Sandrinho da Hemodiálise” dá sua experiência de mais de 30 anos fazendo parte da vida de inúmeros pacientes
CARATINGA – A hemodiálise é um procedimento que realiza exatamente a função do rim em nosso corpo, retirando as substâncias tóxicas, água e sais minerais pelo auxílio de uma máquina. Naturalmente, os rins é que fazem este papel importante no corpo humano, limpando e eliminando por meio da urina, as substâncias ruins do organismo.
As pessoas que precisam realizar a hemodiálise são aquelas diagnosticadas com a insuficiência renal, considerada uma doença silenciosa. A insuficiência não apresenta sintomas no início das complicações, mas apenas quando os rins já estão apresentando um grau elevado de perda de função.
Com a perda de função, que equivale a menos de 10% da atividade dos rins, a pessoa necessita iniciar o tratamento de hemodiálise, para manter o equilíbrio das substâncias essenciais para o organismo.
As pessoas que precisam fazer esse tratamento geralmente ficam debilitadas e algumas vezes tristes, precisando não só de uma máquina que vai tratar do seu corpo, mas também de um profissional competente e amigo.
O enfermeiro Sandro Ambrósio Dias, 52 anos, mais conhecido como “Sandrinho da Hemodiálise”, já dedica quase 33 anos de sua vida a esses pacientes, que para ele são como pessoas de sua família.
Na matéria especial de hoje, Sandrinho conta algumas experiências que passou ao logo desse tempo de dedicação
à hemodiálise. “Entrei aqui com 19 anos, são 33 anos que venho prestando esse trabalho. Fui padeiro, vendedor, depois entrei para a área de saúde, diretamente já na hemodiálise, e me identifiquei com a clínica (Clirenal), com o trabalho que estava prestando. Entrei aqui na faxina, da faxina a auxiliar de enfermagem, depois técnico em enfermagem, enfermeiro, e hoje nós estamos trabalhando aí junto com o pessoal na supervisão”, conta com orgulho o enfermeiro.
Sandrinho explica que trabalha diretamente no assistencialismo, e também auxilia os técnicos no cuidado com os pacientes durante as sessões de hemodiálise, fornecendo um pouco da experiência adquirida ao logo dos anos, e ao mesmo tempo “ser útil aos nossos irmãos, que são a imagem e semelhança de Deus”.
“Lidar com esse trabalho todo dia é uma tarefa até árdua pra gente, porque quando começamos a cuidar do paciente vamos criando uma amizade, praticamente um vínculo familiar. Os pacientes vêm com vários problemas acarretados, problemas pessoais, as restrições que a doença traz pra vida deles a gente tem que saber lidar com isso, ter jogo de cintura, porque somos humanos também e a gente acaba sofrendo uma parcela do que o paciente está passando. E quando esses pacientes chegam a falecer, é como se a gente estivesse perdendo um ente querido da família”.
CONTATO COM OS PACIENTES
Por passar muito tempo com os pacientes, pois o tratamento pode durar anos, Sandrinho acaba tendo intimidade com eles e sabendo bastante de suas vidas. Algumas histórias de pacientes marcaram a vida do enfermeiro, e ele conta duas que não consegue esquecer.
“Teve um paciente que cheguei à sua casa, e ele estava riscando a parede com um garfo, retirando terra e comendo, ele era alcoólatra. Constantemente chamava atenção dele para parar com aquela bebida, porque isso trazia vários danos à saúde dele. Um dia ele me parou e disse que eu chamava muito sua atenção, mas não sabia porque ele bebia. Aí ele me contou que o pai dele bebia muito, e o único momento que via o pai dele feliz era quando estava embriagado. E por causa disso, constantemente ele bebia, e que pra ele nascer havia perdido a mãe no parto dele. E seu pai foi assassinado em sua frente. Então os únicos momentos que sentia felicidade era quando estava embriagado. Aí falou comigo que ao invés de chamar a atenção das pessoas simplesmente porque bebiam, era pra eu pedir pra contarem porque bebiam. Então ele acabou me dando uma lição de vida”, destacou Sandrinho.
E em outra experiência com um paciente, Sandrinho lamenta por não ter podido evitar um suicídio. “O paciente praticamente me deu todos os sinais que iria suicidar e eu não atinei para isso. A filha dele iria se casar num domingo, ele disse para mim que na terça-feira iria resolver um problema que não aguentava mais. Contou que a vida pra ele estava difícil. Perguntei pra ele porque não estava feliz, já que sua filha iria casar? Ele disse que estava feliz em partes, mas disse que sabia que estava sendo um peso na vida das pessoas, disse que gostava do genro, mas disse que na terça-feira resolveria um problema depois que a filha casasse, e na terça cometeu suicídio. Eu não pude agir, e infelizmente me senti falho, por não ter percebido isso antes e não ter conversado mais com ele, falado de Deus”.
CONFORTO ESPIRITUAL
Como forma de ajudar ainda mais o paciente, Sandrinho consegue levar alento através de orações, louvores e mensagens bíblicas.
“Primeiramente foi a minha conversão, fui para a presença do Senhor, e senti como todo novo convertido o desejo de trazer todo mundo para o caminho do Senhor. Percebi que a gente perdia muitas vidas sem falar do amor de Deus. Com isso percebi que estava no lugar certo, pois além de trabalhar aqui, poderia trabalhar também para o Senhor, falando do amor Dele aos pacientes. Tive então o desejo de começar a fazer esse evangelismo, e além do meu profissionalismo como enfermeiro, poder também dar a eles um conforto espiritual, podendo falar de Deus”, destaca o enfermeiro.
Sandrinho relata que no começo não foi fácil ter a aceitação de todos os pacientes, já que existem pessoas de diferentes religiões. “A gente foi demonstrando pra eles que não viemos pregar placas de igreja, mas viemos para falar do amor de Cristo, então foi havendo aceitação. Hoje na verdade são eles que cobram no dia em que esqueço de fazer uma oração, ou simplesmente falar de Deus”, relata com satisfação.
Sandro está sempre alegre e de bem com a vida, e nunca se esquece do seu compromisso com os pacientes. “Aqui a gente se volta para doar mais, porque a gente sabe que as pessoas que estão depositando essa confiança em nós, no trabalho que a gente presta com amor e carinho, porque a esperança está depositada em nós, na frente da máquina, não tem chance para erros. Eles sabem que a vida deles está aos nossos cuidados, e a gente poder ser útil ao nosso semelhante, é tudo de bom. Ainda bem que é “Sandrinho da Hemodiálise”, e não hemodiálise do Sandrinho, isso é sinal de doação, de dedicação”.
Para o enfermeiro fazer bem a um paciente não tem preço, principalmente quando eles conseguem voltar a ter esperança de uma vida melhor. “Tem um paciente que era muito fechado, não ria de forma alguma, jovem, chegou para fazer hemodiálise, não interagia com ninguém. Comecei a trabalhar com ele, começou a se abrir comigo, contar as intimidades dele, um menino que era tão fechado, hoje já tem 34 anos, e hoje é super aberto. Até com declínio da saúde, você percebe que hoje ele é mais falante, mais aberto. Fui jogar bola num campo perto da casa dele e o vi conversando no meio das mocinhas, só não deixei ele me ver. Quando chegou no dia da hemodiálise, falei com ele que não conversava com a gente, mas que eu o tinha visto na beirada do campo cheio de ‘love store’ com as meninas. Aí ele ficou todo empolgado e nisso foi se abrindo comigo, se soltando, porque ao invés de tentar trazê-lo para o meu mundo, eu que acabei entrando no dele, tentando fazer com que ele se soltasse comigo, e a amizade já se perdura por 17 ou 18 anos. E na verdade são três irmãos da mesma família que aqui estão e hoje a amizade prevalece”, contou Sandrinho.
E para os profissionais que estão começando a trabalhar na área, o conselho de Sandrinho é que trabalhem na hemodiálise com amor. “A mensagem que deixo é que os profissionais que estão entrando agora, que venham por amor, para tratar bem o ser humano, e perceber que ali não está apenas uma pessoa. Se você for tratar a pessoa, você vai levar prejuízo, mas se você for tratar o ser humano em si, imagem e semelhança de Deus, com certeza terá sucesso. Quando for tratar um paciente, olhe diretamente nos olhos, ganhando a confiança, tirando a prepotência, demonstrando pra ele que você também é ser humano, e o que faz você estar do lado de cá, e ele do lado de lá, é a misericórdia de Deus, e se você estivesse do lado de lá gostaria de ser bem tratado. Então faça isso pelo seu semelhante, pelo seu paciente”.