Poucas vezes na História de nosso País, vivenciamos períodos de tamanha turbulência, de tamanho pessimismo, de tamanha desesperança. Como num despertar abrupto de um sonho de felicidade e bonança, intencionalmente arquitetado para que se perpetuasse um projeto de Poder alijado de conteúdo Ético, vimo-nos diante de uma crise sem paralelo. O sonho transformou-se em um pesadelo sem fim. Comprometeu nosso futuro de Nação próspera. Comprometeu nossa confiança, já pequena, no sistema político. Comprometeu nossa tradição de convivência social harmoniosa, embora injusta, e exacerbou os radicalismos, de todas as espécies.
As raízes das mazelas políticas que hoje se encontram escancaradas, cotidianamente, através dos veículos de Comunicação, são centenárias. Iniciaram-se na Colonização, com as Sesmarias e as Capitanias Hereditárias e se sedimentaram com o Coronelismo. Hoje, essas mazelas se espelham em um presidencialismo de coalizão, que impõe acordos espúrios com vistas à governabilidade, sujeitando o governo central aos caprichos de “barões” regionais. Fisiologismo, Nepotismo e Clientelismo são práticas comuns, quase, corriqueiras. Quase justificáveis. Sustentam-se em um sistema eleitoral espúrio que as legitimam, concedendo-lhe uma auréola democrática, e, fundamentalmente, contam com a sempre eficaz ignorância crônica de parte do eleitorado. Afinal, temos cinquenta milhões de analfabetos funcionais e, os demais, leem integralmente somente 2,4 livros por ano, sem falar que no baixo índice de 7% dos que leem jornais todos os dias, já levando em conta a forma digitalizada.
A sensação coletiva que temos hoje, de que a corrupção está generalizada em nossa sociedade, não se trata de um fenômeno contemporâneo. A diferença é que a publicização de suas práticas e de seus efeitos tornaram-se mais facilitadas, atualmente. Essas práticas, observadas as diferenças de magnitude e de intensidade, integram o “modus vivendi” dos brasileiros. São vistas constantemente no nosso dia a dia. É só olharmos ao nosso redor, ou prestarmos atenção em como agimos e reagimos aos desafios que a convivência social nos impõe. Não cumprimos as regras morais mais básicas de convivência, que impõem uma constante escolha entre aquilo que é certo e aquilo que é fácil, optando, quase sempre, por contorná-las ou relativizá-las, no afã de obtermos vantagens pessoais, em detrimento do outro, em detrimento do interesse coletivo.
Assim, há um paralelo entre a corrupção política e a prática moral de grande parte dos brasileiros. Não se resolverá uma, se não se resolver a outra. A constatação dessa realidade, talvez seja um dos pouquíssimos pontos positivos que possam ser aproveitados dentre todos os males que estamos vivendo.
A reforma política, a reforma eleitoral, a reforma do Estado, não resolverão os problemas brasileiros. Precisar-se-á, antes, reformar os políticos! E estes, não são seres de outro planeta. Eles são oriundos da mesma sociedade da qual todos nós fazemos parte.
As escolhas que fazemos cotidianamente, diante das mais diversas situações, conflitos e dilemas que a vida social nos apresenta, escolhas entre o certo e o errado, o justo e o injusto, o honesto e o desonesto é que formam e constroem o nosso caráter. E o “nosso caráter é o resultado da nossa conduta”, constatou Aristóteles. É assim na vida privada. Deve ser assim na vida política.
A Política, por definição, a Arte de governar, não pode estar dissociada da Ética, nem da Moral. A prática política, a legítima busca pelo Poder, se corrói, se denigre, quando a busca por um ideal de Poder, a busca por um projeto de Nação, se corrompe, porque cede à tentação de alcançá-lo por quaisquer meios. Foi isso, exatamente, o que vimos ocorrer há pouco. Um ideal legítimo de busca da igualdade material entre os brasileiros, de obtenção de melhores condições de vida para os desfavorecidos, ampliação dos direitos sociais e equânime repartição da riqueza nacional, bandeiras históricas da esquerda brasileira, caiu por terra, posto que seduzida pela tentadora tese Maquiavélica de que os “fins justificam os meios”.
Não pode ser assim. Por mais justos e legítimos que sejam os objetivos, não se autoriza a utilização de qualquer meio para obtê-los. A visão distorcida de que tudo é válido para a implantação de um projeto de transformação da Sociedade está na raiz do quadro de desgoverno que ora vivenciamos. “Se fizermos qualquer concessão ao princípio de que os fins justificam os meios, não será possível aproximar uma ética dos fins últimos (de convicções) e uma ética da responsabilidade, ou decretar que fim deve justificar os meios”.
A política, de fato, é “como a perfuração lenta de tábuas duras. Certamente, toda experiência histórica confirma a verdade, que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível”, parafraseando Weber. A tomada do Poder em um regime democrático não é fácil. O sistema dominante se auto-defende, se auto-preserva. Substituir um sistema político historicamente construído para preservar privilégios e domínios quase “feudais” requer esforços hercúleos. Mas isto não pode ser obtido a qualquer custo. Não pode ser alcançado com o sacrifício dos princípios fundamentais.
Financiar um projeto político utilizando-se dos mesmos meios utilizados pela elite corrupta para manter-se no Poder há séculos é o pior exemplo que se pode dar de total subversão aos valores éticos e morais que devem nortear o bom Homem e o bom Político.
Não. Os fins não justificam os meios. É errado corromper. Ainda que o fruto da corrupção seja utilizado para um objetivo justo. Não se pode alcançar a pretensa licença dada por Maquiavel para a prática de meios espúrios, desde que visassem “grandes causas”.
Um projeto político construído sob essas bases não tem fundamentos éticos. Nascerá com o mesmo pecado original que possuem todos os demais que cederam à mesma tentação.
“Somos o resultado de nossas escolhas”, sentenciou Platão. E se no âmbito pessoal as escolhas erradas causam danos apenas a quem as fazem, no âmbito político, escolhas erradas podem condenar toda uma Nação ao aumento do egoísmo – traduzido na incapacidade de agir no interesse da comunidade -, aumento dos preconceitos – visível no machismo, no racismo, na homofobia, na xenofobia -, aumento da intolerância – perceptível na violência urbana e na passionalidade com que as opiniões são defendidas.
Esse é o resultado, triste, da flexibilização dos princípios éticos que devem nortear a Política… Subtraíram de nós, os nossos sonhos…
* Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração da Unec. Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni, do MAC, do Lions Itaúna e da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga.