CARATINGA- Nesta quinta-feira (29), no Salão do Júri do Fórum Desembargador Faria e Sousa, na Comarca de Caratinga, o juiz Jorge Arbex Bueno conduziu uma reunião que deu início à discussão sobre a criação do “Manual prático de atendimento aos alunos vítimas de violência doméstica ou bullying”, com foco inicial na área de Educação.
O propósito do magistrado é abordar e criar, juntamente com promotores, Polícia Civil e Militar, Conselhos Tutelares, Secretarias de Educação e Assistência Social de 12 municípios diversos protocolos e fluxos de trabalho para atuação nas escolas com crianças e adolescentes que demonstrem mudança de comportamento que possam traduzir uma situação de violência na família.
Em um primeiro momento, no âmbito interno das escolas, o foco vai estar em como lidar com as mudanças de comportamento dos alunos. Em um segundo momento, encaminhamentos a depender do que for apurado externamente, que envolvem, por exemplo, a violência doméstica entre pais e a violência sexual.
O magistrado revela que várias indagações, dúvidas e vivências o despertaram para se envolver com a temática. “Ao verificar em uma audiência que um diretor de escola não tinha certeza, dentro de suas competências e legitimidades, o que deveria fazer sobre o relato de violência sexual na escola, em conjunto com as centenas de depoimentos especiais e casos de violência na família que já presidi, percebi a necessidade de montar algo nessa área a partir de diversas perguntas que me fiz. Com efeito, verificada mudança de comportamento ou relato de violência, como os profissionais de educação deveriam proceder? Há uma metodologia? Existem fluxos de atendimento e acompanhamento daquela situação? Quantas vezes escutaram esta criança? Como foi a forma de abordagem? Começa na escola? Simplesmente chama o Conselho Tutelar? Todas estas interrogações, e a partir da minha vivência no judiciário, geraram a busca deste estudo para criar um manual prático de atuação nestes casos”.
O juiz Jorge Arbex Bueno traduz o que pode ser a mudança de comportamento em uma criança e o que deve provocar o sinal de alerta e ação. “Aquela informação (da mudança de comportamento) vem de forma espontânea? Ela fala ou verifica-se que ela chegou machucada na escola? Ou ela só mudou de comportamento e é preciso fazer um trabalho sobre aquilo? E qual será esse trabalho? Como deve ser feito?”.
E aponta algumas ferramentas. “Serão os jogos pedagógicos uma saída para buscar esta informação? Uma escuta especializada? Uma escuta de qualquer jeito? Abordagem abrupta? Quais são os direitos da criança e de que forma ela pode ser abordada? São várias dúvidas e, por isso, vamos criar algum documento para sistematizar a atuação dos profissionais”.
O magistrado enfatiza outro ponto. Para quem a escola vai informar a mudança de comportamento e possíveis sinais de violência? “Vai chamar o Conselho Tutelar? Ou, com medo, não vai acionar ninguém porque o pai é um abusador ou há violência entre os pais e a criança demonstra isso na escola, e vai ficar quieto? Mas será possível fazer a denúncia e ninguém ficar sabendo e não vou ter que depor lá na frente?”.
Com base em todas estas interrogações, o juiz Jorge Arbex Bueno decidiu unir forças, se envolver e agir. “É instigante e inovador e chego a falar com emoção”.
A reunião aconteceu com a participação das Secretarias de Educação da comarca, Assistência Social, Conselho Tutelar, Polícia Militar e Civil de Caratinga, Ministério Público e Poder Judiciário. Com isso, a pasta da Educação de Caratinga apresentou um esboço de documento, surgindo diversas dúvidas que serão objeto de estudo, preconizando metodologias novas de atenção aos alunos para evitar a revitimização, a exemplo da forma lúdica de acesso à informação por intermédio do jogo Castelo das Emoções. O grupo de estudo foi criado e a próxima reunião está agendada para o dia 19 de outubro, momento em que será apresentado a primeira parte do manual, iniciando a segunda rodada de discussões que serão para decifrar os corretos encaminhamentos a depender do tipo de violência recebida.
De acordo com o juiz Jorge Arbex Bueno, são diversas as normas que tratam do tema, a exemplo da Lei 11.340/2001 (Maria da Penha), Lei 13.185/2015 (Bullying), Lei 14.344/2022 (Violência Doméstica e Familiar Contra a Crianças e Adolescentes) e Lei 14.811 (Violência em Estabelecimentos Educacionais e Prevenção do Abuso Sexual da Criança e Adolescente).
PARCEIROS
Elaine Teixeira, secretária de Educação de Caratinga, destacou a importância do documento para orientação dos profissionais. “Na pessoa do Dr. Jorge, já quero até antecipar o agradecimento por ele abrir as portas para a Educação fazer parte da construção desse documento, que é um protocolo que, para nós, que estamos diretamente ligadas, às nossas crianças, aos nossos jovens, será de extrema importância para saber lidar no dia a dia com esse tipo de violência, doméstica e familiar. Com construção desse documento, será uma coisa palpável, um documento para nos orientar a lidar com essas diversas situações que chegam dia a dia nas nossas instituições”.
De acordo com o promotor de Justiça Juarez Serafim Leite Júnior, a proposta que está sendo implementada vem de encontro à complexidade da questão envolvendo violência contra criança e adolescente. “E a escola é uma porta de acesso. Estamos procurando criar um fluxo que permita proteger essa criança e tirar ela dessa situação de risco que estaria submetida, tanto enquanto vítima de violência, como também quando ela é testemunha da violência que ocorre dentro da residência. E aí a gente acredita que, implementando esse fluxo com a rede de proteção toda engrenada para agir de uma determinada forma, conforme a legislação e conforme o melhor interesse da criança, vamos ter resultados mais positivos e chegar ao nosso objetivo que é proteger essas pessoas”.
Aluísio Palhares, secretário de Desenvolvimento Social de Caratinga pontua que a parceria e troca de experiências será fundamental para o sucesso do projeto. “Queremos enaltecer a importância dessa iniciativa de promover encontros como esse, para fortalecer a rede. Todo trabalho de apoio e proteção às vítimas de violência doméstica acontece na rede, então, essa rede tem que estar unida e compreender o fluxo, como acontece esse atendimento, essa primeira escuta, proteção e encaminhamento desses conflitos. Esses casos de alta complexidade infelizmente tem acontecido. Estamos aqui para buscar a eficácia nas ações”.