* Simone Aparecida de Sousa Capperucci
Após convivendo anos com o ensino da Língua Portuguesa, como língua materna, algumas inquietações teimam em vagar intensamente em meio a tantas outras coisas, algumas vãs, que habitam meu cérebro. Uma delas é esse slogan: “minha língua, minha pátria.” Será isso verdade?
Se é verdade, de qual pátria estamos nos referindo? Daquela que teve suas riquezas usurpadas pelos europeus, seus nativos dizimados? Ou dessa que tem presenciado pessoas morrendo sem socorro nas portas dos hospitais devido aos atos de corrupção e mau uso do dinheiro público? Se não é verdade, o que é minha língua?
Essas divagações ocorrem-me uma vez que, como professora de Língua Portuguesa, para aqueles que têm essa língua como sua língua materna, ou seja, comunicam-se utilizando a Língua Portuguesa desde o nascimento, ouço sempre as mesmas frases em relação a essa língua, nossa língua, maltratada língua: A Língua Portuguesa é muito difícil; ou então: as pessoas falam muito errado; ninguém fala o português corretamente”. Essas e outras sentenças fazem-me pensar qual a relação que estabelecemos com aquilo ou aqueles que amamos.
Muitas vezes não nos atentamos para essa relação estabelecida entre os usuários e a língua que utilizamos para nos comunicar, pois, como instrumento da linguagem, a Língua Portuguesa cumpre majestosamente sua função, proporcionando a todos a possibilidade de informar, declarar, adornar e nos fazer protagonistas do processo que nos faz relacionar uns com os outros, de forma viva, dinâmica e criativa.
Qual gramática utilizarmos no processo, cabe resolver de acordo com o momento comunicativo, pois, em relação à língua, não existe certo ou errado, mas o adequado e o inadequado, afinal, para cada ocasião, as necessidades comunicativas são diferentes. Assim, mesmo não dominando as regras da gramática normativa em relação à morfologia e à sintaxe todos os falantes sabem e dominam a Língua Portuguesa. Afinal, comunicam-se bem, através dela, desde aqueles que nunca tiveram acesso ao ambiente escolar até os maiores estudiosos da língua e da linguagem.
Se falamos “nois foi”, “assistimos o jogo”, ou outras formas que fogem ao determinado pela gramática normativa, não é nenhum pecado, se o ambiente comunicativo for apropriado; o importante é a comunicação eficiente; os puritanos linguísticos que me desculpem.
Nessa perspectiva, a nossa língua é a nossa pátria. Assim como a pátria, que mesmo não respeitada, continua acolhendo seu povo de maneira acolhedora, a língua segue como objeto comunicativo, mesmo sendo escrachada por seus falantes; entendam que escrachada, não no sentido de não ter as regras da gramática normativa seguidas, mas no sentido de ser declarada, difícil e confusa.
É, às vezes, quando colocamos no papel, as ideias ficam mais claras, nossa língua é mesmo nossa pátria, identidade maior da cultura de um povo, e a Língua Portuguesa será sempre o esteio de um país que tem tudo para ser grandioso, bastando que seu povo trabalhe para isso.
Nossa Língua Portuguesa é grandiosa não apenas por ser a língua utilizada por Camões, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, entre outros; é grandiosa porque serve para cada João, José e Maria, conhecidos ou desconhecidos, estudados ou iletrados relacionarem-se uns com os outros de forma harmoniosa. Então nossa pátria é nossa língua, grande pátria e uma grande língua.
* Simone Aparecida de Sousa Capperucci, Formada em Língua Portuguesa e suas literaturas pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC) em 1997, pós -graduada em Língua Portuguesa em 1998 pelo UNEC,especialização em Literatura e Linguística aplicada em 2005. É professora de Língua Portuguesa nas séries finais do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino do Estado de Minas Gerais, desde 1996, mestre em Educação e Linguagem pelo UNEC em 2010. Professora do Centro Universitário de Caratinga nos cursos de Pedagogia, Letras.
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