Ildecir A. Lessa
Advogado
“Viver é muito perigoso… Porque aprender a viver é que é o viver mesmo… Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa… O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra” (Guimarães Rosa).
De quando em vez, de boa lembrança, fazer entender através de ‘Grande Sertão: Veredas’, do sempre lembrado, Guimarães Rosa. Pode-se usar, como título da conversa, dentre outras expressões, as reflexões de Riobaldo, ex-jagunço, um dos protagonistas dessa narrativa. Numa interpretação literária, Riobaldo foi um dos grandes filósofos de todos os tempos. E, para começar, nada melhor que fazê-lo por um assunto, que nunca se esgotará. “[…] o ruim com o ruim, terminam por as espinheiras se quebrar – Deus espera essa gastança. Moço!: Deus é paciência. […] Deus não se comparece com refe, não arrocha o regulamento. Pra que? Deixa: bobo com bobo – um dia, algum estala e aprende: esperta. Só que, às vezes, por mais auxiliar, Deus espalha, no meio, um pingado de pimenta…”
Trazer de maneira simplificada as reflexões de Riobaldo, pela riqueza das especulações, que são simples e complexas ao mesmo tempo é uma forma de tentar interpretar o pensamento de Rosa. O romance é um diálogo interminável, mesmo com o findar das páginas. Riobaldo nos conduz pelo sertão dos gerais, gerais sem tamanho, o sertão está em toda parte. E a gente se enxerga muitas vezes nesse grande sertão. Ansiedade, angústia e insegurança. Sentimentos que pulsam em larga escala na sociedade. Em parte, explicados por variáveis sociais, como mais de 13 milhões de desempregados do País e percalços econômicos e políticos, aliados à insegurança pública que virou rotina e obriga o cidadão a um constante estado de alerta. Junto com isso, a velocidade de informação da era digital e tsunamis tecnológicos forçam a uma permanente modernização, sob uma ótica questionável de que se não fizermos isso estamos fadados a perdas de oportunidades pessoais e profissionais.
Pesquisa da International Stress Management Association (ISMA-Brasil) de 2016 revela que 81% da população economicamente ativa sofre de ansiedade, que a angústia afeta 73% das pessoas e que 61% vivem preocupadas. Estamos como povo sem esperança. Isso tem a ver com a credibilidade de gestores, com economia do País. Qualquer pequena mudança nos empolga, mas a realidade mostra que logo depois vem o balde de água fria. Nesse turbilhão, nesse grande sertão da existência humana, tem a filosofia. A filosofia existe para que as pessoas possam viver melhor. Sofrer menos. Lidar melhor com as adversidades. Enfrentar serenamente o “perpétuo vai-e-vem de elevações e quedas”, para citar uma grande frase de um filósofo da Antiguidade.
A missão essencial da filosofia é tornar viável a busca da felicidade. Todos os grandes pensadores sublinharam esse ponto. A filosofia que não é útil na vida prática pode ser jogada no lixo. Alguém definiu os filósofos como os amigos eternos da humanidade. Nas noites frias e escuras que enfrentamos no correr dos longos dias, eles podem iluminar e aquecer. A filosofia apoia e consola. Existe nos escritos filosóficos um registro de que, um sábio da Antiguidade não abria nenhuma correspondência depois das quatro horas da tarde. Era uma forma de não encontrar mais nenhum motivo de inquietação no resto do dia, que ele dedicava a recuperar a calma que perdera ao entregar-se ao seu trabalho. Olhemos para nós, e nos veremos com frequência abrindo mensagens no computador alta noite, e não raro nos perturbando por seu conteúdo. O único resultado disso é uma noite mal dormida. Fazemos muitas coisas desnecessárias. Coloque num papel as atividades de um dia. Depois veja o que realmente era preciso fazer e o que não era. A lista das inutilidades suplanta quase sempre a das ações imperiosas. Agimos como formigas quase sempre, subindo e descendo sem razão o tronco das árvores, e pagamos um preço alto por isso: ansiedade, aflição, fadiga física e mental. Nossa agenda costuma estar repleta. É uma forma de fugir de nós mesmos. Eliminar ao menos algumas das tantas tarefas inúteis que nos impomos a cada dia é vital para continuarmos a viver essa vida perigosa, nesse grande sertão, com o consolo da filosofia.