Ildecir A.Lessa
Advogado
Tomou a pauta do noticiário local, a questão sobre estacionamento na Praça Cesário Alvim, no calçamento público, no momento de celebração religiosa, além de realizações de outros eventos. Na opinião estampada, fere a Lei Federal, sendo assim infração, aliado a provocar dano ao patrimônio público. Em sentido oposto, foi emitida opinião que isso é perfeitamente cabível. Na sequência noticiou-se que a Praça da Catedral é da Igreja, apesar de não existir escritura pública devidamente averbada no Registro de Imóveis local. O terreno foi doado a São João Batista pelos fundadores de Caratinga em 1848.
O Conselho de Patrimônio Cultural (COMPAC), em reunião, por unanimidade, definiu que, a Praça Cesário Alvim não pode ser usada para estacionamento de veículos. Em cadeia de reação, foi noticiado que o caso será levado à Justiça. Esse é o imbróglio. A vigente Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso VI, dispõe que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. E mais, em seu art. 19, inciso I, preconiza que é vedado ao Poder Público estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Por força desses dispositivos constitucionais, vê-se que o Brasil é um Estado laico, onde há liberdade religiosa. Esses preceitos constitucionais contemplam o principio da laicidade do Estado, levando à separação, dele, da Igreja.
No Brasil, observando-se a herança cultural e a tradição cristã, a maioria é voltada ao culto do catolicismo romano. O que importa, todavia, é que a Constituição do Brasil operou entre a Igreja e o Estado, uma radical e sectária cisão entre ambos. O poder estatal organiza e põe em execução as atividades sociais do homem que vive em determinado território, enquanto a Igreja, ordena a conduta do homem em relação à potência supra-terrena. O certo é que, o texto constitucional vigente coíbe a confusão entre poder civil e eclesiástico. No caso, pois, deve ser verificado a respeito da escritura pública da Igreja Catedral. Foi declarado que o imóvel onde está edificada a Catedral, foi doado pelos fundadores de Caratinga. O artigo 112 do Código Civil anota que: “nas declarações de vontade se atenderá à intenção nelas consubstanciada do que o sentido literal da linguagem”, o que justifica o complemento de que, “quem doa ao santo, na realidade, doa à Igreja”. A regra da Lei de Registros públicos, não pode ser aplicada a fatos passados, ocorridos no século passado. Logo, a questão é simples: basta somente a Igreja, levar a efeito, a medição de sua área e proceder a regular legitimação, junto ao Poder Público, não existindo assim, nenhum problema jurídico grave. Quanto a Praça da Catedral é inegável, que ela pertence ao Poder Público. Tanto que antes, dessa praça, havia uma via pública no local, inclusive com estacionamento para veículos. A história real registra que já existiu até um ponto de taxi no local. Está assim, o espaço protegido pela supremacia do interesse público.
A Constituição da República Federativa do Brasil proclamou em seu preâmbulo a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Na ocorrência de conflitos entre o interesse público e o interesse privado, há de prevalecer o interesse público, isto é, aquele que atende um maior número de pessoas. Ora, o local geográfico trata-se de uma praça pública, onde grande número de pessoas circula diariamente. Esse espaço deve estar de forma permanente livre, para acesso do grande público. Registre-se na oportunidade que, em nome do primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas. A Lei nº 9.784, que trata do Processo Administrativo, prevê expressamente no seu artigo 2º, caput, o princípio do interesse público: “Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
Portanto, o princípio do interesse público está na base de todas as funções do Estado. O Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles. E mais, o interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O pilar do Direito Administrativo está entre a legalidade e a supremacia do interesse público e são esses princípios que estabelecem as prerrogativas, privilégios e autorização para a Administração Pública. Nessa linha, a Administração Pública deve atender ao interesse público ao invés do interesse particular (no caso um pequeno grupo, proprietários de veículos), com base no princípio da legalidade, não existindo assim, nenhum problema jurídico grave a ser resolvido.