Professora e aluna opinam sobre qual deve ser a postura de ambos na sala de aula, diante de temas polêmicos
Um assunto que tem ganhado notoriedade nos últimos anos é uma possível “doutrinação política e ideológica”, que tem ocorrido dentro das salas de aula. Segundo pensam algumas pessoas, os alunos têm tido pouca liberdade de expressão nas escolas e na maioria das vezes professores tentam “fazer a cabeça” dos alunos, impondo seus ideais sobre determinados assuntos.
As salas de aula, além de um espaço de aprendizagem, abrem espaço para debates, principalmente nas disciplinas de história, geografia, filosofia e sociologia; onde é impossível não formar opinião. Os professores acabam sendo os mediadores destas discussões, mas de acordo com a ética destes profissionais, eles devem demonstrar uma postura neutra.
Em alguns estados, já têm tramitado projetos de lei buscando combater esta suposta prática, o que virou uma grande polêmica. Por exemplo, no Espírito Santo, há o projeto de lei que cria o programa ‘Escola Livre’, com o seguinte texto: “é vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico”.
A justificativa ainda cita que “é fato notório que professores e autores de livros didáticos vem-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes e determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”.
O DIÁRIO DE CARATINGA traz uma entrevista com a professora Zilanda de Souza, que é psicopedagoga e neuropsicopedagoga e a adolescente Paula Fernanda Gonçalves Silva, 16 anos. Elas expressam opiniões sobre o assunto e arriscam palpites de como melhorar o ensino nas escolas.
“Discurso inflamado não faz a cabeça dos alunos”
Professora Zilanda de Souza acredita que a sala de aula é um espaço democrático e aberto a discussões, ainda que estas estejam voltadas para a política.
Como a senhora vê o assunto “doutrinação política e ideológica nas escolas”, por parte dos professores?
Vejo que o Brasil vive um momento político conturbado e novo para os nossos alunos dentro da educação básica. A informação e o debate estão muito mais acessíveis, em decorrência do avanço tecnológico. Cabe, portanto, aos educadores, proporcionar a reflexão crítica e aberta, de forma democrática entre os alunos. Doutrinação política não combina com a democracia. Impedir a livre expressão e o debate político dentro dos espaços escolares também não combina com a democracia. É preciso buscar o equilíbrio.
Principalmente no caso das disciplinas de filosofia e sociologia, que exigem que os alunos reflitam e opinem sobre determinado assunto; discursos inflamados por parte dos professores não podem acabar “fazendo a cabeça” dos alunos?
Estamos vivendo uma nova era na educação. Há algum tempo, os alunos não obedecem cegamente aos professores. Especialmente na adolescência, fase marcada por um processo crescente de autonomia, nossos alunos são questionadores e por vezes, até opositores em relação aos ensinamentos dos professores. Discurso inflamado não faz a cabeça dos alunos. Discurso inflamado ensina os alunos a se inflamarem nas suas defesas também. Penso que nós professores devemos adotar a prática do equilíbrio, do questionamento e da investigação. Esse é o modelo que atende a perspectiva de um país democrático e que promove construção de pensamento político. Ordens, acusações, discursos de ódio e o partidarismo, não devem compor o ambiente político da sala de aula.
Pelo país, deputados estudam projetos objetivando a punição criminal àqueles professores que forem considerados praticantes da suposta doutrinação. A aprovação poderia ser considera uma forma de “censura” aos docentes?
Penso que nesse momento político, onde os setores: executivo, judiciário e legislativo; perderam a credibilidade diante de toda população brasileira, a motivação da lei é enfraquecer a discussão política. Não acredito em doutrinação de nada nas escolas. Nunca tivemos um contexto de liberdade maior como agora. Contexto esse construído através dos pressupostos de grandes educadores como Paulo Freire e Anísio Teixeira. Creio sim, que a aprovação da lei motiva a censura e de forma implícita, fere a democracia.
De um lado, querem condenar esta possível doutrinação. Paralelamente, há um projeto de implantar a disciplina de Cidadania Moral e Ética no ensino fundamental e a de Ética Social e Política no ensino médio. O que a senhora pensa sobre isso?
Gerar outras discussões é o exercício saudável da democracia. A sala de aula é um ambiente político. A sala de aula é um espaço democrático. Ninguém deve ser calado. E além do mais, política é uma ciência e deve sim, compor os currículos da educação, com objetivo de ampliar a percepção crítica e reflexiva da cidadania, da construção de um povo, a fim de proteger nossa democracia. Penso que a partir deste enfoque, livre de discursos inflamados, mas cheio de investigação, reflexão e liberdade, educaremos nossos jovens para a autonomia, empoderando-os para o verdadeiro sentido democrático.
“Devemos respeitar a liberdade de cada indivíduo”
A adolescente Paula Fernanda Gonçalves Silva, 16 anos, defende liberdade dos alunos e aulas que façam com que eles possam refletir.
A “doutrinação política e ideológica nas escolas”, realmente acontece?
Sim, acontece muito por sinal. O professor acaba inevitavelmente tendo mais liberdade de expressão dentro da sala de aula, podendo assim deixar explícita sua opinião e posição sobre determinados assuntos. Quando há apenas uma opinião pessoal vinda da parte dos professores, no qual não haja uma doutrinação em si, não vejo problemas, levando em consideração que permitam que os alunos também opinem. Nenhum tipo de doutrinação é aceitável, devemos respeitar a liberdade de cada indivíduo em sua posição, sem induzirmos os mesmos a pensarem como nós.
Você já presenciou alguma vez isso acontecer na sala de aula?
Sim, como aluna já me deparei com esse tipo de acontecimento.
Em sua opinião, esta é uma atitude antiética?
De fato. Creio que é imoral por parte dos professores essa imposição de ideias. O papel educacional deveria não ensinar uma opinião como verdade, e sim inspirar o aluno a ter um questionamento sobre determinados assuntos, que estejam claro, dentro da matéria ou debates realizados em sala de aula, e não os moldando seguindo o padrão de pensamento que possuem.
Muitos dizem que a função principal da escola é “formar cidadãos”, deixando o termo “ensinar” em segundo plano. O que você pensa sobre isso?
Através dos ensinamentos recebidos na escola, é que cada um por si só formará seu caráter. A escola deve cumprir sua obrigação de repassar aos alunos a educação de qualidade, e não necessariamente “formar cidadãos”, até porque alunos já são cidadãos. Escola forma alunos, a partir disso; aprenderão como viver em civilização.
Como fazer com que a sala de aula tenha espaço para um debate saudável, onde a educação moral esteja de acordo com as próprias convicções dos alunos?
Primeiramente tenhamos que ter o apoio do professor, pois infelizmente em nosso sistema a autoridade “sempre tem razão”, e sem sua vontade fica difícil. Em minha opinião, a educação deveria ser movida pelo que os alunos almejam aprender e debater, fazendo então uma escolha democrática dos temas, respeitando a opinião de cada um, tendo liberdade de expressão de todos, e nenhuma forma de doutrinação.