*Eugênio Maria Gomes
Não foram, apenas, quatorze anos de vida. Foram quatorze anos de bênçãos, de um tempo mais que precioso, de vida compartilhada com seus familiares e amigos. Vida de gente boa, vida de anjo. Vida intensa, latente, daquelas que transformam tristeza em alegria, lágrimas em sorrisos, apatia em energia, vontade de sucumbir em motivação para recomeçar. João Henrique foi, entre nós, um anjo sem asas. Sua existência nos faz entender todo o significado de nossa passagem por aqui.
Eu tive a oportunidade de me encontrar com João algumas vezes, nos eventos do Lions e nos corredores da escola. Em todas elas, com ou sem algum movimento, às vezes apenas com um leve sorriso e, na maioria das vezes, apenas através da serenidade de seu semblante, o anjinho me dizia coisas do tipo “está reclamando de quê?” e “você pode viver mais e melhor”. Através de suas limitações, João nos ensinava o tempo todo para termos cuidado e não nos tornássemos prisioneiros da nossa liberdade, escravos da nossa capacidade de locomoção. Era como se dissesse “você pode. Tome as rédeas de sua vida e repense as suas ações, as suas escolhas”. Aquele anjo, cada vez que se encontrava conosco, praticamente inerte em sua amiga e companheira “cadeira”, parecia repetir o pensamento de José Saramago: “A vida é uma aprendizagem diária. Afasto-me do caos e sigo um simples pensamento: quanto mais simples, melhor!”
João não ia. Era levado. João não andava. Era carregado. E aqui reside toda a grandeza do amor de uma família por um Ser tão especial. João jamais foi “escondido”, a pretexto de preservar sua privacidade. Pelo contrário, João conviveu com todos, fez coisas do arco da velha, andou de barco e montou a cavalo e teve quantos dias felizes foram possíveis, através das mãos de seus avós, pais, tios, professores e cuidadores. João teve uma família abençoada e, por isso, conseguiu abençoar a todos nós através de sua presença em nosso meio.
A presença daquele doce menino, sua quase inércia física, imposta pelas inexplicáveis vicissitudes da existência humana, parecia nos mostrar, de forma clara e direta, como somos ingratos e orgulhosos. Como sucumbimos facilmente diante de adversidades superáveis e passageiras, como nos vitimizamos, deixando-nos entorpecer por sentimentos de autopiedade, de autocomiseração, nos privando, assim, a nós mesmos, de desfrutar do privilégio da vida que nos foi concedido.
É estranho que mesmo com a grande dor da perda física, não dê para falar do João com tristeza. Este sentimento que todos sentimos nesta hora, como se fosse um aperto no peito, é fruto maior da pena que sentimos de nós mesmos, pela falta que sentiremos dele do que propriamente por sua partida. Nosso tempo é de agradecimento, pela oportunidade que tivemos de conviver com um anjo tão perto de nós, cuja permanência aqui, acredito, foi até postergada, quem sabe para que aprendêssemos mais, para que pudéssemos evoluir um pouco mais.
Ah garoto, como aprendemos com você! Obrigado por sua presença nestas paragens. Agora, chegou o momento de colher os frutos, de se deixar voltar ao ponto de partida. O bom filho a casa torna! Reintegra-se ao Eterno! Sentiremos saudades, sua família e seus amigos sentirão a sua ausência, mas a lembrança de sua pureza, a mensagem de otimismo que nos deixou e sua angelical presença entre nós serão instrumentos a massagear nossas almas e nossos corações.
E, “Embora a saudade doa como um barco, que insiste em descrever um arco, evitando, assim, atracar no cais”, a certeza de sua permanência no firmamento, a iluminar todos aqueles que buscam pela compreensão de que o Tempo é relativo, de que momentos podem ser eternos, e de que a grandeza da alma pode superar a pequenez do corpo, atenua o sofrimento imposto pela ausência do físico, porém, olhando para o céu, poderemos sempre ver o brilho de sua estrela…
Porque hoje nasce uma estrela! Porque hoje você é uma estrela…
Brilhe em Paz João Henrique!
*Eugênio Maria Gomes é escritor e funcionário da Funec.