Sebastião de Oliveira Pedra
Segundo relatos, o termo ativismo judicial, atribuído a Arthur Schlesinger Júnior, foi utilizado pela primeira vez na revista Fortune, nos Estados Unidos, quando o jornalista traçou o perfil dos juízes norte-americanos classificando-os como ativistas e como não ativistas (auto limitados) ao público não jurista. Destarte, este termo passou a ser utilizado para diferenciar um comportamento judicial não consoante com a opinião jurisprudencial dominante por alguns constitucionalistas americanos.
Em sentido contrário, Carlos Eduardo de Carvalho, de acordo com pesquisas sobre sua origem, afirma que o vocábulo ativismo judicial, fora empregado pela primeira vez em 1916, na imprensa belga.
Luís Flávio Gomes diz que, para Arthur Schlesinger, há ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a Constituição, no sentido de garantir direitos, uma vez que exista a previsão de um determinado direito, e ela é interpretada no sentido de que esse direito seja garantido, não há ativismo, mas sim, judicialização do direito considerado. (ALMEIDA, 2011).
Com efeito, BARROSO (2008. P. 1-48), assim se refere à judicialização e ao ativismo: “A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política […]”.
Este fenômeno, que ocorre não só no Brasil, mas também em grande parte do mundo, tem-se tornado cada vez mais comum. O presente artigo, pretende discorrer acerca deste tema (não sendo possível esgotar completamente o estudo, merecendo outras análises futuramente), abordando as questões constitucionais e a legitimidade da harmonia entre os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.
CONCEITOS
A Constituição de 1988, desde sua promulgação propiciou aumento da presença de instituições judiciais, de seus procedimentos e de seus agentes na democracia brasileira. Na Ciência Política, os estudos sobre as relações das instituições judiciais com as instituições públicas têm se valido da expressão: “judicialização da política”. (BRASIL, 1988).
A judicialização da política corresponde a um fenômeno observado em diversas sociedades contemporâneas. Esse fenômeno, segundo a literatura que tem se dedicado ao tema, sobre dois componentes: primeiro: um novo “ativismo judicial”, isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos jurisprudenciais (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo); e segundo: o interesse de políticos e autoridades administrativas em adotar procedimentos semelhantes aos processo judicial e parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações (muitas vezes, o judiciário é politicamente provocado a fornecer esses parâmetros). (CASTRO, 1994).
Existe um interesse cada vez maior entre pesquisadores, principalmente da área de Ciências Sociais, e na área jurídica, mais recentemente, sobre este tema. Ainda que algumas vozes se levantem contra a judicialização da política, este fenômeno encontra-se em expansão nas democracias modernas. Esta expansão do Poder Judiciário é encontrada na literatura com diferentes nomenclaturas, tais como: “governo dos juízes”, “judiciarismo”, “judiocracia”, “ativismo judicial”, “juridicização do fato político” e, finalmente, “judicialização da política”. Essa última expressão foi introduzida por Tate e Vallinder nos EUA, em 1995, quando passou a compor o repertório da Ciência Social e do Direito. Esses autores definiram, em linhas gerais, a judicialização da política como os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas. (RIBEIRO, 2008).
HARMONIA DOS PODERES
Vários filósofos e pensadores se desdobram nas formas de organização do poder político na Antiguidade. Muitos destes se preocupavam com a investigação de uma forma de equilíbrio em que o poder não se mantivesse sustentado nas mãos de uma única pessoa ou instituição. Entre os séculos XVII e XVIII, tempo de preparação e desenvolvimento do movimento iluminista, o teórico John Locke (1632 – 1704) apontava para a necessidade de divisão do poder político.
Vivendo em plena Europa Moderna, esse pensador estava sob o domínio do governo absolutista. Em tal contexto, observamos a figura de um rei capaz de transformar as suas vontades em lei e sustentar a validade das mesmas através de justificativas religiosas.
Algumas décadas mais tarde, Charles de Montesquieu (1689 – 1755) se debruçou no legado de seu predecessor britânico e do filósofo grego Aristóteles para criar a obra “O Espírito das Leis”. Neste livro, o referido pensador francês aborda um meio de reformulação das instituições políticas através da chamada “teoria dos três poderes”. Segunda tal hipótese, a divisão tripartite poderia se colocar como uma solução frente aos desmandos comumente observados no regime absolutista. (SOUZA, 2017).
Mesmo propondo a divisão entre os poderes, Montesquieu aponta que cada um destes deveriam se equilibrar entre a autonomia e a intervenção nos demais poderes. Dessa forma, cada poder não poderia ser desrespeitado nas funções que deveria cumprir. Ao mesmo tempo, quando um deles se mostrava excessivamente autoritário ou extrapolava suas designações, os demais poderes teriam o direito de intervir contra tal situação desarmônica.
Neste sistema observamos a existência dos seguintes poderes: o Poder Executivo, Legislativo e o Judiciário. O Poder Executivo teria como função observar as demandas da esfera pública e garantir os meios cabíveis para que as necessidades da coletividade sejam atendidas no interior daquilo que é determinado pela lei. Dessa forma, mesmo tendo várias atribuições administrativas em seu bojo, os membros do executivo não podem extrapolar o limite das leis criadas.
Por sua vez, o Poder Legislativo tem como função congregar os representantes políticos que estabelecem a criação de novas leis. Dessa forma, aos serem eleitos pelos cidadãos, os membros do legislativo se tornam porta-vozes dos anseios e interesses da população como um todo. Além de tal tarefa, os membros do legislativo contam com dispositivos através dos quais podem fiscalizar o cumprimento das leis por parte do Executivo. Sendo assim, vemos que os “legisladores” monitoram a ação dos “executores”.
Em várias situações, podemos ver que a simples presença da lei não basta para que os limites entre o lícito e o ilícito estejam claramente definidos. Em tais ocasiões, os membros do Poder Judiciário têm por função julgar, com base nos princípios legais, de que forma uma questão ou problema sejam resolvidos. Na figura dos juízes, promotores e advogados, o judiciário garante que as questões concretas do cotidiano sejam resolvidas à luz da lei.
Segundo SILVA (2006, p.44), hoje tem-se uma interpretação moderna do princípio da separação dos poderes. Segundo o autor se fundamenta em dois elementos: especialização funcional (cada órgão é especializado no exercício de uma função estatal) e independência orgânica (não pode haver meios de subordinação de um Poder por outro).
Já para CANOTILLHO (1992, p. 369), o princípio da divisão de poderes comporta duas dimensões, quais sejam: a separação como “divisão”, “controle” e “limite” do poder, ou como constitucionalização e organização do poder do Estado, assegurando tanto uma medida a este poder e, consequentemente, garantindo e protegendo a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos, quanto uma justa ordenação das funções estatais, intervindo como esquema relacional de competências e responsabilidades de seus órgãos.
EXEMPLOS DA JUDICIALIZAÇÃO
No cenário nacional, temos recentemente a disputa entre o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal no caso Renan Calheiros, que revela algo mais do que aparenta. Cada vez mais o Supremo Tribunal Federal tem sido palco de decisões acerca de decisões de grandes questões políticas. Deixando o Poder Judiciário de ser um simples árbitro de litígios entre indivíduos.
Devido ao silêncio do Poder Legislativo sobre determinados assuntos, seja por falta de disposição, ou por pautar temas desconfortáveis e eleitoralmente desgastantes; este fato leva a sociedade civil ao Judiciário. Não raro, vemos o Supremo Tribunal Federal tratar de questões sensíveis, como casamento homoafetivo, demarcação de terras indígenas, greve de servidores públicos, entre outras. Em outros momentos, a Suprema Corte decide sobre medicamentos, reforma agrária, ritos parlamentares e até afasta Presidentes de outros Poderes. Se o Congresso não indica o que fazer diante de uma gravidez anencefálica, é natural que os interessados dirijam a questão aos juízes.
Em âmbito internacional, Na Coréia do Sul, o Tribunal Constitucional anulou um impeachment do Presidente da República. Na Turquia, o Tribunal Constitucional dissolveu partidos islâmicos. Os Tribunais superiores da Alemanha e Grã-Bretanha foram palco central dos debates sobre o uso de véus em escolas públicas. Em Israel, a Suprema Corte foi chamada, algumas vezes, a definir a natureza do Estado judeu e os dilemas da identidade coletiva naquele país.
INSTRUMENTOS DE JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Já é fato que a Constituição de 1988 foi um fator de impulso para a Judicialização da política, pois de maneira categórica, sagrou os instrumentos necessários à expansão da atuação do Poder Judiciário. Houve uma ampliação de mecanismos de exercício da cidadania, a qual passou por uma redefinição.
Os instrumentos que, a partir da Constituição de 1988, potencializam a atuação do Poder Judiciário são: Ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), Mandado de Segurança Coletivo, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Ação de inconstitucionalidade por omissão, Ação de impugnação de mandato, Ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
CONSIDERAÇOES FINAIS
A Constituição de 1988, ao consolidar normas isoladas anteriores, produziu um arranjo institucional que tem potencializado uma ampla judicialização de conflitos coletivos e, de outro lado, uma politização das instituições judiciais, em especial o Ministério Público. (LOPES JÚNIOR, 2007, p. 15)
Essa ocupação paulatina do Judiciário sobre o espaço do Legislativo e do Executivo merece atenção. É um anuncio de crise institucional ou uma mera acomodação estratégica de forças interessadas na alteração da local da discussão política? É uma usurpação de poder ou o resultado de uma transferência consciente de responsabilidades por parte de um Legislativo receoso de discutir temas desgastantes?
É necessário algum distanciamento histórico para tais respostas. Buscá-las no momento em que os fenômenos ocorrem é precipitado e inútil. Mas é possível descrever um quadro institucional e observar tendências. O poder em excesso tende ao abuso. Por isso a maior parte dos países ocidentais adota a lógica da separação de funções. A ideia é que pessoas distintas exerçam, de forma independente, as atividades legislativa, executiva e judiciária.
Nesse diapasão, SILVA (2004, p. 155-157) relata que o aprofundamento da judicialização da política, realçado pela Constituição de 1988, é fruto da fracassada tentativa de instituir uma nova correlação de forças entre os poderes da República. Relata, ainda, que os constituintes intentaram minorar o excessivo poder concentrado nas mãos do chefe do Executivo, no sentido de evitar o presidencialismo imperial, por meio de atribuições de competências ao Congresso, que antes eram do Executivo. Tal fato ocorreu porque se objetivava a mudança para o sistema parlamentarista, o que foi mudado na Comissão de Sistematização, que manteve o sistema de governo presidencialista.
Finalmente, destaque-se que, a Judicialização da política se amplia no Brasil no contexto do processo de consolidação das instituições democráticas. Há a compensação do déficit democrático brasileiro por meio da judicialização da política: instituição da representação funcional como mais uma arena para a democracia brasileira. (CAMPOS. 2007, p.239; 241).
Considerando o isolamento do Poder Legislativo da sociedade civil e o amplo domínio das instâncias tecnocráticas do Poder Executivo, característicos da incipiente democracia brasileira, o Poder Judiciário, provocado pelo Legislativo, tanto pelo exercício do direito de ação por parlamentares, como por meio da instituição de mecanismos de checks and balances, estaria se desenvolvendo como uma esfera pública baseada na representação funcional, contribuindo para a consolidação da democracia no Brasil de uma maneira criativa.
Referências:
ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19512>. Acesso em: 28 fev. 2017.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: _________ A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro. Renovar. 2008. p.1-48.
BRASIL. Constituição Brasileira: 1988. Brasília: Senado Federal, 2006.
CASTRO, Marcos Faro de. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA. 1994. Disponível em <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_09.htm>. Consulta em 24/02/2017.
CAMPOS, Sérgio Pompeu de Freitas. A Separação dos Poderes na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2007.
CANOTILLHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina,1992
LOPES JÚNIOR, Eduardo Monteiro. A Judicialização da política no Brasil e o TCU. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2007.RIBEIRO, Patrícia Carvalho. Judicialização da política [manuscrito]: estudo de casos / Patrícia Carvalho Ribeiro. 2008. 68 f.
MONTESQUIEU- Do Espírito das Leis, tradução, MOTA, Pedro Vieira, Editora Saraiva, 7ª Edição
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006
SOUSA, Rainer Gonçalves. “Três Poderes”; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/politica/tres-poderes.htm>. Acesso em 24 de fevereiro de 2017.
Sites: < http://politica.estadao.com.br>; https://ioniltonpereira.jusbrasil.com.br/artigos/169255171/o-ativismo-judicial-conceito-e-formas-de-interpretacao>; < https://jus.com.br/artigos/19512/ativismo-judicial>. Consulta em 27/02/2017.
Arte: Professor Geraldo Lomeu Ferreira
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Deus seja louvado!