Rede de Atenção Psicossocial de Caratinga é considerada bastante estruturada, mas casos mais graves dependem de vaga hospitalar
CARATINGA- Na edição do dia 23 de abril, o DIÁRIO abordou em reportagem o ato administrativo do Estado que determinou ao Hospital Galba Velloso (HGV), em Belo Horizonte, a interrupção do acolhimento psiquiátrico para atendimento de pacientes clínicos.
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirma que os pacientes com sofrimento mental não ficaram desamparados, pois foram transferidos para o Instituto Raul Soares (IRS), onde continuarão o tratamento. Por outro lado, a psiquiatra Paula Aparecida Gomes, profissional do HGV, relatou que já estaria ocorrendo uma desassistência de pacientes, principalmente do interior, como Caratinga.
Ontem, o psicólogo e coordenador municipal de Saúde Mental Ridley Vasconcelos, falou à reportagem a respeito dos impactos desta decisão para o município e a respeito da importância do trabalho desenvolvido pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
LUTA ANTIMANICOMIAL
Inicialmente, Ridley fez questão de enfatizar aspectos da política de saúde mental e a luta antimanicomial no Brasil. “Visualizamos hoje o desmonte do SUS (Sistema Único de Saúde), a partir do momento em que no dia 18 de maio, em que se comemora o Dia da Luta Antimanicomial, embasado na Lei 10.216, o que vem acontecendo nos últimos tempos é essa tentativa de retorno a uma época muito triste do holocausto brasileiro onde os manicômios, que davam conta do tratamento aos pacientes com transtornos ou doença mental. Este dia vai exatamente contra isso. A partir de uma lei que surgiu aproximadamente em junho de 2019, 13.840 de 2019, existe a tentativa de um retorno a esse tratamento meio higienista, de retirar a loucura do convívio social e devolvê-la para os manicômios”.
Ridley enfatiza que os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), por meio da RAPS são os instrumentos substitutivos a esse modelo anterior, que preveem a reinserção social, o tratamento humanizado e a diminuição de medicamentos. “Tem muitos interesses em torno dessa tentativa de novamente colocar o paciente com doença mental fora do convívio social ou reinserção social, no caso da droga, da redução de danos e agora se vê muito investimento saindo do SUS e indo para comunidades terapêuticas de cunho religioso”.
O psicólogo analisa que nos últimos três anos, houve um grande avanço na RAPS de Caratinga, que já foi elogiada em reuniões na gerência regional do Estado como o município da macrorregião de Coronel Fabriciano que tem a melhor estrutura. “Quando eles falam de melhor estrutura, querem dizem que temos o maior número de dispositivos, temos três dispositivos básicos, o CAPS II que já existia; o CAPS AD (Álcool e Drogas) e o CAPSi (Infanto-Juvenil), que foram habilitados, posteriormente. A gente acaba atingindo um grande número de pacientes de faixas etárias diferentes”.
DEMANDA DE INTERNAÇÕES
Conforme Ridley, a demanda de internação atualmente não é tão intensa, em função do trabalho que é feito nesses três serviços. “Pacientes graves também são estabilizados nos próprios CAPS, o que diminui a quantidade de internações”.
Mas, a estrutura, apesar de ser considerada boa é ainda pequena e é preciso considerar alguns fatores, como acrescenta o psicólogo. “Temos uma questão muito séria que é a família participar do tratamento do paciente, isso nem sempre acontece. E esse paciente volta para a sua casa, não dá continuidade ao tratamento e no momento de surto psicótico é solicitada a internação. O Galba Velloso disponibilizava seis leitos para internação de pacientes em surto psicótico, doença grave ou em decorrência de álcool, masculino e feminino, para o estado. Isso nunca foi suficiente, então, de fato, já tínhamos uma dificuldade com o Galba, mas, a estrutura do município mantém o paciente na Upa (Unidade de Pronto Atendimento), sob medicação, ficava estável, até que a vaga surgisse. Existia uma dificuldade, ficar ligando a respeito de vaga, porque é urgência e emergência o Galba Velloso, não tem como mandar via Sus-Fácil. Mandamos esse paciente para lá e ele retorna, posteriormente, para dar continuidade e manter essa estabilização no CAPS”.
Ridley também afirma que tem acompanhando manifestações por parte de profissionais do próprio HGV, como é o caso da psicóloga ouvida pelo DIÁRIO, a respeito da preocupação em relação ao fechamento deste hospital. “Existe um movimento muito grande contrário a essa tentativa de desmonte do SUS. Existem várias instituições, conselhos de Psicologia e outras entidades dispostas a não deixar que isso aconteça, mas, como é uma determinação, isso já aconteceu. Hoje, a única referência para internação que nós temos é o Hospital Raul Soares”.
O município também tem enfrentado dificuldades com relação a internação de pacientes e o coordenador ilustra um caso registrado. “Fui tentar uma vaga, recentemente, para um paciente que está dentro desse modelo de paciente que nunca se trata e que de repente entra em surto. Ele estava amarrado, foi levado para a Upa e a medicação de lá quase que tirava a necessidade de internação. Mas, ainda assim tentamos a internação e acabamos conseguindo; enquanto ele estava lá foi devolvido para Caratinga já estável, porque o Galba estava fechando as portas”.
A Fhemig havia informado que, “como existe uma baixa ocupação dos leitos psiquiátricos”, foi identificada a possibilidade da transferência dos pacientes do HGV para o IRS. E que alguns pacientes, que têm condições clínicas, teriam alta – o que já era previsto nesses casos e o suporte seria por meio da rede de atenção psicossocial.
No entanto, Ridley relata dificuldades na tentativa de internação no IRS, que passou a receber estes casos. “Particularmente, tem 12 anos que trabalho com saúde mental, eu nunca consegui vaga no Hospital Raul Soares. Na semana passada, quando fui tentar uma vaga para esse paciente, que está dentro desse contexto de falta de tratamento por abandono, fui orientado pelo Hospital Raul Soares, me foi passado um telefone e nome de duas pessoas no Ministério Público de Belo Horizonte, para que nós tentássemos uma internação, porque não há vagas lá. Essa foi a informação que nós recebemos via telefone diante de uma demanda”.
Ele informa que as dificuldades já existiam em relação ao HGV, devido ao número pequeno de vagas para todo o estado e o fato de só receberem pacientes em surto psicótico. “Isso tem que ser muito rápido. Já apareceu na mídia algumas pessoas em algumas situações, que o serviço mesmo não foi comunicado que havia ocorrido e outras na cidade, portanto, esses pacientes nunca tinham passado por atendimento na Rede de Atenção Psicossocial de Caratinga. Vale ressaltar que em sendo Caratinga o polo de 13 municípios, muita coisa acontece e, infelizmente, ainda não conseguimos o apoio e o tratamento nessas localidades, para que essa rede funcione de forma melhor. As coisas sempre acontecem em surto, sempre que há um problema com surto, vem querendo que o paciente fique no CAPS. O CAPS é para tratamento substitutivo à internação, então, o nosso interesse é não fazer internação, porque é possível, contato, que cada um fazendo seu papel o paciente seja cuidado no seu ambiente, próximo à família e não ser internado de forma compulsória, em função de um surto”.
Ridley finaliza reforçando que o município também tem encontrado dificuldades para os casos que demandem internação. Mas, que o trabalho da RAPS segue intensificado. “A demanda agora ficou mais complicada para ser aceita, principalmente, porque agora temos que passar pelo Ministério Público de Belo Horizonte. O Hospital Raul Soares não está em condições de receber a demanda, não só do município de Caratinga, mas também de todo o estado”.