Thelma Regina
Alexandre Sales
“Meu nome é Derek. Sou oficial médico da Marinha de Guerra Americana e conheci Finn na prisão militar naval, em um grupo de apoio mutuo formado por coordenadores de equipe do sistema prisional local, agentes prisionais e alguns custodiados”.
“De imediato, Finn me impressionou por seu comportamento distinto, atitude amigável, aparência imponente e expressão espontânea, detalhes que conspiravam para que não se desse crédito ao vasto registro de infrações acumuladas por ele”.
“Alto, magro e de pele negra, aquele marinheiro considerava-se vítima indevida do cárcere e dizia que estava ali por ser “de cor”, injustiça do preconceito racial”.
Finn nasceu em Biloxi em meio a muita pobreza, um entre muitos filhos. Nunca conheceu seu pai. Cresceu marginalizado, sentindo-se excluído da sociedade. Aos 10 anos agrediu um colega para lhe roubar o dinheiro do almoço. Após isso, uma série de delitos culminou com a opção – imposta pelo juiz da infência e adolescência – de se alistar nas forças armadas ou ser preso. Optou pela “mais leve”: ao completar maioridade ingressou na marinha.
Após concluida a formação básica militar, digna de condecoração por boa disciplina, Finn retomou seus hábitos bizarros e repetitivos, inicialmente, suspicazes, depois sem preocupação de que, se revelado, fosse punido. Suas transgressões eram cada vez mais graves e esteve recluso na maior parte do tempo em que prestou serviço militar.
Apesar disso, era um dos homens mais admirados na prisão, pois representava os detentos no grupo de apoio aos seus direitos. Por se sentir superior aos demais, todos os dias ia ao ambulatório médico queixar-se de desconforto físico ou sintoma menor que o “impedia de trabalhar sob o sol quente do sul”. Assim suas tarefas foram limitadas ao trabalho administrativo no conforto do ar condicionado da gerência central ou na cozinha, como auxiliar de cafeteria.
Muitas vezes Finn demonstrou afeição por Derek. Em outra ocasião escreveu em receituário a suposta prescrição: “Uso contínuo: mais Derek”. Certa manhã quis conversar a sós com o médico:
– Doutor, por favor, não beba o café. (que já estava servido e fumegante à mesa do médico). Interrogado sobre o motivo, Finn respondeu com um sorriso malicioso e sarcástico: “Eu sei que você não falará para ninguém o que vou confidenciar aqui. Tenho preparado o café todos os dias com meu próprio xixi e estou avisando porque vou muito com sua cara.” (olhar de sedução).
Finn confidenciou outras transgressões ao doutor. “Cantava o terror”, era o que comentava que fazia com o médico. Em uma situação em que foi pego deflagrante, Finn recebeu dispensa definitiva do serviço militar e desapareceu. Meses depois surpreendeu Derek com um telefonema no meio da madrugada. Estava detido em Beaufort e insistia para que o médico fosse ao seu encontro – distante três horas – para emprestar-lhe o dinheiro da fiança e também lhe levar uma carta de referência para um emprego.
SERIA FINN PSICOPATA OU SOCIOPATA?
Falta de ética e respeito, mentira excessiva, vaidade, ausência de arrependimento, narcisismo e sentimento de impunidade podem significar algo muito além do mau-caratismo.
Muitas características psicopatas podem ser explicadas por déficits emocionais. Por trás da máscara de boa pessoa, esconde-se alguém com pouco afeto, incapaz de amar, controlador, que não se altera facilmente, que não demonstra remorso ou vergonha quando abusa de outras pessoas, discreto, frio e calculista, mentiroso contumaz, egocêntrico, megalômano, parasita, manipulador, impulsivo, inescrupuloso, irresponsável, transgressor de regras legais e sociais e sem a mínima empatia.
À primeira impressão são sedutores, envolventes e simpáticos, interagem socialmente até obterem a confiança e aquilo que desejam. Esses indivíduos sentem prazer em tornar reais seus pensamentos de maldade e, quando feito, não se arrependem. Não temem nada, nem a ninguém, sendo essa uma causa da insensibilidade e incapacidade de aprender pela experiência. Seus atos desonestos são pequenos e discretos no início e aos poucos podem se transformar em grandes crimes. Infringem normas sem se preocuparem com punições. Calculam os danos para saberem o custo-benefício da ação. Apresentam cognitição intacta, distinguem o certo do errado. Por isso, respondem legalmente por quaisquer infrações: seus atos não são inimputáveis.
Psicopatas e sociopatas estão em todos os lugares. E a maioria não age como serial killers. No Brasil, os casos mais escabrosos foram protagonizados por Suzane von Richthofen; Francisco de Assis Pereira, “o Maníaco do Parque”; Marcelo Costa de Andrade, “o Vampiro de Niterói”. Grande parte está entre nós e entre nossos representantes políticos no Congresso Nacional: os chamados “psicopatas corporativos ou do colarinho”.
Essa facilidade de manipular pessoas vem ao encontro de discurso e as atitudes pautadas na razão, e não na emoção, comportamento explicado por possível alteração no desenvolvimento das estruturas cerebrais relacionadas à emoção e empatia. Ao longo do tempo, o cérebro de quem manipula se adapta à desonestidade. Psicopatas influenciam pessoas a ver comportamentos disruptivos com ‘normalidade’. São como fruta podre na fruteira.
A diferença entre a psicopatia e a sociopatia permanece turva. São duas categorias que partilham características comuns agrupadas sob o título de personalidades antissocial. Os critérios e as fundamentações determinam que as diferenças sejam sutis e que ambas as categorias têm características abundantes do outro.
Para escurecer o dilema, nem todas as pessoas que não possuem empatia são sociopatas ou psicopatas. Casos de narcisismo patológico ou distúrbios do espectro autista, incluindo a síndrome de Asperger, também podem apresentar esses sinais.
Apesar disso, o psicopata mostra-se como um individuo enganador, manipulador, narcisista (lembre-se deste critério), que carece de remorso e empatia e que provavelmente sofre influência genética no comportamento. Enquanto que (surpresa!), o sociopata é capaz de sentir culpa, de abrigar alguma empatia e de desenvolver relacionamentos estáveis dentro de certos parâmetros: são leais a um grupo específico. Demonstram insensibilidade como os psicopatas, mas podem sentir remorso por ter causado danos a alguém de sua estima, o que os torna seletivos em não expressar comportamentos negativos entre os seus. Via de regra, suas atitudes resultam do meio em que vive.
Finn preenche critérios para as duas categorias, mas apresenta maior possibilidade de ser um sociopata.
[1] Thelma Regina Alexandre Sales
Nutricionista e Médica – Especialista em Terapia Nutricional/SBNPE – Especialista em Nutrição Clínica/UECE – Especialista em Saúde Pública/UNESCO – MBA em Gestão de Negócios/UNEC – Mestre em Meio Ambiente, Saúde e Sustentabilidade/UNEC – Professora do Centro Universitário de Caratinga.
* Essa história é verídica. Nomes e locais foram modificados.