Ildecir A.Lessa
Advogado
Desde a campanha eleitoral de 2018, onde houve um acirramento do clima entre eleitores de pensamentos opostos. Evidente que, divergências partidárias são comuns em período eleitoral. Na última campanha eleitoral majoritária, elas foram mais frequentes, com registros de agressões verbais e físicas. As agressões se intensificaram após a confirmação do segundo turno presidencial entre os candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.
Na eleição de 2018, ocupou o lugar de principal adversário dos petistas, atraindo um eleitor desiludido com a série de escândalos de corrupção no país. Passadas as eleições, essas tendências agressivas continuam, num patamar assustador, alimentada que é pela mídia diária, onde a pauta resvala numa vala comum, de uma crise social do país que, deve ser observada, onde se vive uma crise de intolerância como nunca dantes vista. Ela fica clara pela desistência do diálogo em todas as camadas. Pessoas muito próximas estão preferindo não abordar mais o assunto política porque sabem que, se o abordarem, vão ter problemas sérios. O que está presente é que, instaurou-se uma guerra civil verbal. A um passo de uma guerra civil carnal. E quando o diálogo termina, o próximo passo é a agressão física. Essa guerra civil verbal se materializa quando existe tal violência que justifica deletar uma pessoa dar um murro no outro, separar um casal e fazer irmãos brigarem, tudo isso porque, as pessoas estão aferradas a verdades estanques, numa gestação do ódio.
Hoje, porém, não existe mais uma só verdade. E isso é uma tendência da pós-modernidade. As verdades são todas provisórias. Jacques Lacan disse que a maior verdade que você pode alcançar é a “verdade mentirosa”. A instabilidade da verdade faz as pessoas buscarem transformar grupos de pertencimento em grupos radicais, alimentados pelo ódio. Quando se tem dez coisas e se escolhe uma, a única certeza que tenho é que perde-se nove. O que num momento era opção passa a ser verdade absoluta. E a preguiça de se responsabilizar por seus desejos leva as pessoas a querer ter o conforto do grupo. Se escolhe uma religião e existe outra, quer dizer que talvez outra pessoa possa estar errada. E ela já escolheu uma religião para não estar errada. Dá muito mais trabalho defender uma postura mais equilibrada. Uma escolha é sempre um ato arriscado. Isso tudo deságua no discurso do ódio. O ódio (tradução do inglês: hate speech) ou incitamento ao ódio é, de forma genérica, qualquer ato de comunicação que inferiorize ou incite contra uma pessoa ou grupo, tendo por base características como raça, gênero, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual ou outro aspecto passível de discriminação.
No direito, discurso de ódio é qualquer discurso, gesto ou conduta, escrita ou representada que seja proibida porque pode incitar violência ou ação discriminatória contra um grupo de pessoas ou porque ela ofende ou intimida um grupo de cidadãos. A lei pode tipificar as características que são passíveis de levar a discriminação, como raça, gênero, origem, nacionalidade, orientação sexual ou outra característica. No Brasil, o Art. 3º da Constituição Federal define que o objetivo da República Federal do Brasil também consiste em “IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” O artigo Art. 5º, inciso XLI diz que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, enquanto o inciso XLII expressamente proíbe toda forma de racismo: “XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. A proibição explícita de discursos de ódio está, contudo, garantida pela lei contra o preconceito (7.716/89), que proíbe “Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional.” Logo, a lei contra o preconceito já coíbe discursos de ódio referentes a raça, religião e origem. Chegou o momento de encerrar essa guerra civil verbal, que somente alimenta o discurso do ódio, que a cada dia vai fazendo mais vítimas, atingidas pela intolerância.