Nós, professores, damos atenção especial à letra do aluno para que ele escreva legível. Nas primeiras séries, então, há metodologia própria para isso. Aliada à psicologia, determina a forma correta de o aluno adentrar a escrita. Antigamente havia até o caderno de caligrafia, usado até hoje, com linhas maiores e menores para letras maiúsculas e minúsculas.
Muito bem. Depois de pelejar com aquele que não tinha traço legível, conseguíamos um bom resultado. A vida corre, esse menino cresce, estuda mais e se faz médico. Orgulhosos de termos contribuído de alguma forma para o crescimento dele. Um dia, vemos uma receita dele e nos deparamos com uma letra tão ilegível que nos perguntamos: “onde foi que erramos?”
Fico pensando… Será que letra ilegível dá status? Ou será que o mistério que se esconde atrás da letra feia, atrai pacientes? Ou será, ainda, que ao ver aquela letra do outro mundo o doente acha que a força do além pode operar milagres? Não sei. Só sei que na semana passada, uma amiga, muito simples, trouxe-me uma receita para eu ler. Queria saber o nome do remédio receitado, e ouvir minha opinião. Abri a receita, olhei. A letra parecia hieróglifos da antiguidade. Estava bem explícita a frase: “l caixa de couve e uma saca de palmito. Tomar de 12 em 12 horas.” Como eu estava de muito bom humor, aproveitei-me da ingenuidade dela e resolvi levar na brincadeira. Disse: “aqui está escrito “uma caixa de couve e uma saca de palmito”. Ela arregalou os olhos e falou: “Ora, pois! O que vem a ser isto?” Afirmei: “ o médico quer que você coma couve e palmito.” Ela com cara de dúvida me perguntou: “Mas isto cura os ossos da gente?” Segurei o riso e disse que couve tem muita vitamina. Apresentou-me a outra receita – eram duas – onde se lia o nome do remédio. E abaixo a dosagem sugeria o seguinte: “ tomar um chope no ensexo.” Então, li em voz alta: “Tomar um chope no ensexo.” Ela botou a mão no coração e disse baixinho: “onde já se viu isto, Marilene?” Respondi: “Eu acho que o médico quer que você tome chope fazendo sexo!” Ela, muito religiosa, se desesperou: “Este dotô ta é maluco, sô!” Não me contive e caí na risada. Ela viu que se tratava de uma brincadeira e foi logo procurar uma farmácia.
Admiro, profundamente, os médicos. Uma profissão de extrema grandeza por lidar com a vida e por evidenciar abnegações e competência. Eles são verdadeiros apóstolos da medicina, discípulos do altruísmo, da caridade, do bem maior. Não é a letra ilegível que irá macular a missão tão nobre de ouvir e curar. Só que acarreta dificuldades aos pacientes e, às vezes, aos próprios farmacêuticos.
O melhor seria digitar a receita para não haver dúvidas. Os que não quiserem, devem dar dicas, como pingar o i, cortar o t e fazer três montanhas no m.
Já pensou se minha amiga resolve fazer sexo tomando chope? Seria gostoso, é claro. Mas a doença permaneceria. E, quem sabe, mais adoentada ainda, ela nunca mais poderia tomar chope, nem fazer sexo.
Marilene Godinho