Andreza Eduarda, a menina que lê agora é escritora. Um de seus contos foi escolhido para integrar a antologia Cinderela
CARATINGA – Para o escritor francês André Maurois, “a leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde”. E foi justamente isso que aconteceu com Andreza Eduarda. Ela foi incentivada a leitura desde a tenra idade e esse hábito ampliou seus horizontes. Como consequência, a menina de Itajutiba, zona rural de Inhapim, começou a escrever contos. Depois de participar da antologia “Além da Palavra”, do Centro Universitário de Caratinga (UNEC), agora Andreza Eduarda tem um dos contos publicados no projeto Cinderela (Editora Sinna).
Andreza Eduarda é estudante de Letras no UNEC e leciona Língua Portuguesa e Literatura no Núcleo de Ensino Professor João Martins. Ela é falante e muito transparente em suas atitudes. Mas também tem seu lado concentrado, sabe de seus objetivos e como alcançá-los. Como foi o caso da antologia de contos Cinderela, trabalho organizado pela escritora Katerine Grinaldi, projeto este que não é um livro sobre contos de fadas, embora fale sobre princesas. “Não daquelas que usam tiaras, diamantes e pertencem à realeza. Infelizmente. As princesas deste livro são reais, porém nem todos as respeitam. Nestas histórias, que podem facilmente se confundir com a realidade, elas temem o escuro, temem estar sozinhas na calada da noite, temem seus supostos príncipes encantados. Neste livro ou neste mundo, essas princesas também são chamadas de mulheres”, explica o release da Editora Sinna.
Nesta entrevista, Andreza Eduarda fala de seus hábitos, conta um pouco da sua trajetória de vida e revela ser livre e alegre como Capitu, mas também existe o lado reflexivo de Bentinho. Sobre o que representa a literatura em sua vida, a jovem de apenas 20 anos é taxativa: “Ler sempre foi libertador pra mim”.
Como a literatura entrou em sua vida?
Desde pequena eu sempre amei ler. As primeiras letras me foram apresentadas pela minha vovó Iveta. Eu ficava com ela e com o vovô Joaquim para meus pais poderem trabalhar. Antes de entrar na escola eu já sabia ler e escrever. Minha mãe me dava livrinhos de historinhas quando eu era pequena, minhas tias também. Então desde sempre os livros são muito presentes em minha vida.
Quais os primeiros livros que você lembra ter lido?
Os primeiros livros que eu li foram esses de contos de fadas. Eu tinha coleção que meus pais me deram de presente. Ficava lendo e relendo eles todos os dias. Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, Chapeuzinho Vermelho, A bela e a Fera… Desde cedo esse mundo fantástico está em minha vida. Com o tempo passei a ler livros maiores, os pequenos acabavam muito rápido. Lembro que era bem nova quando li Os Doze Trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato. Devia ter por volta de 10 anos. Os personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo viajam para a Grécia Antiga para ajudar Hércules a realizar suas façanhas. Acho que o que mais me fascinou no livro foi o fato do personagem ter o nome do meu pai, que também se chama Hércules.
Quais os escritores que te inspiram?
São muitos, quase incontáveis. Mas alguns tem um lugar especial em minha vida. Machado de Assis é meu escritor preferido, suas obras me fascinam. Sempre cito seus personagens em meus textos. Dom Casmurro é meu livro preferido. Às vezes me sinto uma Capitu, livre, alegre, e às vezes me sinto tão reflexiva quanto Bentinho. Clarice Lispector sempre me inspirou também. Acho ela uma mulher muito forte, uso ela como modelo para minha carreira. Ambos sempre estiveram presentes em mim. Me ensinaram que não devemos ter vergonha de mostrar o que sentimos através dos textos.
Quantos livros em média você lê por ano? Costuma ler um livro por vez ou vários em paralelo?
São muitos (risos). Não sei a quantidade, em um mês eu leio no mínimo uns três, mas isso inclui literatura e também livros didáticos e teóricos. Eu costumo ler muitos livros e normalmente leio vários ao mesmo tempo. Costumo ter livros teóricos da faculdade, leio livros teóricos sobre didática para minhas aulas e ainda leio livros de literatura que sejam de meu interesse para poder passar o tempo. Tudo ao mesmo tempo (risos). Costuma virar uma bagunça de livros, mas gosto assim. Ler sempre foi libertador para mim.
Geralmente os jovens estão preocupados com outras atividades. O que seus amigos comentam sobre você ser uma ávida leitora e agora escritora?
Meus amigos sempre me apoiam muito. Sou muito grata a eles por estarem ao meu lado. Todos passamos por dificuldades, e em meus momentos de dificuldades eles me incentivam a correr atrás de meus sonhos. Mesmo os que não têm o hábito da leitura me apoiam. Alguns perguntam sobre meus textos, se as histórias são reais, ou algo do tipo e até riem porque sempre acabo a história de forma trágica (risos).
De onde vem sua inspiração? Fale um pouco sobre o processo de construção dos personagens dos seus contos e como brotam as frases e pensamentos.
Eu baseio minhas histórias em cenas vividas ou testemunhadas por mim mesma. Costumo escrever sobre cenas do cotidiano. Até hoje todas as minhas protagonistas foram mulheres, e quase todas são uma representação de mim mesma: uma jovem, na maioria das vezes professora e que ama escrever, andando pelas ruas da cidade, tomando café, escrevendo, e refletindo sobre a vida, quase sempre sobre um relacionamento amoroso. Inspiro muito minhas histórias nas narrativas de Machado de Assis, gosto do jeito que ele escreve.
Você tem o hábito de escrever ouvindo música clássica. Como surgiu essa junção de música e literatura em sua vida?
Quando ouço música parece que as palavras surgem na minha mente com mais facilidade. É como se eu fosse para um mundo só meu. A música me inspira, através dela consigo imaginar a cena dos meus contos. Cada conto meu tem uma música que eu ouvi várias vezes seguidas enquanto o escrevia. É como se cada texto tivesse uma trilha sonora só dele.
Você costuma ser muito pessoal em seus contos?
Bastante, acho que até demais (risos). Meus contos são a mais plena representação de meus sentimentos. Tento expressar meu ponto de vista sobre vários assuntos. Já tentei ser impessoal em meus textos, mas sempre acabo mostrando um pouco de mim neles.
Quando escreve, faz pensando em algum público em específico?
Eu acho que não. Quando escrevo só penso em transmitir meus sentimentos para o papel, tendo mostrar como eu enxergo o mundo através das palavras. Ao terminar o texto, minha vontade é que todos o leiam. Queria que todos soubessem como enxergo a vida. Quero mostrar para as pessoas alguns pequenos detalhes lindos da vida que insistimos em deixar de notar, por isso sempre cito as flores, o céu, queria que todos vissem e parassem para observar isso também. Então acho que meu público seriam todas as pessoas (risos).
Como surgiu a ideia de participar de ‘Cinderelas’? Fale um pouco desse projeto?
Meu amigo, Daniel (Dornelas), me mostrou o edital. Disse que eu devia participar que parecia interessante e te fato a antologia me chamou muito a atenção. O tema me chocou, nunca havia escrito sobre violência contra a mulher. Foi um sofrimento imenso retratar o terror vivido pela protagonista, Clara. Mas acho que foi uma vitória imensa, retratei através da vida de Clara o medo que eu, e tantas outras mulheres, tem ao andar nas ruas à noite.
Depois da participação nesta antologia de contos, quais os seus projetos?
Pretendo participar de vários outros. Sempre estou escrevendo. Mas quero muito, um dia, poder montar um livro só meu.
Por fim, qual livro você indicaria para uma pessoa da sua idade que quer se enveredar pelo caminho da leitura?
Sempre digo que para cultivarmos o hábito da leitura, temos que iniciar lendo sobre temas que gostamos. Assim, depois vamos nos arriscando em livros maiores, de temas diferentes, até chegarmos ao ponto de lermos sobre todo assunto. Todo tipo de literatura é fascinante, mas eu tenho um carinho especial pela nossa literatura brasileira. Recomendo os contos da Clarice Lispector, os livros de João Guimarães Rosa, e, não poderia faltar, o meu tão querido, Machado de Assis. É bom ler, mas é melhor ainda quando lemos algo que gostamos. Uma vez que entramos no mundo dos livros, nunca mais enxergamos a vida da mesma maneira. Tudo passa a ter um ar poético, e não há nada mais lindo do que isso.