*Eugênio Maria Gomes
A história da Independência do Brasil é recheada de curiosidades, de casos mal contados, de fantasias e, claro, de realidades. Menos lúdica, mas ainda assim, de acontecimentos reais. Passados 199 anos de sua proclamação, o Brasil ainda vive de “faz de conta”, de mentiras travestidas de verdades e de duras e doloridas realidades.
Um dos atos importantes que antecederam o dia 7 de setembro de 1822 foi o famoso “Dia do Fico” ocorrido em 9 de janeiro daquele mesmo ano, quando Dom Pedro teria demonstrado todo o seu amor pelo país, decidindo ficar nas “insalubres” terras brasileiras, em vez de usufruir das maravilhas da sede da monarquia portuguesa. Não foi bem assim. Primeiramente, porque D. Pedro não “decidiu” ficar, ele foi praticamente obrigado e permanecer no Rio de Janeiro pelos grandes proprietários de terras brasileiros que viam na fragilidade governamental do Príncipe a possibilidade de terem seus negócios prejudicados, por conta do interesse português em uma possível e imediata recolonização. Depois, porque o trono da monarquia portuguesa estava fragilizado, com D. João VI amargando a redução drástica de seu poder, advinda da Revolução Liberal.
Dom Pedro provavelmente tinha mais a perder indo para Lisboa, do que ficando. Por isso, chega a beirar o ridículo a tal frase “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto. Diga ao povo que fico”. É que, já naquela época, o povo era enganado por políticos, como esses nossos, que, ainda hoje, nos enchem de promessas a cada eleição.
Mas, cheguemos ao Dia D: às margens do Rio Ipiranga, quando montado em seu cavalo, D. Pedro saca a sua espada e, em alto e bom som, declara: “Independência ou Morte”. Ora, a Princesa Leopoldina era quem governava o Reino naquele momento, em virtude da viagem do marido, e já havia assinado o termo de independência. Dom Pedro, às margens do “pequeno riacho”, fez o que os atuais políticos fazem o tempo todo: gracinhas com o chapéu alheio. Não é de todo impossível que ainda seja provado que ele não estava sobre o belo cavalo branco retratado nas gravuras, mas ao lombo de um bom e velho burrico…
Também não restam dúvidas de que, naquele momento quem menos usufruiu da “Independência” foi o povo, que continuou vivendo em um regime de escravidão, de subserviência e de miséria. Já os latifundiários, os grandes comerciantes e os políticos fizeram a festa, livres que estavam do jugo português. Era necessário que o Brasil se apartasse de Portugal? Sim. O que faltou foi distribuir, naquele momento, todos os louros de tal ato e não apenas os problemas então advindos.
Depois de 199 anos, pouca coisa conseguiu, de fato, ser corrigida. Vivemos em um dos mais desiguais países do mundo, com milhões e milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, com a maioria de nós reclamando do altíssimo preço da gasolina (e está difícil mesmo abastecer o carro!), com pessoas sem saber o que é comer feijão há meses e com outros milhões de brasileiros com dificuldades para cozinhar os alimentos que recebem como doações das muitas campanhas solidárias espalhadas, pelo próprio povo, país afora, em virtude do elevado preço do botijão de gás.
Inflação descontrolada, salários defasados, aluguel e condomínio pela hora da morte, conta de luz mais cara a partir desse mês, planos de saúde impagáveis, violência doméstica crescente, desrespeito às diferenças e preconceitos desprezíveis, embora parcela do país comemore: estradas cheias de viajantes, falta de carros novos nas concessionárias, negócio de imóveis em alta… E o povo, o povão mesmo, nada tem a comemorar… Tem muito é para chorar. Já são quase 600 mil mortes só pelo COVID 19, fruto da falta de empatia e da coragem de nossos governantes.
No Sete de Setembro que se aproxima, de fato, pouco há para comemorar.
O país empobreceu, retrocedeu, apequenou-se no cenário das nações civilizadas. Foi aberta a caixa de Pandora! E como no mito grego, foram libertados, nesse momento: a guerra, a discórdia, o ódio, a inveja, as doenças do corpo e da alma.
Insuflados e novamente iludidos pelos mitos que frequentemente se erguem dos submundos da absoluta ignorância, parcela do nosso povo demonstra hoje, sem qualquer pudor, todo o seu obscurantismo, seu provincianismo, sua curta visão de mundo, seu repúdio pelas diferenças e pela diversidade, seu descaso para com o meio ambiente, para com a Cultura e a Educação, bradando aos quatro cantos de Pindorama, sua fé cega em uma pátria sectária, repartida, intolerante e radical.
Não, não se trata de Direita e de Esquerda. Está cada vez mais claro que se trata de convergência de pensamentos, de achar que o que o governante pensa, fala e pratica está certo. Já vimos esse filme antes. Da caixa de Pandora, aberta pelo Messias da vez, impregnado de ódio e da falta de decência, escapou também, travestida de uma falsa ideia de conservadorismo moral, o que de pior pode haver em leituras manipuladas e superficiais de textos sagrados.
Independência ou Morte! Talvez, devêssemos bradar Independência e Morte! Talvez, devêssemos nos recolher à solidão reflexiva, e examinarmos nossa consciência, revermos nossos erros e reavaliarmos nossos valores, nossas opções e nossas ações.
Talvez, devêssemos analisar a razão de termos permitido a abertura da caixa de Pandora, e rogarmos pelo aparecimento de um novo tempo, no qual sejam lançados novamente aos esgotos da História, os escroques moribundos que nos cercam, e que possamos reabrir a Caixa, mas apenas para libertar aquilo que o Mito lá havia deixado… A Esperança!