*Eugênio Maria Gomes
Quando eu era criança, dormia com outros quatro irmãos, em um mesmo quarto. Dois beliches e uma cama que era armada a cada noite, no espaço que sobrava. No princípio, eu dormia em uma das camas de cima, mas acabei assumindo, definitivamente, a cama de campanha, por conta do xixi noturno, do trabalho para expor o colchão ao sol todos os dias e, também, por conta da reclamação dos meus irmãos!
Lembro-me perfeitamente de acordar em uma madrugada, todo ensopado e de ficar imaginando como passaria o restante da noite, de como seria bom se eu tivesse um quarto só para mim, para poder ter umas duas ou três camas à minha disposição, para usá-las na medida em que fossem sendo molhadas. Quem já dormiu molhado, no frio, sabe exatamente do que estou falando…
Aos doze anos parei de fazer xixi na cama, mas o desejo de ter um quarto só para mim, nunca me abandonou. Consegui tê-lo quando me formei e fui morar em Recife, mas foi por pouco tempo, pois logo veio o casamento, depois os filhos e, somente há poucos anos, o sonho foi realmente concretizado.
Meu primeiro emprego foi logo em uma construtora, depois veio uma siderúrgica, uma empresa de ônibus, a prefeitura e por último a universidade. Em todos esses empregos, sempre tive de viajar muito por conta das atividades externas. No entanto, salvo raras exceções, sempre viajava com colegas de trabalho, uma prática comum nas empresas, perdendo assim, a oportunidade de estar em um quarto de hotel sozinho. Quem gosta de ter um quarto só para si, pode entender a dificuldade de dividir esse espaço com outra pessoa, principalmente se não for alguém da sua profunda intimidade.
Viajar com amigos ou colegas de trabalho, por exemplo, dividindo o mesmo quarto, é um caso bem complicado, mas normalmente as empresas reservam quartos duplos, até por uma questão de economia. Você não pode – pelo menos não deve – fumar no ambiente, soltar gases, cantar no banheiro, defecar despreocupado com o barulho característico desse procedimento, roncar, dormir pelado e com o televisor ligado, entre outras coisas mais ou menos usuais em uma noite, sem falar outras que são inapropriadas para serem descritas aqui.
Certa vez viajei com um colega, não fumante, para Fortaleza. Naquela época podia-se fumar em todas as dependências do hotel, sem reservas. Eu tive que utilizar a janela do quarto – daquelas que possuem pouca abertura -, e praticamente coloquei meio corpo para fora, de forma que a fumaça não ficasse no ambiente. Estávamos no 12º andar e, em menos de 5 minutos, alguém gritou da rua: “Não pula, não pula”. Rapidamente uma pequena multidão se formou e já havia quem também incentivasse o pulo, até que o gerente acionou a campainha, preocupado com uma possível tentativa de suicídio.
Eu costumo ter horários rotineiros para ir ao banheiro, normalmente em torno de 7 e de 13 horas. Já fiquei mais de uma hora, suando frio e cruzando fortemente as pernas, esperando o colega que resolveu tomar banho no “meu” horário. À tarde, o negócio piora, pois imagina você usar o banheiro e alguém ter de entrar em seguida para escovar os dentes?
E quando o colega resolve jantar às 23 horas, se empanzinar com uma comida bem pesada, dormir de barriga para cima e roncar bem alto? Como manter o sono ouvindo um assovio, acompanhado de um trovão? Sem falar nos sons do escapamento, sempre de mãos dadas com aquele odor desagradável…
Sobre quarto duplo de hotel, ainda pesa o fato de às vezes ocorrer de o colega chegar e entrar no banheiro antes de você, achar bonitinho os sabonetes, os shampoos, os condicionadores – alguns hotéis inclusive disponibilizam escova e creme dental -, pegar tudo para ele, colocar na necessaire e deixar você sem nada. Isto se repetiu tantas vezes comigo que passei a levar os meus produtos de higiene de casa.
A divisão do quarto esbarra ainda na questão do canal da televisão que cada um quer ver, nas cuecas e meias que alguns costumam deixar espalhados pelo quarto, na descarga que não é dada, na temperatura do ar-condicionado, no horário de apagar a luz definitivamente, enfim, coisa que até para casais costuma não terminar lá muito bem.
Eu continuo na luta, firme no propósito de ter, sempre que possível, pelo menos numa parte do tempo, um quarto só para mim. Assim como Mário Quintana, “Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto é como se abrisse o mesmo livro, numa página nova”. E cada vez que entro no meu quarto, reencontro o meu melhor lugar no mundo, onde eu posso chorar, escrever, refletir, descansar ou, simplesmente, não fazer nada, sem ter de explicar nada a ninguém.
*Eugênio Maria Gomes é escritor.