O resgate do passado é necessário para que a sociedade possa compreender o presente e construir o futuro. Porém, existem pessoas que lutam contra o resgate do passado, mesmo quando buscam esclarecer as atrocidades praticadas contra os seus semelhantes ou mostrar a destruição sistemática da cultura dos povos.
O debate entre o resgate do passado e/ou seu esquecimento pode ser sintetizado pelas manifestações de Walter Benjamin, para quem “os mortos têm direito sobre nós, uma vez que, do ponto de vista deles, somos as futuras gerações”, e Max Horkheimer, que defende que “os mortos estão mortos e não podem ser despertados”.
Subjacente a este dilema, de se resgatar ou não o passado, encontra-se a necessidade de se estabelecer uma justiça de transição, que alcance o período entre o final das ditaduras e a retomada da democracia liberal, para se manifestar a respeito das atrocidades praticadas contra os direitos humanos, seja na forma de crueldade pessoal direta (como genocídios, assassinatos, mutilações, torturas etc.), ou indireta (representada pela negação de direitos essenciais à vida e ao desenvolvimento dos povos, como alimentação, educação, saúde, lazer, salário justo etc.).
É oportuno salientar que muitos atentados contra os direitos humanos foram praticados sob o estandarte de uma pretensa democracia, que, desgastada em consequência da concentração de capital no início do século XX, deu origem ao fascismo e ao nazismo nos governos da Itália, Alemanha, Japão, Espanha e Portugal.
Além disso, pode-se considerar o fracasso da democracia liberal quando, para defender interesses de seus expoentes, impôs ditaduras civis ou militares na América Latina, África e Ásia, no pós Segunda Guerra Mundial, sob o argumento de combater uma suposta doutrina comunista (jamais existente em tempo algum, na História), que culminaram em prisões ilegais, mortes, torturas e expropriação de bens.
O debate a respeito da garantia da memória, segundo Andreas Huyssen, passa diretamente pela questão da violação dos direitos humanos, em consequência dos genocídios constatados no período da Segunda Guerra. Por isso, é primordial trabalhar para manter vivas as lembranças do passado negro, a fim de evitar sua repetição.
Todavia, a maior preocupação de historiadores e cientistas sociais sérios têm sido evitar distorções deste passado na transposição para o presente, na medida em que são construídos conceitos teóricos que podem não corresponder à realidade dos fatos, como o “totalitarismo”, além dos genocídios não registrados ou negados por Estados, a exemplo da mortandade provocada pelas bombas atômicas lançadas sobre o território japonês em 1945, em um episódio de crueldade que, de alguma forma, é apagado da memória dos povos.
Neste ponto, pode-se apontar também as violações e os massacres promovidos contra os povos indígenas; e o não reconhecimento de direitos aos descendentes de negros escravizados em decorrência das ações do colonialismo europeu, cujas consequências têm atravessado gerações e perduram até os dias de hoje. E não se pode ignorar a ausência de conscientização da população colonizada, que, além de não se libertar da memória imposta pela cultura dos impérios, que exploraram seus ascendentes e ainda a explora, cultiva por ela verdadeira admiração.
Portanto, analisar a memória de um povo é também atentar para a sua formação cultural, pois não seria razoável negar o que foi realizado pelos antepassados (de forma positiva ou negativa), a fim de que a gerações presentes tenham conhecimento dos acontecimentos pretéritos e também para evitar que os erros do passado sejam repetidos no futuro.