“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substancia”, Simone de Beauvoir
Nessa semana passamos pelo 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e houve nas redes sociais outro movimento para desmistificar mais um pouco nossas crenças centrais a respeito do papel da mulher. Esses movimentos vêm crescendo e ganhando corpo, e apesar de ainda faltar muito, com cada um desses movimentos se falta menos do que antes.
Esse ano foi a vez da hashtag Não Quero Flores, depois do assassinato recente de duas turistas argentinas enquanto viajavam pelo Equador. O fato já é incômodo por si só, mas foi agravado pela forma como foi noticiado na mídia. Ao se referir as duas turistas, foi dito que elas viajavam “sozinhas”, apesar delas serem duas, mas como não estavam na companhia de um homem foram consideradas “sozinhas”. E se você não se incomodou ao ler essa frase, cuidado, você está contaminado pela omissão aos direitos civis das mulheres, apesar de infelizmente você não estar sozinho.
Não vou me prender na gramática para explicar porque a notícia não deveria ter sido dita desta maneira, vou me ocupar com o que isso significa e significa muita coisa. Significa a aceitação coletiva de que é perigoso viajar sozinho. Significa que é ainda mais perigoso se você for mulher. Significa que mesmo se a mulher estiver acompanhada de outra mulher, não deixa de ser perigoso. O fato que mais incomoda é que a ênfase jornalística preserva a crença do perigo de se ser mulher em nosso mundo. Está perigoso para todo mundo, mas está ainda mais perigoso para as mulheres.
No lugar de ser ressaltado que mais uma vez mulheres em diversos lugares do mundo sofrem violência pelo fato de alguns homens não manterem seus desejos sexuais sob controle; no lugar de ser ressaltado o motivo pelo qual elas foram assassinas, foi ressaltado que duas mulheres juntas são consideradas sozinhas. O mais alarmante não é o fato delas serem consideradas sozinhas pelos bandidos, mas pela mídia e pela sociedade que lê e não se indigna. E foi por isso que as mulheres reagiram com a #naoqueroflores para em seguida completarem com o que querem, como: quero viajar em segurança; quero não ser considerada presa fácil; quero não ser condenada por viajar sozinha; quero igualdade salarial; quero ser respeitada na rua e a lista não tem fim.
É preciso que a sociedade se indigne com esses fatos, pois só assim conseguiremos mudar esse cenário. Vi nas redes sociais mais compartilhamentos sobre o BBB16 do que de protestos sobre esse crime. Vejo mulheres que não entendem porque outras mulheres reclamam tanto uma vez que já está bem melhor. Para começar, não estamos reclamando, estamos protestando. Dizer que mulher reclama é alimentar mais uma crença coletiva sobre o estereótipo pejorativo que é atribuído as mulheres por séculos. Está melhor sim, é inegável, mas está melhor porque mulheres protestaram, se indignaram, não se calaram e teriam compartilhado se pudessem.
Que fique claro que o Dia Internacional da Mulher não serve para ganharmos flores e mimos, não foi essa sua origem. Este dia foi adotado para lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas do público feminino. E se está sendo dito conquistas, significa que mulheres não tinham esses direitos sociais, políticos e econômicos antes. Significa que alguém teve que sair protestando para que as oportunidades que desfrutamos hoje existam. E não foram os homens que chegaram e deram para as mulheres esses direitos por notarem a grande defasagem que nos encontramos, não foi assim, ao contrário eles tiveram que ser conquistados sob muito protesto. Nenhum homem entrou em greve para que as mulheres pudessem trabalhar, votar, receber ou viajar sossegadas. Foram as mulheres que o fizeram. E assim tinha que ser realmente para promover, primeiro em nós mesmos, a mudança que queremos ver nos homens e na sociedade. As mulheres precisam urgentemente se despir da ideia do sexo frágil e se apropriarem da sua condição igualitária em relação ao sexo masculino.
Claro que houve homens que apoiaram e até participaram dos processos feministas ao redor do mundo. Hoje podemos ver mais homens do que nunca antes foi visto antes envolvidos na nossa causa ou já frutos desses movimentos. Mas ainda é pouco. Precisamos que os homens da sociedade, da mídia e os bandidos entendam que ser mulher é ser humano igual na sua dignidade e direitos.
É imperativo tratar as mulheres com respeito não apenas no dia 08 de Março, mas em todos os dias do ano buscando ser um multiplicador da reflexão sobre a luta diária que as mulheres passam ao redor do mundo simplesmente por serem mulheres. Não apenas com as mulheres que conhecemos, mas com aquela desconhecida que passa na rua e não perguntou a sua opinião sobre a sua estética. Multiplicar a compreensão de que um não quer dizer NÃO. Que não sou obrigada a nada e que lugar de mulher é aonde ela quiser que seja assim como a qualquer outro ser humano.
Luciana Azevedo Damasceno – Neuropisicóloga e Terapeuta Cognitivo-Comportamental formada pela PUC Rio. Elogios, dúvidas e sugestões: [email protected]