Para arquiteto, Caratinga foi e ainda vem sendo pensada nos automóveis: “É necessário projetar espaços para as pessoas, onde o protagonista do espaço urbano se torna o pedestre e não os veículos motorizados”
CARATINGA- A questão da mobilidade urbana é um grande desafio das cidades, em todas as partes do mundo. É pensar na locomoção das pessoas entre os diferentes espaços de uma cidade, pensando que isso envolve, por exemplo, motoristas, motociclistas, pedestres e, inclusive, as condições da via pública. Atualmente, os automóveis particulares e os transportes públicos são os meios de mobilidade urbana mais utilizados.
Para falar sobre a realidade de Caratinga e os desafios da mobilidade urbana na cidade, o DIÁRIO traz entrevista com o arquiteto Rogério Francisco Werly Costa, coordenador de curso de Arquitetura e Urbanismo da Doctum Caratinga e presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (Compac).
Quais são os desafios da mobilidade urbana nas cidades do interior?
As cidades pequenas e médias, típicas do interior, passam por um processo atual de desenvolvimento, crescimento e expansão urbana. Tal processo, em sua maioria, não vem acompanhado de um planejamento efetivo, o que pode ocasionar problemas urbanos futuros típicos de cidades grandes. No que se refere aos desafios da mobilidade urbana nessas cidades, é necessário projetar espaços para as pessoas, onde o protagonista do espaço urbano se torna o pedestre e não os veículos motorizados. Planejar e gerir o crescimento urbano em longo prazo, com planos territoriais e ações integradas para as demandas de mobilidade – transporte público integrado e de qualidade, ciclovias e ciclofaixas, calçadas largas e acessíveis, bicicletários, pontos de ônibus adequados, espaços públicos livres, dentre outros.
Caratinga foi pensada para o automóvel?
Posso dizer que Caratinga foi e ainda vem sendo pensada nos automóveis. A largura das vias para veículos em detrimento da largura dos passeios para pedestres, a ausência de ciclofaixas ou ciclorotas, bem como a ausência de incentivo a meios alternativos de transporte é realidade que corrobora com a minha afirmação.
Que alternativas poderiam ser propostas, a médio e longo prazo para melhorar a situação do sistema de mobilidade urbana em Caratinga?
O planejamento de qualquer que seja a cidade deve priorizar as pessoas e colocá-las como protagonistas do espaço produzido. Só desta forma teremos um espaço democrático e acessível a todos. No que se refere a mobilidade urbana em Caratinga, destaca-se em primeiro momento a melhoria do transporte público de qualidade, maior número de linhas circulando pela cidade e amplo acesso da população a este sistema de transporte. A criação de ciclofaixas ou ciclorrotas, integrando toda a cidade além de uma integração efetiva entre os meios de transporte (ônibus e bicicleta, por exemplo, – espaços para alocar a bicicleta dentro do ônibus), é proposta pertinente, considerando que Caratinga tem topografia inclinada em algumas áreas, onde a bicicleta não seria apropriada como único meio de acesso.
Do ponto de vista da arquitetura, o que fazer para melhorar as condições das calçadas da cidade?
A questão das calçadas é problemática nos quesitos manutenção e dimensionamento das mesmas. Problemas estes que requer o conserto, mas também o alargamento da área de passagem dos pedestres. Neste sentido, o papel do arquiteto é fundamental na elaboração de projetos que qualifiquem as calçadas, promovendo paginação adequada e revestimentos mais resistentes, sinalização e acessibilidade por meio de piso tátil e rampas, arborização etc. Em alguns casos, pode ser necessária a redução da área dos automóveis, onde, eventualmente, uma via de mão dupla deva se transformar em via de mão única para dar mais espaço às calçadas.
O que ainda é preciso avançar em relação a arborização em Caratinga?
Caratinga possui clima privilegiado, o que compensa em termos bioclimáticos a ausência de árvores em alguns pontos da cidade. Mas, se por um lado a presença de árvores auxilia na diminuição da temperatura, por outro gera bem-estar psicológico, sombra para pedestres e veículos, diminuição da poluição sonora e redução do impacto da água da chuva. Deve ser planejado o plantio de árvores em áreas carentes na cidade, sendo o planejamento responsabilidade da gestão pública.
Dar ‘nova cara’ a espaços antigos e/ou abandonados pode mudar a relação que as pessoas têm com a rua?
Sim, desde que avaliados os aspectos culturais da população. É importante precaver revitalização de áreas da cidade com características de uso e de cunho visual que a população não se identifica.
A construção de bicicletários ajudaria no transporte público?
O incentivo ao uso da bicicleta sempre traz benefícios. A bicicleta não só contribui para a mobilidade urbana, quanto melhora as condições de saúde da população e ainda diminui a emissão de gases tóxicos na atmosfera. No entanto, a cidade tem característica de relevo de montanha em vários bairros e talvez o uso de bicicletas seja melhor numa modalidade de integração transporte público e bicicleta (ônibus-bicicleta).
A iniciativa privada pode ajudar em questões de mobilidade urbana?
A iniciativa deve ajudar sempre. O interesse e a consciência são o princípio da ação. As empresas podem promover transporte coletivo para buscar seus funcionários em casa, por exemplo. Ou incentivar seus funcionários a deixarem seus carros em casa. Os lojistas devem evitar a exposição de mercadorias nas calçadas, promovendo o tráfego de pedestres. São infinitas as formas com que cada um pode promover a mobilidade.