Ildecir A.Lessa
Advogado
Diz o refrão da música, “Não deixe o samba acabar”, de composição de Aloísio Silva e Edson Conceição, “Não deixe o samba morrer; Não deixe o samba acabar; O morro foi feito de samba; De Samba, pra gente sambar”. O samba é uma ótima ferramenta, se bem usada, para explicar ao brasileiro, didaticamente, o que se passa na mais alta Corte do País, que às vezes se transforma numa verdadeira roda de samba. Esse samba começa a tocar, quando, o Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou o exame nesta quinta-feira (17/10) das ações declaratórias de constitucionalidade sobre a execução antecipada da pena. Abrindo a roda do samba, no início da sessão, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, afirmou que o julgamento não se refere a nenhuma situação ou pessoa em particular. (O desfecho pode resultar na soltura de 4.895 detentos, segundo o CNJ, entre eles um grupo no qual estão o ex-presidente Lula, outros 15 presos que foram sentenciados no âmbito da “lava jato”).
Já esquentando a roda do samba, na entrada do Plenário do STF, o ministro Marco Aurélio Mello disse o resultado que espera no julgamento que deverá acabar com a prisão em segunda instância: 7 a 4. Na conta do ministro, estão de um lado, além dele, os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Rosa Weber. Do outro, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin. Afirmou o ministro do STF, Edson Fachin, em entrevista ao Estadão: “Hoje, a orientação majoritária é pelo reconhecimento da validade constitucional da execução provisória pena de prisão após confirmação de sentença condenatória em segundo grau, uma vez o recurso à instância superior não tem automático efeito suspensivo”. Verberou o ministro Roberto Barroso, pouco antes da sessão desta quinta no STF: “Primeiro era primeiro grau, depois passou a poder executar depois do segundo grau. Em 2009, quando o direito penal chegou no andar de cima, muda-se a jurisprudência para impedir a execução depois do segundo grau. Os efeitos foram devastadores para o país e para a advocacia… se consagrou um ambiente de impunidade para a criminalidade do colarinho branco “.
Esse verdadeiro samba no STF foi descrito pelo conhecido Arnaldo Jabor, cineasta licenciado, quando se julgava o Mensalão (AP-470), retratando a cena judiciária da seguinte forma: “O STF parecia um palco armado: os advogados dos réus numa tribuna, a imprensa, convidados VIPs. Os advogados se movem em sincronia como discretos bailarinos de ternos, com expressões céticas ou quase cínicas, um tédio proposital nas caras, ostentando a tranquilidade profissional de pistoleiros bem pagos antes de sacar a arma no duelo. (…)No voto do Lewandowski vimos seu desejo de deixar patente na TV que é resistente a pressões de nossa “rasteira” opinião pública. Quis também exibir cultura jurídica cravejada de citações, criando um mecanismo de defesa preventivo que transmuta sua fama de lento em ‘independência’ minuciosa. O julgamento vai oscilar entre a pressa e a lentidão. Pelos freios e embreagens, a defesa dos réus se fará por meio de chicanas retardadoras, por atrasos programados, por bloqueios e ‘questões de ordem’ com cascas de banana.”
Esquentando o samba, sobra para o advogado. Junto com a maré montante da agenda punitiva vem a desgraça do advogado. Ora apontado como um estorvo, ora visto como cúmplice do acusado ou investigado. Para saber se o samba vai dar certo, o jurista Lenio Streck, disse que: “Resta saber se o STF fará a coisa certa. E fazer a coisa certa é decidir conforme o direito e não conforme os desejos morais da mídia ou de uma opinião pública da qual não se sabe bem o que quer. Aliás, se valesse a opinião pública, a Constituição seria desnecessária. E se valesse a opinião pública, como ela seria aferida? Por IBOPE? Data Folha?”.
E para sambar na coisa certa deverá ser observada a chamada garantia da “presunção da inocência”, assegurada na Constituição de 1988, que foi prevista, historicamente, em diversos diplomas internacionais de direitos humanos. O texto constitucional brasileiro é expresso em estabelecer um marco temporal para a garantia da presunção de inocência, que nos precisos termos do inciso LVII do caput do art. 5º, vigora “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, entendida essa expressão, em seu significado técnico, de momento da passagem da sentença da condição de mutável à de imutável, onde é marcado o início de uma situação jurídica nova, caracterizada pela existência da coisa julgada, sendo inconstitucional antecipar o seu cumprimento de pena. Esse é o final do samba no STF. Com o resultado reconhecido da inconstitucionalidade da antecipação do cumprimento da pena, pode o placar ser até de 7×1. Não pode deixar o Supremo acabar…