Defensor público Moacyr Costa Rabello faz um balanço dos atendimentos e fala sobre os desafios na comarca
CARATINGA – De acordo com a Constituição Federal, todo indivíduo tem o direito fundamental de acesso à justiça, ainda que não tenha condições financeiras de pagar um advogado particular. Nesse caso, o estado tem o dever de garantir assistência jurídica gratuita, por meio da Defensoria Pública, um trabalho importante, mas que muitas vezes, no interior, não é muito divulgado. Para falar sobre o assunto, o DIÁRIO DE CARATINGA entrevistou o advogado Moacyr Costa Rabello. Ele atua na Defensoria Pública de Caratinga e falou sobre os desafios na comarca. Um deles é o número reduzido de profissionais, metade do que é considerado ideal.
Moacyr tem 32 anos de idade e é natural de São João Del Rey. Atua há três anos como defensor público e acredita que o trabalho é de fundamental importância para levar a Justiça até os cidadãos menos favorecidos.
Qual o papel da Defensoria Pública? Quando o cidadão deve procurá-la?
O objetivo da Defensoria Pública é prestar assistência jurídica, integral e gratuita a qualquer necessitado, hipossuficiente financeiro. Toda aquela pessoa que não tiver condição de contratar um advogado, a Defensoria Pública atua em favor dele. Todo cidadão que tiver uma demanda judicial ou quiser qualquer orientação jurídica, pode procurar, porque a Defensoria Pública não atua só nos processos, tanto é que um dos nossos objetivos é atuar de maneira preventiva, para evitar a judicialização. Qualquer demanda, seja na área previdenciária, cível, família ou criminal; qualquer dúvida que a pessoa tiver, até nas relações civis, contratos, direito do consumidor, a Defensoria Pública está apta a fornecer essa orientação.
Há alguma restrição?
Às vezes a gente tem restrição com relação à judicialização, Seria a propositora da ação. Isso em razão do reduzido número de defensores que a gente tem hoje.
Há quantos defensores na comarca atualmente e qual seria o número necessário?
Somos três. Éramos quatro até o final do ano passado, mas hoje somos três em razão da aposentadoria de um colega e, infelizmente, as outras duas colegas estão de licença a saúde. Pela demanda, deveriam ter seis defensores públicos na comarca de Caratinga, que é o que prevê a nossa lei orgânica.
Qual o número de atendimentos diários?
A Defensoria Pública de Caratinga atua na área cível e de família. Acredito fazemos entre 40 e 50 atendimentos diários.
Quantos se transformam em ações na justiça?
Na área criminal, a grande maioria dos assistidos, de quem procura a Defensoria Pública é porque já tem uma ação judicial em andamento, um processo criminal. Então 100% dos assistidos na área criminal já possuem uma ação. Na área cível, um percentual de 60% a 70% dessas questões que são trazidas são judicializadas. A gente atua prioritariamente na solução de conflitos extrajudiciais, mas muitas das vezes isso não é possível em razão de interesses maiores do que das partes. Por exemplo, interesse de menores, então toda causa que envolva interesse de menor quase sempre é judicializada.
O maior volume de procedimentos se concentra na área cível ou criminal?
A grande maioria da demanda da comarca de Caratinga é na área criminal.
Por que o senhor escolheu a carreira de defensor público?
Logo que saí da faculdade sempre tive interesse em prestar concurso público. Uma das coisas que me motivou à carreira de defensor público foi justamente poder atender essa população carente, chegar até onde o estado não chega. Poder fazer a diferença na vida de alguém. Esse pra mim é o papel de um defensor público.
Qual a importância da Defensoria Pública em relação à garantia de acesso do cidadão à Justiça?
A Defensoria Pública é a porta de entrada do acesso à justiça ao cidadão menos favorecido. É através dela que essas pessoas vão ter algum direito reconhecido. A gente fala que o papel do defensor público é levar direitos a quem têm direitos. E a gente sabe que essa população menos favorecida é prejudicada com relação a isso, porque às vezes não tem condição de pagar um advogado. Esse é o papel do defensor público, levar essa justiça a essas pessoas.
Dados apontam um grave déficit de defensores públicos em todo o país. Como estes números afetam a sociedade e o sistema judiciário?
Isso é visível. Quem trabalha no sistema da justiça vê essa falta de defensor público. Por exemplo, Minas Gerais. Nossa lei orgânica prevê que no estado deveríamos ter 1200 defensores públicos. Hoje somos menos da metade, 580. A gente tem um concurso em andamento, com 100 vagas, acredito que a posse deve ser em julho ou agosto. Teremos mais 100 novos defensores públicos em Minas, mas ainda assim um número muito pequeno frente à demanda, que é cada vez maior. Isso não é só no estado de Minas, mas no Brasil inteiro. O déficit é muito grande e essa emenda constitucional vem justamente para suprir nesse período de oito anos essa deficiência. A Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional.
Como fazer com que a população conheça melhor o trabalho da Defensoria Pública?
A gente busca diuturnamente mostrar o nosso trabalho, levar, falar sobre a defensoria pública, que até então é uma instituição que está em crescimento, mas desconhecida. Nós ainda não conseguimos chegar aonde a população necessita. Por exemplo, a grande maioria das comarcas do estado de Minas Gerais hoje não tem defensor público, principalmente as comarcas do Norte de Minas, onde o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) são os mais baixos. Inclusive no ano passado foi promulgada a PEC 80, chamada PEC das comarcas, que determina que em um prazo máximo de oito anos, todas as comarcas do Brasil devam ter defensor público. E essa prioridade é justamente nas comarcas de IDH menor, que é onde a população mais necessita. Acredito que gradativamente a defensoria vai chegando no cidadão. O papel nosso também é promover a instituição, levar ela ao cidadão e mostrar que ele tem esse serviço, que às vezes ainda é desconhecido.
Como o senhor mesmo reconheceu, algumas cidades convivem com a falta da Defensoria Pública. E, às vezes, em alguma cidade próxima existe o defensor, mas ele não pode atuar em outra comarca. Isso acontece na região?
Caratinga é uma comarca muito grande. Hoje existe a sede, que é a cidade de Caratinga, mas a comarca é composta por 11 municípios e a Defensoria Pública é só na sede da comarca. A comarca mais próxima que tem Defensoria Pública aqui é Ipatinga e Valadares, só que os colegas de lá não podem atuar fora do perímetro da comarca. A atuação nossa se dá na comarca. Então, não há a possibilidade do colega de outra comarca vir atuar aqui; excepcionalmente isso pode ocorrer em razão de algum processo que esteja vinculado a ele, que eu não possa atuar, esteja de licença e pra não deixar aquela pessoa desassistida, necessariamente um colega vem, mas isso não é a regra.
O que é mais desafiador na carreira de defensor público? E o que é mais gratificante?
Mais desafiador é essa missão mesmo. Levar a justiça, esse contato com a população. Isso cada vez te desafia mais, te faz cada vez pensar melhor. O grande desafio é esse, levar esse atendimento até a população. O mais gratificante é o que eu vejo no dia a dia. Você ter condição de fazer a diferença na vida de uma pessoa.
Quem desejar procurar a Defensoria Pública de Caratinga, como funciona o atendimento?
A Defensoria Pública de Caratinga funciona todos os dias. O atendimento cível e criminal é separado. O atendimento criminal é dois dias na semana, terça e quinta, de 8h ao 12h, comigo mesmo. E qualquer urgência na área criminal, atendo qualquer horário. Então, o cidadão que tiver alguma dúvida, quiser uma orientação, saber informação sobre processo, pode procurar a Defensoria Pública que será encaminhada para atendimento.
Quais são suas considerações finais?
Gostaria de acrescentar a felicidade que eu tenho de trabalhar em uma comarca como Caratinga. Tomei posse em 2012, fiquei seis meses em Belo Horizonte, depois trabalhei dois anos em Teófilo Otoni e por escolha própria vim para Caratinga. Uma cidade que me acolheu muito bem, população super hospitaleira. No trabalho que faço procuro sempre fazer o melhor de mim para todo mundo e por outro lado tenho uma grande recompensa que é o reconhecimento da população. Não só da comunidade jurídica, como da população como um todo. Isso me deixa muito feliz e motivado a cada vez mais feliz e motivado a desempenhar meu trabalho na comarca.
BOX:
Conheça algumas situações que os defensores podem atuar:
SAÚDE: representação em caso de necessidade de remédio negado pelo Estado, ou de internação e tratamento em hospital público.
EDUCAÇÃO: A Defensoria Pública pode promover ações judiciais ou intermediar acordos com o Estado para garantir o acesso à educação a quem necessite.
PREVIDÊNCIA SOCIAL: Auxilio para obtenção de aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-reclusão, auxílio-maternidade, salário-família ou outro benefício previdenciário.
ASSISTÊNCIA SOCIAL: Em alguns casos, mesmo os que nunca contribuíram na Previdência Social, têm direito a um benefício assistencial denominado BCP – Benefício de Prestação Continuada. A Defensoria pode atuar nesses casos.
MORADIA: A Defensoria Pública atuará para garantir ao cidadão de baixa renda familiar o direito à moradia, apresentando defesa nas ações de imissão ou reintegração da posse ou ajuizando ações judiciais para evitar leilões dos imóveis e promover renegociações dos contratos de financiamento da casa própria celebrados pelo Sistema Financeiro de Habitação e também pela COHAB, caso se mostrem abusivos. A Defensoria Pública da União também pode promover ações para concretizar as políticas públicas de regularização fundiária.
LIBERDADE: Garantem a todos os acusados em processo criminal a defesa e o contraditório (direito de resposta ou reação). Assim, sempre que algum cidadão for preso, processado criminalmente ou estiver ameaçado de lesão no exercício pleno do direito de ir e vir deverá procurar a Defensoria Pública para que tome todas as medidas cabíveis para conseguir a sua liberdade.
AÇÕES COLETIVAS: A Defensoria Pública também pode representar, de uma só vez, perante o Poder Judiciário ou fora dele, um grupo de pessoas que tenham interesses comuns, como, por exemplo, todos os consumidores de serviços de energia elétrica, todos os moradores de determinada favela, todos os estudantes que precisem do serviço público federal de ensino, entre tantos outros.
FGTS: Os Defensores Públicos também podem atuar para garantir ao trabalhador o saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – o FGTS, para a obtenção e a regularização do CPF perante a Receita Federal e para a garantia dos direitos do consumidor.
Além disso, a Defensoria Pública deverá promover a defesa dos direitos humanos fundamentais das minorias: mulheres e crianças, idosos, deficientes, homossexuais e negros vítimas de preconceitos.
Texto baseado na cartilha da Defensoria Pública da União
OLHO
“(…) o papel do defensor público é levar direitos a quem têm direitos”
“(..) tenho uma grande recompensa que é o reconhecimento da população. (..) Isso me deixa muito feliz e motivado para desempenhar meu trabalho na comarca”
2 Comentários
Tina
Parabéns, Moacir Rabello! Deus abençoe seu empenho em procurar levar à todos o direito a ser defendido judicialmente.
Daniele
Eu já admiro desde já não conhecia mais estou acompanhando os trabalhos dele e vejo que é muito competente …. Parabéns