* Camila Beltrame de Souza Caldeira
Gostaria de começar fazendo uma declaração: sim! Tive uma infância maravilhosa! Inesquecível! Que ainda me faz rir de muitos e vários episódios. E é ótimo lembrar tudo isso quando estamos em determinadas fases da vida.
Quando se é criança às vezes desejamos tanto crescer, ser independente, estudar, namorar, casar, ter filhos, ter netos… E aí quando se assusta uma vida inteira passou. E o coração não sorri mais com as mesmas coisas. Os desenhos animados não fazem mais sentido e nem são tão animados assim. Os olhos não mais imaginam um mar de lava vulcânica entre o sofá e a poltrona da sala; não existem mais mapas do tesouro para serem descobertos. Já não colocamos a marca de pé no teto da sala de estar da mãe sem saber como foi possível. Já não mais subimos no telhado para fugir de broncas.
Quando nos damos conta, aquela boneca preferida e inseparável já não é mais motivo de brigas. Já não saímos com os amigos para brincar de pique na rua até a hora em que a mãe gritava para irmos tomar banho porque o jantar estava pronto. Não mais trocamos cartas ou bilhetinhos de amor, que ficavam agarrados em árvore, ao pedir ao amigo que fosse o intermediador. Já não mais escutamos aquela fita cassete gravada especialmente para você pelo namorado.
Quando nos damos conta, aquele menino da escola que você “namorava” sem ele saber já se casou e nem é tão bonito mais. Já não mais pulamos a janela para fazer coisas escondidas dos pais. Já não temos “amiguinhos” feitos de caroços de manga. Já não cortamos os cabelos da vizinha e levamos bronca; não mais trocamos figurinhas ou frequentamos festinhas americanas. Não ficamos mais escutando o cd daquela banda favorita, porque era preciso decorar as músicas para ir ao show. Não passamos mais as noites vendo filmes de terror com medo de ir beber água na cozinha por causa do escuro. Já não mais viajamos com a turma para pesquisas de campo ou ficamos pensando em qual roupa usar para encontrar aquele menino que faz seu coração acelerar, provocando a sensação de mil borboletas na barriga.
Quando nos damos conta, somos considerados “grandinhos” demais para muitas coisas. É! Quando nos damos conta, muita coisa boa aconteceu. Sei que muitas coisas boas virão – se Deus assim permitir.
Mas quero confessar mais algumas coisinhas: eu ainda procuro sorrir com o coração para as coisas mais simples da vida. Ainda amo assistir a desenhos e filmes infantis – são os melhores! Adoro jogo de tabuleiros. Amo barulho de chuva e tomar banho dela no calor. Consigo passar horas olhando as nuvens imaginando desenhos nelas. Adoro estar na companhia de amigos que fazem a barriga doer de risadas – mesmo que pelo telefone. Aproveito muito mais a companhia de meus pais, porque sei que são muito especiais. Amasso os meus cachorros como criança – eles são amigos e passam rápido demais por nossa vida. Adoro escrever e receber bilhetes – digitalizados também valem, apesar de não terem a mesma graça. Tenho maturidade zero para pijamas e meias divertidas. Ainda escuto, e muito, músicas para aprender letras das bandas prediletas. Amo virar a noite vendo filmes, mesmo que acompanhados de cochilos. Ainda morro de pavor da música da abertura do globo repórter. Adoro viajar, principalmente em boas companhias, gente bem humorada e disposta a tudo.
Creio que o segredo de uma vida feliz é manter essa chama acesa. Todo mundo tem dentro de si uma criança adormecida. A que mora em mim não dorme e, confesso, é bem hiperativa. Não confunda espírito jovem com irresponsabilidade ou imaturidade, são coisas distintas. Se um dia tiver filhos, meu desejo é que eles também tenham tudo isso… Um castelo de valores que capital nenhum no mundo poderá comprar. Farei minha parte e ensinarei o máximo que puder.
Quer ter histórias, construa! E eu torço para que elas sejam recheadas de lembranças que ao virem à tona causem um sorriso bobo no rosto. Não carregue tanto peso no canto da boca. O mundo anda tão complicado, porque complicar mais?
Seja luz em meio à escuridão. Seja o sorriso de alguém. Seja leveza em meio ao peso, doçura para o amargor do dia de sua família ou dos amigos. Seja o melhor que puder ser para você e os seus. Isso deve ser exercício diário. E do fundo do meu coração lhe desejo um domingo mais que abençoado, cheio de lembranças e sorrisos!
* Camila Beltrame de Souza Caldeira
Médica e Fisioterapeuta pelo Centro Universitário de Caratinga. Autora convidada.