Jornalista caratinguense conta como é conviver com a insegurança. Para preservar a integridade, Tereza Cristina e as três filhas passam os dias em casa e apenas o marido sai para fazer as compras
DA REDAÇÃO – Representantes dos policiais militares e do Governo do Estado chegaram a um acordo, na noite desta sexta-feira (10) em uma reunião sem a participação das mulheres dos PMs que ocuparam a
frente dos batalhões no estado. A negociação terminou sem reajuste salarial para a categoria, mas ficou acertado que o Governo vai desistir das ações judiciais contra as associações, e formar uma comissão para regulamentar carga horária dos policiais.
Embora tenha sido noticiado esse acordo, o clima até o fechamento dessa edição era de incerteza. Os ônibus voltaram a circular em Vitória/ES, mas as mulheres dos policiais continuavam o protesto. E os veículos de comunicação capixabas diziam que militares não eram vistos nas ruas.
No oitavo dia de paralisação da Polícia Militar, o número de homicídios chegou a 137 no Estado, segundo o Sindicato dos Policiais Civis (Sindipol/ES). De acordo com a instituição, até às 10 horas de ontem foram registradas nove mortes, já incluídas no número citado.
TESTEMUNHA OCULAR
A jornalista caratinguense Tereza Cristina Souza Santos Xavier, 34 anos, reside há dois anos e dois meses em Guarapari/ES. Ela é casada com Lair Xavier e desta união nasceram as filhas Victória, 15 anos, Vanessa, 13, e Viviane, 5. Hoje ela trabalha como representante comercial. Em entrevista realizada por e-mail na noite de sexta-feira (10), Tereza contou como a greve alterou sua rotina e como é conviver com esse clima de segurança.
Por que você resolveu se mudar para o Espírito Santo?
Como a maioria dos mineiros, sempre frequentei o estado do Espírito Santo nas férias. E nos últimos anos, eu e minha família vínhamos cultivando a vontade de mudar pra cá. Em 2013 e 2014, estivemos aqui no Estado, algumas vezes, sem ser em época de férias. Foi aí que pude conhecer como era o ritmo aqui… Bem diferente do que vemos na temporada. Tivemos a certeza que aqui poderia ser um bom lugar para viver e criar nossas filhas. Guarapari é uma cidade bem estruturada, muito tranquila fora de temporada, tem boas escolas, um bom atendimento na saúde, não tem trânsito estressante, não tem violência exacerbada, está apenas 30 minutos da capital e ainda tem praia, que eu amo. Então surgiu uma oportunidade de empreender aqui. Vim por escolha, para trabalhar por conta própria e assim estamos há dois anos.
Em que a greve alterou sua rotina?
Totalmente. Pois bem, sábado (4) foi o último dia que pude atender os meus clientes e o restante da minha equipe também. Não tem como sair de casa para trabalhar. Primeiro porque seria arriscar demais diante do cenário de roubos e assaltos e segundo, porque não teria a quem atender, nenhum comércio funcionou por estes dias. Como na segunda-feira (2) seria de volta as aulas, havia organizado a nossa rotina toda para isso, mas fomos surpreendidos e as crianças “ganharam mais uma semana de férias”, mas sem poder colocar os pés na rua.
Vocês conseguiram sair de casa para comprar alimentos?
Sim, a única coisa que estava funcionando aqui era alguns poucos supermercados, padarias e posto de gasolina, mesmo assim, no máximo até às 18 horas. Quando precisava sair para comprar algo meu esposo é quem o fazia.
E a escola, como ficou?
Nenhuma escola iniciou as atividades. Nem municipal, nem estadual e nem as particulares.
As notícias que chegam mostram que a situação está um caos. No momento o pânico impera em Guarapari?
Bom, até nesta sexta-feira (10), a recomendação era para não sair de casa. Como eu disse, pouquíssimos comerciantes se arriscavam abrir seus comércios. O cidadão só saía de casa quando era necessidade. O medo ainda imperava, mas posso dizer que o pico maior do pânico foi de domingo (5) a quarta-feira (8), quando a cidade ficou literalmente tomada pela bandidagem.
Durante a greve, você chegou a testemunhar algum ato de violência?
Eu moro em uma área mais residencial na Praia do Morro, então, como não tem muito comércio por perto, aqui estava mais tranquilo. Mesmo assim, na tarde de quarta-feira (8), um carro roubado foi abandonado na porta da minha garagem. Tenho muitos amigos e clientes que moram no centro e viram várias cenas horríveis: como homens armados de carro, pessoas correndo com produtos roubados, cidadãos pegando ladrão e batendo, amarrando. Em vários momentos ouviram-se tiros. Cenas que tiraram a paz e a tranquilidade da população.
Qual opinião os capixabas tem sobre essa greve?
Aqui as opiniões se divergem. Muitos apoiam a PM, porque realmente ela realizava até então, um serviço de qualidade. Morando aqui, posso te dizer que a cidade é bem tranquila. A polícia age com bastante eficiência na repressão ao crime e também é muito educada para tratar o cidadão e o turista. Mas por outro lado, há aqueles que são contra e acham que eles realmente são os culpados disso tudo. Acredito que devido às proporções que a paralisação tomou, e o posicionamento de ambas as partes envolvidas, fica difícil ter uma opinião formada e coesa sobre a situação.
E sobre o governador Paulo Hartung (PMDB). O que os capixabas tem dito?
Não vi ninguém elogiando até momento. No meio dessa crise, a impressão que se teve é que o Estado demorou em tomar a primeira medida, foi irredutível desde o primeiro momento, se negando a conversar com a classe… Enfim, ficou claro que enquanto a polícia defendia o aumento, o governo defendia a “integridade” de sua folha de pagamento. Nessa guerra de braço, faltou quem realmente defendesse a população.
A chegada das forças de segurança trouxe certo alívio ou medo ainda prevalece?
Digamos que trouxe uma luz no fim do túnel. Porque mesmo com a chegada das tropas a vida ainda não voltou ao normal. Todos sabem que a quantidade de homens não seria suficiente para fazer a segurança de todo Estado. Aqui em Guarapari, por exemplo, apenas 37 homens para uma população de mais de 100 mil habitantes. Sem contar que, não tem como você se sentir em paz numa cidade cercada de homens com tanques de guerra.
Acaba de chegar a notícia de que a greve acabou. Então o que espero disso tudo é que possamos voltar a nossa rotina, mas com a certeza, que o 2017 jamais será o mesmo para Estado. Em 2015, o Espírito Santo sofreu muito com a tragédia de Mariana. Já que aqui funcionava uma unidade da Samarco e milhares de pessoas ficaram desempregadas. Diferente das previsões, o verão aqui, foi muito bom para o turismo e a esperança de um ano melhor estava estampada no rosto do capixaba. Mas infelizmente, sabemos que o prejuízo financeiro destes 7 dias sem a PM, dificilmente será recuperado. E muitos comerciantes não conseguirão reabrir suas empresas, já que no centro, quase todos os estabelecimentos foram roubados. Nunca imaginei ver isso.
Entenda a crise no Espírito Santo
No sábado (4), parentes de policiais militares do Espírito Santo montaram acampamento em frente a batalhões da corporação em todo o Estado. Eles reivindicam melhores salários e condições de trabalho para os profissionais.
A Justiça do Espírito Santo declarou ilegal o movimento dos familiares dos PMs. Segundo o desembargador Robson Luiz Albanez, a proibição de saída dos policiais caracteriza uma tentativa de greve por parte deles. A Constituição não permite que militares façam greve. As associações que representam os policiais deveriam pagar multa de R$ 100 mil por dia pelo descumprimento da lei.
A ACS-ES (Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Espírito Santo) afirmou não ter relação com o movimento. Segundo a associação, os policiais capixabas estão há sete anos sem aumento real, e há três anos não se repõe no salário a perda pela inflação.
A SESP (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social) contestou as informações passadas pela associação. Segundo a pasta, o governo do Espírito Santo concedeu um reajuste de 38,85% nos últimos sete anos a todos os militares e a folha de pagamento da corporação teve um acréscimo de 46% nos últimos cinco anos.
Na noite de sexta-feira (10), houve um acordo e a greve parecia ter chegado ao fim.
Ontem, o ministro da Defesa Raul Jungmann esteve no Espírito Santo. Em um pronunciamento no 38º Batalhão de Infantaria, em Vila Velha, o ministro fez um apelo aos policiais militares: “Bons policiais devem honrar seu juramento, que é o de proteger a sociedade. Aqueles policiais que assim não entendem estão contribuindo para o aumento da criminalidade que juraram combater. Faço um apelo para que honrem suas fardas, que honrem seu juramento, que venham defender o povo”, disse Jungmann.
Em entrevista concedida ao blog de Matheus Leitão, no Globo.com, o secretário de Segurança do Espírito Santo, André Garcia, afirmou que a dificuldade maior é negociar com um movimento “heterogêneo, sem liderança e que solicita o que não se pode dar”.
Até o final dessa edição, o impasse continuava, mas o secretário André Garcia tentava se mostrar otimista. “A expectativa nossa é que a gente consiga, aos poucos, retomar a normalidade e a vida seguir normalmente aqui no estado, depois daquelas cenas tristes e lamentáveis que a gente viveu no final de semana passado, especialmente, até segunda-feira (6). Em termos de segurança pública, está melhorando. Com a presença das forças federais, o efetivo subiu para 3.500 militares e vai aumentar ainda com os policiais rodoviários federais”.