HORA DE JUNTAR OS CACOS
*Eugênio maria Gomes
Como anda o seu relacionamento familiar, social e profissional, no mundo real e nas redes sociais, após as eleições presidenciais? Continua igual ou conseguiu piorar ainda mais? E falo em “piorar” porque, não obstante alguns terem conseguido aumentar o número de colegas e ou seguidores, por conta de terem posições ideológicas parecidas, dificilmente, alguém conseguiu ampliar, em qualidade, seus relacionamentos, nesse período. Pelo contrário, muita gente perdeu a simpatia e o bem-querer de amigos, de parentes e, até, de amores. É impressionante como desta vez uma campanha política conseguiu fazer com que nos afastássemos de pessoas, antes queridas, por conta de posicionamentos políticos divergentes.
Por conta da pandemia, em virtude dos necessários afastamentos sociais, que impuseram uma diminuição das visitas e dos abraços, o uso de aplicativos de comunicação digital aumentou significativamente, o que acarretou, por óbvio, o aumento na quantidade de conflitos de opinião. Todavia, mesmo após a pandemia ser abrandada, o uso generalizado e até excessivo da comunicação digital fez aumentar ainda mais os conflitos nas redes sociais e, de forma muito contundente, nos grupos de WhatsApp. É que este se tornou o aplicativo no qual a comunicação fluiu de maneira mais prática, mais rápida, substituindo quase totalmente o uso da ligação telefônica, nas conversas com os mais próximos. E esses conflitos, em alguns casos, diminuiu, ainda mais, o contato entre as pessoas, todavia, em outros, acabou mesmo foi provocando bloqueios e impedimentos para a boa comunicação.
Nas famílias, a célula social mais importante, aquela na qual sempre acreditamos que nela estavam, de fato, as pessoas com quem poderíamos sempre contar, a polarização de ideias provocou verdadeira hecatombe. O interessante é que, com o advento da pandemia, passamos a nos comunicar pelo aplicativo com parentes distantes, pessoas que estavam em outras regiões do país e do planeta. Que maravilha era poder visualizar aquela tia que morava a quilômetros de distância ou aquele primo que não víamos desde a infância e que agora residia no outro lado do mundo… Mas, de repente, veio a campanha política, os proprietários de “políticos de carteirinha”, as fakes news, os extremistas ideológicos e a falta de cuidado nas postagens. Ah, como as postagens provocaram rupturas nas relações. Por mais que o administrador colocasse no grupo que o assunto deveria ser evitado, mais energia algumas pessoas pareceram ganhar nos dedos, digitando mensagens, às vezes, ofensivas.
E foi assim que, em muitos grupos de relacionamento familiar, via WhatsApp, pessoas foram saindo, outros ficaram sem se falar, alguns continuaram as suas postagens e, em outras, até hoje, tem briga todos os dias, pelo mesmo assunto. Alguns casamentos foram abalados, noivados foram desfeitos e muitos namoros, sequer emplacaram. Existem por aí filho que não fala com os pais, primos que não se falam, irmãos que estão afastados, avós que perderam o carinho e a visita dos netos. Infelizmente.
Nas relações sociais, as coisas não foram diferentes. No entanto, clubes de serviço e instituições como a maçonaria, por exemplo, acabaram optando pela criação de um expediente, feio na verdade, mas que de certa forma criou alguma barreira para o aumento dos conflitos: implantaram um segundo grupo, o “não oficial”, de tal sorte que, no grupo oficial, nenhuma questão política pudesse ser registrada, discutida, como muito bem determina os estatutos e os regimentos internos destas instituições. Assim, aquele que não queria discutir essas questões ligadas à esquerda ou à direita podia simplesmente não participar de tais grupos, ficando ainda com acesso ao grupo oficial, às questões que realmente importam para todos. Mas, ainda assim, vamos encontrar amizades abaladas nos clubes de serviço, nas lojas maçônicas, tudo por conta da insistência de alguns em discutir esses temas, em local e de forma inadequados.
Nos grupos de WhatsApp das organizações, de maneira especial nas empresas privadas, o impacto acabou sendo menor, muito por conta do velho e infeliz ditado, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Muitas empresas simplesmente proibiram a tratativa de assuntos políticos nos grupos e, nas que não proibiram, eventuais conflitos acabaram sendo resolvidos no dia a dia, face a proximidade das pessoas, durante o trabalho. Sobraram caras feias aqui e acolá, mau-humor contumaz em determinada hora do dia, mas as pessoas precisam se falar e a vida profissional vai acontecendo, pelo menos no ambiente das empresas.
Acredite, até nos grupos destinados à oração, muitos deles criados no início da pandemia, os conflitos apareceram e continuam persistentes. Alguns administradores destes grupos simplesmente bloquearam todas as mensagens e as pessoas recebem apenas a oração. Em outros, os administradores têm um trabalho persistente, de todo dia ter que solicitar que não sejam feitas determinadas postagens e, em alguns casos, apagar a mensagem alheia. O interessante é que estes grupos foram criados como forma de unir as pessoas em torno da oração, da celebração da vida, de agradecimentos diversos e para pedir orações, conjuntas, para doentes, para as pessoas que perderam entes queridos etc. Grupos criados para as pessoas terem notícias dos doentes, para se apresentarem condolências e ajudarem a aplacar as dores, que são muitas. Ainda assim, alguns, insistentemente, gastam sua energia e o seu tempo, tentando impor seu posicionamento acerca de questões políticas.
Enfim, foram muitos os desencontros, muitas as amizades “esfriadas”, ou simplesmente desfeitas. Muita coisa boa foi esquecida, por conta do apadrinhamento de candidatos; pelo fato de as pessoas se comportassem como se fossem membros de uma seita, misturando religião com política e deixando as duas jogarem na lama relacionamentos antigos, pautados no respeito e no amor fraterno.
Sempre é tempo de rever posições, de pedir desculpas, de desfazer mentiras. Muitos jarros foram quebrados, e alguns eram raros, difíceis de serem encontrados. Alguns se partiram em pedaços maiores, outros em pedaços muito pequenos. Alguns jamais serão reconstruídos, por conta da quantidade e do tamanho dos fragmentos. No entanto, a maioria comporta reparos, colando pedaço por pedaço. É claro que serão, sempre, jarros quebrados, mas suficientes para a manutenção das relações baseadas nas boas maneiras e civilidade. O que não podemos, de forma alguma, é não querer, sequer, ter de novo o jarro, mesmo que seja emendado.
*Eugênio Maria Gomes é professor e escritor*