Sem sombra de dúvidas algumas conquistas humanas são espetaculares e devem ser irreversíveis. Por mais que elas passem por adaptações e melhoras, o simples fato de terem sido criadas já demonstra um passo positivo para a evolução da humanidade.
A democracia é uma dessas criações, por mais que saibamos que este conceito ainda está em processo de melhoras, principalmente por aqui nas terras brasileiras; podemos afirmar com toda certeza que ela foi uma das conquistas sociais mais importantes dos últimos milênios. Todos os habitantes de um determinado lugar poderem participar das decisões a serem tomadas é algo excepcional.
A Constituição também se encaixa neste cenário de maravilhas inventadas por nós. A ideia de contrato social pensada pelos filósofos iluministas e espalhadas pelo mundo transfiguraram-se nas cartas magnas dos países e ganhou este suntuoso nome: constituição. A constituição deveria mostrar de forma clara as regras do jogo, as regras da convivência em sociedade, nortear as pessoas em seus direitos e deveres.
Direitos Humanos, a princípio é uma ideia fenomenal, assegurar a cada um de nós os seus direitos básicos, os seus direitos naturais. No seu conjunto quer dar garantias de direitos invioláveis, pretende na sua essência estimular e perpetuar a dignidade.
Cidadania, um conceito moderno, que clama pela participação popular, pelo envolvimento das pessoas das mais diversas searas em que o ser humano está envolvido. Ser cidadão requer compromisso, visão de coletividade, estimula a necessidade de entender que a ação por mais individual que seja sempre refletirá de alguma forma no coletivo, por isso a responsabilidade social que todos nós devemos ter.
Mas o que você acabou de fazer até agora foi ler, simplesmente ler uma série de ideias geniais. Discutir a essência de todos estes conceitos levará a todos nós para o mesmo lugar, pois não há como não se maravilhar com cada um deles. Mas será que elas bastam por si só? A realidade que vivemos é o espelho das suas essências?
O famoso escritor português José Saramago dizia que devemos educar ou punir. Foucault, um extraordinário filósofo francês, desenvolveu uma série de reflexões sobre a necessidade de vigiar e punir.
Não gostaria de ser mal interpretado por você leitor, que está dedicando alguns minutos da sua vida na leitura deste texto. Sei que todas as conquistas descritas acima são fundamentais, mas não dá mais para conviver com a impunidade, ela está se tornando o pior dos nossos males.
A democracia, a cidadania, os direitos humanos e a constituição não podem estar a serviço da impunidade, elas devem assegurar com toda certeza do mundo a dignidade humana, mas não podem ser comparsas da indigna e imoral impunidade.
Punir não significa torturar, matar, humilhar. Punir não deveria ser uma forma de aniquilar com a vida do malfeitor. Mas basta! Chega de impunidade, principalmente quando ela é fruto de conveniências, precisamos saber que vivemos em sociedade, que temos direitos e também deveres; que somos responsáveis pelas nossas ações e pelas consequências delas.
A certeza da impunidade tem se mostrado tão evidente entre nós, que estamos acostumando a ficar indiferentes, percebe-se que vivemos em uma sociedade em que as coisas estão acontecendo e para nós parece que “tanto fez, como tanto faz”. É por isso que o jeitinho brasileiro está incorporado na nossa cultura; é por isso que ninguém respeita nada; é por isso que nossas autoridades constituídas em muitos casos são motivos de chacotas; é por isso que a música dizia “ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação… Que país é este?”. A face mais perversa da impunidade está se mostrando no descaso das pessoas. Basta um bom advogado para ter certeza da morosidade da justiça.
A todos nós, sem exceção, deve ser assegurado o direito de defesa, mas este mesmo direito não deveria ser um disfarce para a impunidade. Existem situações que não podem demorar, que precisam ser resolvidas mais rapidamente. Quantos casos no Brasil que se arrastam de maneira simplesmente bizarra, tamanho os meandros e caminhos pelo qual percorrem, andam, andam, mas parece que nunca saem do lugar; e quando são resolvidos, na verdade não resolvem mais nada.
Volto a repetir, sou totalmente contra a violência, contra todas as formas de denegrir a vida humana, mas por isto mesmo não dá mais para aceitar que nossas conquistas sejam usadas para este fim, em nome delas a impunidade não pode reinar. Triste ver e presenciar que a da impunidade, quando interessa a determinado grupo ou pessoas, está corroendo as nossas conquistas.
Walber Gonçalves de Souza é professor.