando as demais formas de legislação adotadas no sistema jurídico brasileiro. É comum a quem lida com o Direito afirmar que quanto mais leis, menos elas são cumpridas. Às vezes temos leis que dispõem sobre matéria que já são objeto de outros atos legislativos.
O senhor teria alguns exemplos?
Basta examinar a questão relativa aos artigos 230 e seguintes do Código Civil, quando se determina a adoção do sistema de presunção quando alguém se nega a submeter-se a exame pericial. Não se nega, por óbvio, que se aquele que deveria submeter-se ao exame, por exemplo, de DNA, para efeito de se definir matéria relativa à paternidade ou maternidade, não pode se beneficiar da sua própria atitude, porque nessa hipótese, a conclusão é inequívoca: aquele que se omite tem algo a esconder. Logo, se não se submeteu ao exame, tem-se por determinação legal ser essa pessoa o pai ou a mãe daquele que lhe demanda o seu estado ou condição de filho ou filha. E, no entanto, veio, recentemente, a edição de uma lei específica para as ações de investigação de paternidade por meio da qual foi estendida essa presunção para tais hipóteses. Era simplesmente tratar-se de aplicar a disposição geral do Código Civil aos casos concretos, dispensando-se, pois, novo regramento para tratar de matéria já regulada em lei.
“Deve-se considerar, ainda, que a prova produzida no curso da tramitação dos autos é que direciona o julgamento a ser proferido pelo magistrado”
“(…) nas pequenas comarcas o Juiz é sempre um referencial, uma espécie de ícone sobre o qual todas as luzes estão sendo lançadas em todo tempo e lugar”