Ana Flávia relembra os meses que foi missionária na Etiópia e como essa experiência impactou sua vida
CARATINGA – Ana Flávia de Calais Salim, 22 anos, é da igreja Assembleia de Deus em Caratinga. Quando tinha 18 anos, ela disse que sentiu ‘o chamado de Deus’ e foi ser missionária na África, mais especificamente na Etiópia. Passados quatro anos, ela relembra essa experiência e como isso impactou sua vida.
Ir para Etiópia não foi uma decisão fácil de ser tomada. Ana Flávia orou bastante e pediu orientação divina. Afinal as diferenças culturais entre Brasil e o país africano são enormes. Começando pela língua, o amárico, sem falar que a maioria absoluta da população, mais de 80%, vive no campo, nas chamadas ‘tribos’. Outro dado curioso é o calendário etíope, que segue o juliano criado pelo imperador romano Júlio César e seus astrônomos em 46 a.C. O mundo ocidental abandonou o calendário juliano pelo atual, o gregoriano. Para termos ideia da diferença, atualmente os etíopes estão no ano de 2009.
Ana Flávia recorda alguns fatos e até consegue rir da situação. “Certa vez foram oito dias sem tomar banho. Quando conseguimos água, tivemos que dividir o balde (risos). Por usarmos protetor solar e repelente, transpirávamos muito. Sem falar da poeira. Nunca mais esquecerei. É muito real o que vivi. Convivi com pessoas que passam dificuldades e poder fazer parte da vida delas foi uma experiência incrível. Mais incrível foi levar a palavra de Deus. Isso sim foi um privilégio”, conta Ana Flávia, mostrando que não existe missão impossível para quem tem fé.
O que te motivou a ir para a Etiópia?
Na verdade, antes de ir, ficava orando e pedindo a Deus um direcionamento em minha vida ministerial. Eu tinha algo muito grande em meu coração e queria me aprofundar mais nisso. Então, por intermédio de uma irmã da igreja, eu descobri em oração e, na época o pastor João Batista, me abençoou para estar indo para Etiópia. Assim fui para o JOCUM (Jovens Com Uma Missão) de Contagem e participei de uma escola chamada Eted (Escola de Treinamento e Discipulado). Essa é uma escola de missões e é dividida em dois períodos: dois meses prático e três meses teórico. Nestes dois meses onde estudamos vários temas, principalmente ‘missões’, fomos orando por três países para que pudéssemos ir fazer o prático. De acordo com a direção que Deus fosse nos dando, iríamos estar sendo guiados. Deus me deu uma palavra para poder participar da parte prática na Etiópia. A equipe foi pesquisando sobre este país e não chegarmos despreparada na Etiópia, que é um país fechado para o Evangelho e tem maioria muçulmana. Deus foi usando pessoas para me abençoar e assim pudesse ser enviada. Após dois meses, fui para Etiópia e lá vivi um tempo maravilhoso em missões.
Você ficou três meses na Etiópia. Como era sua visão desse país africano?
Nós tivemos um choque muito grande. Tínhamos uma noção, mas chegar lá e deparar com aquela realidade. Pensava que era sensacionalismo aquilo que víamos na televisão, mas é real. Vivemos um período difícil, mas paralelamente foi muito nítida a mão de Deus. Então foi um período muito bom. Passamos pouco tempo na capital Adis-Abeba e apesar de ser uma cidade grande, é pouco desenvolvida. Também visitamos muitas tribos onde a realidade é difícil, não tinha água e passamos oito dias sem tomar banho. Não tínhamos o que comer, passávamos um dia inteiro a base de cana e algumas sementinhas de feijão ou abastecíamos com pedaços de pães. Em determinados lugares conseguíamos alguma refeição, mas era a base de água para trabalhar o dia todo.
Como era formado o grupo que foi à Etiópia?
Havia pessoas de vários lugares do Brasil. De Minas Gerais tinha eu de Caratinga, uma de Ipatinga, uma de Belo Horizonte e uma de Poços de Caldas. Eu era a mais nova do grupo.
E como foi a receptividade e a comunicação com os etíopes?
Fomos recepcionados por dois missionários brasileiros que pertencem ao JOCUM. Eles evangelizavam através do futebol. Como eles falavam algo da língua dos etíopes, então mediavam nossos contatos. Mas, por exemplo, quando íamos para uma região era um dialeto, noutra região já era outro dialeto, então um tradutor nos acompanhava, ou seja, nós falávamos em português, que era traduzido para o inglês e depois para o amárico, que a língua local. Tínhamos de sermos sucintos para que não ficasse algo extenso e cansativo. Afinal precisávamos de três traduções para sermos entendidos.
Como foi esse choque cultural?
Foram várias experiências diferentes por lugares onde passamos. Pelo fato de ter tom de pele diferente, eles se aproximavam e queriam tocar. Pegavam no cabelo e começavam a rir e isso chamava atenção, principalmente entre as crianças. Os etíopes são muito frios, mas as crianças se apegavam demais ao ponto de chorar na hora de irmos embora. Certa vez eu estava com uma criança no colo e a mãe chegou para o tradutor e disse algo assim: ‘fala que pode levar o meu filho para onde ela for’. Isso mostra como são frios. Em outros lugares era a questão do dinheiro, quando fazíamos compras já queriam aplicar pequenos golpes. Algo que era 5 birr, que é a moeda local, mas para nós, queriam vender por 50 birr. Em determinados lugares não fomos tão bem recebidos. Houve um caso que quando estávamos indo de uma tribo para outra, o carro em que viajávamos atropelou um cabrito e foi um alvoroço. Fomos perseguidos e nos trataram muito mal. Tivemos que pagar pelo cabrito e que para eles parecia ser um ‘deus’. Então dependia muito do lugar e em cada local tivemos uma recepção diferente. Mas no geral, fomos bem recebidos. Pelo fato de sermos estrangeiros gerou certa curiosidade.
O que ficou dessa experiência? Afinal uma menina de 18 anos deixou sua casa, deixou convívio familiar e foi evangelizar na África.
Costumo dizer que me vejo ‘antes da Etiópia’ e ‘depois da Etiópia’. Foi uma experiência ímpar a mão de Deus em minha vida com esse chamado missionário. Relembrar essa experiência faz meu coração muito grato, pois Deus confiar essa responsabilidade em uma menina para ser a ponte que liga o coração de uma pessoa. Dar essa responsabilidade de preparar o caminho para Jesus passar por intermédio de nossas estratégias de evangelismo. Foi muito gratificante. Me sinto honrada e privilegiada de passar por essa experiência. Sempre falo que evangelizamos e ganhamos almas para Jesus e impactados pessoas, também fomos impactados e ensinados. Acredito que mais do que ensinar, eu fui ensinada. Eu não sou nada, sou tão pequena, mas o fato de ter Jesus na minha vida me torna grande.
O que você pode falar para as pessoas que tem vontade de serem missionárias?
Deus tem o momento certo de trabalhar a vida de cada um e se caso aquilo que queira não acontecer, é porque Deus está te preparando para algo maior. A pessoa deve orar e pedir para que o Senhor continue ensinando, dando experiência para poder trabalhar lá na frente.