Muitas pessoas se sentem incomodadas ou prejudicadas com as cotas reservada em empresas e concursos para pessoas com deficiências, entre outras minorias sociais marcadas historicamente pelo descrédito, preconceito e intolerância. Mas os incomodados, muitas das vezes, não param para conhecer a história e seus reflexos no dia a dia daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, condição essa imposta por algum fator natural ou social e não por escolha própria. Afinal, ninguém escolhe nascer cadeirante, indígena, ou qualquer outro grupo vítima de exclusões oriundas de pensamentos ignorantes acerca de suas peculiaridades.
É comum o tratamento desigual ser justificado pela necessidade de se promover iguais oportunidades a tais pessoas. Na falta dessas condições especiais certamente esse grupo ficaria condenado ao subemprego ou a uma absoluta invisibilidade em meio à sociedade. Afinal, qual empresário daria preferência a contratar um indivíduo surdo, que demanda a capacitação de pessoas no uso da Libras (Língua Brasileira de Sinais) para a sua inclusão junto ao ambiente laboral, em detrimento à contratação de um indivíduo ouvinte, que economicamente é muito mais viável? Prefere-se a contratação de um cadeirante que demanda a construção de rampas de acesso, dentre outras adaptações no espaço físico e cultural da empresa, ou de um indivíduo dito “normal”?
No momento da seleção de pessoas para determinada vaga de emprego, geralmente, ao se deparar com uma condição física, intelectual ou cultural diferenciada, o preconceito enraizado na mente da grande maioria da sociedade impede o contratante em acreditar nas capacidades que vão além das limitações impostas por essa condição. E, em virtude desse preconceito, muitos alegam incapacidade para exercer determinadas funções laborais, sem antes pesquisar a fundo, ou ao menos testar o potencial que aquele indivíduo possui, apesar de sua condição especial.
Muitas das vezes as pessoas com deficiências são julgadas erroneamente como incapazes, e, portanto, por desconhecimento acerca de suas características não são valorizadas e aproveitadas em funções equivalentes às vantagens oriundas da deficiência, como, por exemplo, a capacidade de concentração e detalhamento dos surdos, ou mesmo a acuidade auditiva dos cegos.
Outro importante fator a se levar em consideração é a preparação ofertada a esses indivíduos para o mercado de trabalho no qual estão inseridos. Será que as escolas oferecem condições favoráveis para que uma pessoa surda estude e aprenda adequadamente a Língua Portuguesa na modalidade escrita – que não é sua língua natural – a fim de que lhe seja cobrado o mesmo nível de conhecimento em concursos públicos? Aos cegos tem sido oferecido material didático pedagógico suficiente em Braile? Às pessoas com deficiência intelectual é dado suporte psicológico nas escolas, e profissionais realmente preparados para acompanhá-los em salas de aula regular? Os instrumentos de adaptação necessários ao bom desenvolvimento do processo escolar aos que possuem alguma limitação física estão sendo oferecidos nas escolas? E os indígenas? O acesso à educação tem sido oportunizado aos mesmos dentro de suas aldeias, respeitada sua cultura, história e identidade? Será que temos um número proporcional e significativo de negros ocupando cadeiras em universidades e em cargos públicos de grande relevância?
Por certo que a resposta para todas essas perguntas, infelizmente, é: NÃO. Sendo assim, se não são dadas as mesmas oportunidades, não é possível ou razoável se exigir idênticas capacidades. E para dar as mesmas chances é preciso criar estratégias como, por exemplo, a criação de reservas de vagas em concursos e empresas.
Portanto, melhor do que se sentir incomodado com a criação de ações afirmativas oferecidas a pessoas especiais é ser agradecido por ter todas as capacidades fisiológicas e condições sociais para não precisar de privilégios dessa natureza. Ademais, o sentimento de prejuízo pode ser substituído por ações altruístas, participando na luta pelo reconhecimento dos vulneráveis, cuja necessidade de tratamento diferenciado é a única esperança para se tornarem tão iguais quanto o são em sua essência humana.
*Gabriella Coelho Motta Pizzani é tradutora e intérprete de LIBRAS/Português e professora da disciplina LIBRAS em todos os cursos de graduação oferecidos pelo UNEC- Centro Universitário de Caratinga.
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