DA REDAÇÃO- Luísa Militão Vicente Barroso, 25 anos, natural de Inhapim, carrega em seu nome e história a força de uma vida dedicada ao estudo. Filha de João Batista Vicente Barroso e Maria das Dores Belgo Militão Vicente Barroso, Luísa acaba de se tornar a juíza federal mais jovem do país. Em entrevista ao DIÁRIO, ela relembra os desafios de sua preparação para o concurso, as escolhas que marcaram sua jornada e as expectativas para encarar o novo desafio na magistratura federal.
Fale um pouco sobre sua trajetória.
Sou nascida na cidade de Inhapim, Minas Gerais. Do meu nascimento até os meus 16 anos, residi nessa cidade. Mudei apenas para terminar meu Ensino Médio no Coluni, Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, onde concluí o terceiro ano. Sempre estudei em escolas particulares, exceto no terceiro ano em que estudei nesse colégio, mas durante toda a minha trajetória escolar, sempre estudei em escolas particulares. Isso foi sempre uma prioridade dos meus pais, investir na nossa educação. Então, desde os meus primeiros anos na escola, sempre estudei em escolas privadas Estudei um período em Caratinga na Escola Professor Jairo Grossi, também nesse mesmo colégio em Inhapim, quando a unidade ainda estava em atividade.
Quando começou a estudar para concursos públicos?
Comecei a estudar para concursos públicos no ano de 2021, já no mês de janeiro, assim que concluí minha graduação. Já iniciei esse estudo específico para a magistratura e permaneci nessa jornada até outubro desse ano. Prestei várias provas e fui aprovada nos concursos de promotor de justiça do Ministério Público da Bahia, de defensor público da Defensoria Pública de Minas Gerais e do Tribunal Regional da Primeira Região para o cargo de juíza federal. Dedicava, em média, oito horas por dia para essa missão, pelo menos de segunda a sexta. Aos sábados e domingos, costumava estudar, mas com uma carga horária mais reduzida.
Sempre pensou em seguir carreira jurídica?
Sempre pensei em seguir carreira jurídica, desde a infância. Tive exemplos na minha família de profissionais de Direito. Tenho tios, avôs que são advogados, promotores. Tenho também uma prima de primeiro grau que é procuradora federal. Então, cresci cercada por esse meio. E todo mundo sempre disse que eu parecia ter o perfil para essa faculdade. Tanto por gostar muito de ler, por ter uma capacidade argumentativa boa. Então tive essas referências na minha vida também pelo meu pai, que apesar de não ser da área jurídica é contador. Então, de uma forma indireta, lida com a área jurídica, lida muito com advogados. Essa área sempre foi uma referência para mim e já, desde cedo, eu tinha escolhido seguir por esses caminhos
A senhora passou em três concursos importantes, para promotora, defensora pública e juiz federal. Como foi a preparação para cada um deles?
A minha preparação para cada uma dessas provas foi basicamente a mesma, apesar de precisar fazer alguns ajustes, porque cada uma dessas carreiras cobra, às vezes, algumas matérias específicas, mas a grosso modo, os editais são muito parecidos. Então, a minha técnica de estudos foi basicamente a mesma para todos os três certames em que fui aprovada e também para as outras provas que prestei e acabei não sendo aprovada. Dividia as minhas horas líquidas igualmente entre quatro fontes, que eram lei seca, jurisprudência, questões e aulas ou PDFs de doutrina. Portanto, essa divisão persistiu comigo até as minhas aprovações, de forma que nunca mudei radicalmente essa divisão.
Como é ser a juíza federal mais jovem do Brasil?
A questão da idade foi até uma surpresa para mim, a repercussão, porque sempre fui acostumada a ser muito precoce nas minhas conquistas. Sempre fui adiantada na escola, então, sempre fui a mais nova da minha turma, desde a primeira série até o último ano da faculdade. Então, isso para mim sempre foi muito normal, conviver e estudar com pessoas, às vezes, muito mais velhas do que eu. Mas, confesso que fiquei muito feliz com esse reconhecimento, acredito que idade na verdade não quer dizer muita coisa porque nunca é tarde para conquistar um sonho. A gente vê muitas pessoas com mais de 40 ou às vezes até mais de 50 anos sendo aprovadas em carreiras jurídicas. Acredito que o mérito dessas pessoas é até maior do que o meu mérito, do que o mérito de nós que passamos jovens nos concursos públicos, pois os desafios que a vida traz, a obrigação de sustentar, de cuidar de uma família, de trabalhar fora, de se autossustentar, é algo que envolve muito tempo gasto, muito tempo envolvido nessas atividades, o que acaba atrapalhando a missão dos estudos. Então, meu máximo respeito às pessoas que são aprovadas mais velhas, tendo filhos, tendo família e que muitas vezes não tiveram os mesmos privilégios que tive, que me levaram a essa aprovação tão precoce.
A senhora já sabia que seria a juíza federal mais jovem do país?
Como mencionei, realmente não esperava que a repercussão a respeito da minha idade fosse tão grande. Não imaginei que ia ser conhecida como juíza mais nova do país. Já sabia que eu era a mais nova do meu concurso e que eu tinha chances de ser a mais nova entre todos os profissionais da magistratura, justamente pelo que expliquei, de ser adiantada na escola, de ter terminado a faculdade um pouco antes do que as pessoas da minha faixa etária. Mas, realmente foi uma surpresa. Nos outros concursos que prestei de promotora de Justiça e de Defensoria Pública também fui a mais nova entre os aprovados, mas, a repercussão realmente não foi tão grande quanto nesse concurso de juíza federal. A sensação é muito boa, fiquei muito feliz, mas, como disse, acredito que as pessoas que são aprovadas mais velhas têm um mérito muito maior do que aquelas que são aprovadas mais novas
O concurso para juiz federal é considerado um dos processos seletivos mais desafiadores do país. Os candidatos precisam ter domínio de quais conteúdos jurídicos e como desenvolver habilidades como raciocínio, interpretação de texto e argumentação?
Bom, de fato, o concurso para juiz federal é considerado um dos certames mais difíceis do país e sim, eu tive que empenhar-me muito para adquirir o conhecimento jurídico necessário, não só adquirir, mas, conseguir acessar esse conhecimento na minha memória. Mais do que estudar, a gente precisa de internalizar as informações, de revisar para poder acessá-las na hora da prova. Não adianta querer fazer um estudo muito pesado em termos de horas líquidas, é mais interessante desenvolver técnicas para que esse estudo fique o mais eficaz e eficiente possível, de forma que no momento da prova a gente esteja com a mente limpa e preparada para poder colocar em prática todo esse conhecimento que a gente tem acesso. Além do conteúdo jurídico, a gente também precisa de várias habilidades, principalmente, na parte emocional. A gente precisa de estar com o emocional em dia, com a inteligência emocional em dia, acreditando na própria capacidade, sabendo driblar a ansiedade, o estresse que o estudo traz, que uma situação de prova traz. Interpretação de texto e língua portuguesa também são extremamente importantes nessas provas, até porque todas têm fases discursivas e algumas têm até fase oral. As três provas que fiz contaram com fases objetiva, discursiva e oral. Então, a língua portuguesa precisou estar presente e ser muito bem aplicada por mim nessas três fases. Na primeira fase, principalmente, a parte de interpretação de texto, nas duas seguintes sempre procurar utilizar a norma padrão da língua portuguesa, não cometer desvios gramaticais e também saber se expressar com clareza, coerência e coesão. Isso é muito importante para que os examinadores corrijam as provas com uma postura mais convidativa, com mais paciência e que veja na expressão do candidato, seja escrita, seja oral, uma pessoa totalmente preparada para ocupar o cargo e para representar o órgão em que será admitido.
A boa comunicação entre o Judiciário e a sociedade é também uma forma de garantir o acesso à Justiça. Como agilizar essa comunicação para que a sociedade saiba melhor de seus diretos e também deveres?
Desde a reforma operada na Constituição pela Emenda Constitucional 45 de 2004, que também ficou conhecida como Reforma do Poder Judiciário, está na pauta do dia essa aproximação entre o Poder Judiciário e a sociedade. A criação do Conselho Nacional de Justiça por essa emenda que mencionei veio, dentre outras funções, justamente para operar uma moralização geral do Poder Judiciário. Então, assim, desde 2004 a gente vem nesse processo e acredito que os desafios foram muitos, mas os resultados são e continuam sendo muito positivos. Acredito que hoje o Poder Judiciário está mais atento às demandas da sociedade, à comunicação entre os juízes e demais servidores e os membros da sociedade. Há uma preocupação muito grande em se expressar de uma forma que as partes consigam entender, não só os operadores do Direito, mas também o cidadão leigo, de uma forma geral, consiga compreender seus direitos. Então, como magistrada, pretendo sempre dar sequência a esse projeto, sempre balizada pelas normas do CNJ, pelas normas constitucionais e normas legais, pela lei orgânica da magistratura, mas sim, seguindo nesse projeto de democratizar o acesso ao Poder Judiciário.
Qual é a importância de debater a representatividade feminina no Poder Judiciário?
A representatividade feminina é muito importante não apenas no Poder Judiciário, mas também em qualquer posição de poder, não só na área pública, mas também na área privada, como nas associações, as mulheres precisam ocupar cargos de liderança. E apesar de elas serem maioria na população, conforme os censos demográficos divulgados pelo IBGE, elas ainda enfrentam sérios obstáculos para galgar essas posições de poder. Então, para ocorrer uma representação da sociedade de uma forma mais fiel, é preciso que haja representatividade feminina nesses espaços de poder. Especificamente na carreira da magistratura, dados do CNJ revelam que num universo de menos de 3 mil juízes federais, menos de 20% dessas pessoas que ocupam esse cargo são mulheres. Portanto, fico muito feliz de poder trazer um pouco dessa representatividade. Até no nosso concurso, em que eu fui aprovada, foram mais de 40 homens e apenas 17 mulheres. Então, ainda há essa disparidade. Dentre os ramos da magistratura nacional, a magistratura federal é a que possui maior déficit de representatividade feminina.
Atualmente a senhora mora no estado da Bahia. Já sabe em que cidade do país vai trabalhar?
Bom, ainda não tenho informação sobre a cidade em que irei trabalhar, entretanto possuo boas expectativas de continuar na Bahia, se possível, continuar na cidade onde moro atualmente, Vitória da Conquista. É uma cidade que gosto muito, ficaria muito feliz de trabalhar por aqui, temos sede de Vara Federal aqui na cidade, então dependendo da oferta do Tribunal a respeito das vagas em aberto, pode ser que continue aqui. Mas, independentemente da cidade onde irei trabalhar, estarei muito feliz, muito realizada. Se puder ficar perto da família, do marido, com certeza ficarei ainda mais feliz. Mas só de ocupar um cargo tão importante nesse Tribunal que admiro tanto, já estou mais que realizada. Num primeiro momento, irei passar quatro meses na cidade de Brasília, participando do curso de formação de magistrados, com aulas teóricas e também com atividades práticas. E apenas ao final desse período é que teremos conhecimento acerca das nossas lotações.
Qual o conselho que deixa para os jovens que desejam passar em um bom concurso público?
Aos jovens que desejem ser aprovados em um concurso público, aconselho que, primeiramente, internalizem e acreditem que aquilo é possível. Após, tracem um plano para estudar de maneira intensa, mas, acima de tudo, de forma organizada. Poupem a própria saúde, a saúde mental, a saúde física. Se possível, procurem ajuda especializada, psicológica, para tanto e não desistam desse sonho. Às vezes, tudo parece dar errado, é muito difícil, a concorrência realmente é muito capacitada, mas, de uma forma ou de outra, uma hora a nossa vez chega e realmente faz tudo valer a pena. O dia da nossa aprovação é um dos dias mais felizes da nossa vida. Então, aconselho que persistam e torço para todos que estão nessa caminhada.