Fernando Campos lança seu primeiro livro. Evento acontece na noite de hoje, no Casarão das Artes
CARATINGA – Insolvência, estado do devedor que não é comerciante e se encontra sem recursos, financeiros ou patrimoniais, para saldar as obrigações contraídas; inadimplência. Uma palavra pouco usada é ponto de partida do escritor e professor Fernando Campos em seu primeiro livro de poemas, “Insolvência: fragmentos de amor e morte e um esboço de despedida”.
Professor de língua portuguesa, desde a sua adolescência, Fernando Campos esteve voltado para as artes. No início dos anos 80, na cidade de Bom Jesus do Galho, fez parte da Escola de Artes Capelinha dos Índio, isso mesmo no singular. O nome criado pelo professor Sérgio Graça era uma ironia ao nível de alfabetização do brasileiro. Na Capelinha dos Índio, Fernando Campos aprendeu a fazer trabalhos em tela e madeira. Depois ele se mudou para Caratinga, onde além de se dedicar às artes plásticas, enveredou-se pelos caminhos da literatura.
O lançamento de seu primeiro livro de poesias acontece às 19h de hoje, no Casarão das Artes. O evento contará com as participações do músico Nathan Vieira e do maestro Eroni Mendonça, além de convidados especiais como o Coral São João Batista. O DIÁRIO conversou com Fernando Campos, que contou como foi o processo de criação de “Insolvência: fragmentos de amor e morte e um esboço de despedida”.
‘Insolvência’, uma palavra usada no meio jurídico, comparece no título do seu livro, essencialmente poético. Como surgiu essa ideia?
Embora a palavra insolvência tenha um cunho jurídico, pude perceber, por uma pesquisa prévia, feita informalmente entre amigos, inclusive profissionais do ramo do direito, que o leitor não a associa de imediato a essa área do conhecimento. Ela deixa transparecer, de imediato, diversos sentidos relacionados a algo que não se ”dissolve”, não encontra termo, não se soluciona, pelo menos num horizonte mais próximo, numa perspectiva imediata. E isto me pareceu bom, porque assim o leitor ”constrói” uma visão particular, pessoal, para o conteúdo da obra, a saber: a relação a dois, dita amorosa, romântica ou lírica – se assim se desejar -, embora ele, o leitor, possa aplicar a ideia de ”dívida”, inadimplência (sinônimos de insolvência) ao tema em questão, tal como lhe fornece o dicionário. Penso que não há dificuldades desta ordem.
Seus poemas falam sobre amor. Em sua avaliação, o homem anda um tanto quanto ”insolvente” em relação a esse sentimento?
Estamos numa época em que as relações se abriram, se tornaram diversificadas, inclusive. Os valores têm mudado e acompanhamos a evolução do mundo, mesmo que para alguns isso pareça desafiador, provocativo, perturbador. Existe, sim, um choque de valores, de crenças, estabelecendo-se um constante embate, um confronto de ideias, havendo em meio a isso tudo a grande força dos meios de comunicação de massa, ela um elemento catalizador das mudanças.
E é normal que as formas de expressão também mudem, que os indivíduos ”discutam” a relação (ou as relações) de maneira mais aberta, com mais argumentos, sem a rigidez imposta por crenças cristalizadas e mitos do passado. E é neste contexto que o livro se insere. O eu lírico (aquela voz que fala no poema) expõe seus sentimentos, apresentando suas dúvidas e questionamentos, dirigindo-se a uma segunda pessoa, numa espécie de monólogo que permite entrever, como pano de fundo, um enredo como tantos que presenciamos ao longo da vida, seja observando diretamente a realidade, seja através do olhar dos que se dedicam ao tema do amor sob uma perspectiva cinematográfica, musical, televisiva ou literária, seja também através das artes plásticas ou da dança. O mundo está cheio de grandes obras que retratam o dilema dos casais, ou dos que assumem os riscos e perseguem as delícias de se entregar ao ”outro”, não se importando com os fatos futuros, posto que a vida nos impulsiona a esse tipo de encontro, para a continuidade da própria vida. Esse aspecto, aliás, nos remete ao subtítulo do livro (fragmentos de amor e morte e um esboço de despedida), que por si só expõe o lado trágico (ou não) e a possibilidade de que a relação se acabe ou evolua para o âmbito de outros sentimentos correlatos, como a amizade, ou, numa visão mais pessimista, para a perda do ”outro”, ou ainda o simples desamor, o afastamento, para aqui nos furtarmos de usar sinônimos mais incômodos.
Sabemos que o senhor é um escritor ‘prolífico’. Foi difícil escolher os poemas para esse livro?
Na verdade o livro em questão, desde sua fase embrionária, foi escrito sob uma ideia de economia de palavras, por mais que isto pareça estranho à atividade de um autor, alguém que precisa das palavras, utilizando-as como matéria-prima de seu trabalho. Lembro aqui uma entrevista em que a escritora Clarice Lispector, quando incitada a dizer algo à nova geração de escritores do país (fato acontecido em 1977), assim se expressou, depois de uma pausa refletida: “Que falem o mínimo possível.” E não é novidade que ocasionalmente a literatura se valha do mínimo, da ”omissão” para dizer algo, como o que ocorre com o gênero haicai, de origem japonesa, deixando apenas sugeridos os sentidos que se queira transmitir ao leitor. E tal jogo de ocultar, de ”não dizer”, acaba sendo uma técnica importante na medida em que seu uso seja intencionalmente trabalhado, com objetivos artísticos ou estilísticos.
Seus versos são construídos de maneira diferente, sem rimas. O brasileiro ainda tem essa concepção de que poesia tem que ter rima?
Neste ponto temos que fazer uma distinção. Há o leitor moderno, atualizado com as tendências da ”nova poesia” brasileira, ou ocidental, aquele leitor mais frequente que absorveu os ensinamentos do século XX. Existe outro tipo de leitor, o que ainda a enxerga sob os modelos mais tradicionais, regionais, por vezes, como o que ocorre com a rica literatura de cordel, tipicamente nordestina, com características próprias e marcantes, como o emprego da redondilha maior, ou verso de sete sílabas poéticas, além da rima e do andamento musical, embora alguns modernos a experimentem, ou façam reinvenções formais tendo-a como referencial. Diante disso, e, chegando a uma conclusão mesmo que genérica, podemos dizer que ainda existem aqueles que só entendem a poesia com este olhar mais tradicional, mais afeito às rimas, à métrica, mas também existem os que a veem desvinculada de tais exigências, apresentando versos livres (sem metrificação) e versos brancos (sem rimas). O livro Insolvência insere-se numa linguagem que se pretende moderna, apesar de os versos terem sua música interna, sua rítmica, com recursos à assonância e à aliteração, que são formas de explorar os sons para se obter um efeito ”acústico” mais agradável, com cadências um tanto variáveis, conforme a emoção que se queira expressar em certa passagem da obra.
Quais são os poetas (escritores) que o influenciaram neste trabalho?
Falando um pouco sobre influências, penso que ninguém está infenso a elas. De minha parte, sempre me deixei tocar pelo lirismo de poetas como Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, ou até mesmo pelo estilo irônico (por vezes autoirônico) de Mário Quintana. Mas uma coisa é se deixar influenciar – o que pode acontecer com frequência quando se é um poeta inicial -, outra coisa é tê-los como espelho, como referencial de construção de uma obra, sem necessariamente se deixar levar pelo simples desejo de copiá-los. Em Insolvência, por exemplo, existe um tratamento antilírico intencional em certas passagens (lembrando que se trata de um poema único, propositalmente fragmentado, com trechos numerados para apesar dar uma ideia de sequenciamento). Mas isso não me torna um seguidor de João Cabral de Melo Neto, um mestre nesta técnica, se assim podemos definir este aspecto de sua obra, posto que meus versos tenham uma fluência e uma ligeireza que não são comuns naquele autor.
Esboço de despedida
–
penso que não terminei
o início
há muito anunciado
nunca findaria
: consonâncias
de um outro dia
desterro
em meu peito
um sopro
– tanto quanto
mas como nos bastávamos!