Caratinguenses também eram atendidos na unidade. Psiquiatra procurou o DIÁRIO relatando falta de leitos em outro hospital designado para atender a esta demanda
CARATINGA- O ato administrativo do Estado que determinou ao Hospital Galba Velloso (HGV), em Belo Horizonte, a interrupção do acolhimento psiquiátrico para atendimento de pacientes clínicos segue repercutindo. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirma que os pacientes com sofrimento mental não ficaram desamparados, pois foram transferidos para o Instituto Raul Soares (IRS), onde continuarão o tratamento.
No entanto, a reportagem do DIÁRIO foi procurada pela psiquiatra Paula Aparecida Gomes, profissional do Hospital Galba Velloso, que relata que diante desta decisão já estaria ocorrendo uma desassistência de pacientes, principalmente do interior, como Caratinga.
Conforme cópia de mensagem apresentada por Paula, inicialmente, os profissionais teriam sido comunicados por meio de mensagem de aplicativo que a Fhemig decretou a transferência de todos os pacientes do HGV para o IRS para reforma imediata do espaço físico em caráter de urgência para recebimento de pacientes clínicos do Hospital Júlia Kubitschek (HJK) sem diagnóstico de covid-19. “Nós recebemos a notícia que o Galba seria fechado por causa do covid, pelo WhatsApp. Não ficou muito claro para nós se o hospital seria usado para os pacientes que estariam acometidos de covid ou pacientes, que já seriam pacientes clínicos de outro hospital, neste primeiro momento. Depois nos foi informado que o Galba seria utilizado para os pacientes que estariam internados no Júlia (Hospital Júlia Kubitschek), que seriam pacientes clínicos que estão lá, para os leitos desses hospitais serem usados para o tratamento de pacientes do covid”.
No entanto, Paula ressalta que por tratar-se de um hospital psiquiátrico, a estrutura do HGV dispõe de leitos para atender a casos deste tipo. “Não tem tomada nas enfermarias, local para oxigênio, nenhuma estrutura. Então, para atender a paciente clínico é bem complicado, precisaria de uma reforma bem grande. E outra coisa que nos preocupa é que o Galba psiquiátrico tem 146 leitos, mas atrás, tem o Galba ortopédico que foi fechado em 2016 e tem 115 leitos, que já estão fechados e desativados, mas, que poderiam ser usados primeiro que o psiquiátrico para atender esses pacientes da clínica médica, pois lá já tem estrutura para pacientes clínicos”.
Sobre a alegação da Fhemig de que os leitos do Hospital Galba Velloso estavam ociosos e por isso podem ser utilizadas para as demandas do novo coronavírus, Paula também tem um posicionamento contrário. “Temos prova, inclusive do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), que a ocupação do Galba Velloso chegava até 100% no Carnaval e, em geral, era de 90 a 95% dos leitos psiquiátricos. Parece que eles não acreditam nestas demandas e, alegam também em documento, que os municípios agora ficarão responsáveis por seus pacientes. Mas, sabemos que isso não funciona, porque temos o CAPS que funciona até bem, mas, quando o paciente fica em crise precisa realmente de ser hospitalizado. Inclusive é lei que o estado ofereça um hospital psiquiátrico especializado, que tenha um número de vagas de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde). E o Estado está deixando de oferecer isso neste momento. O CAPS não vai dar conta disso mesmo, apenas menos da metade dos municípios de Minas Gerais têm CAPS, alguns deles nem têm psiquiatras, outros municípios não têm nem centro de saúde com psiquiatras. Eles não têm um plano verdadeiro de tratamento para os pacientes psiquiátricos neste momento, na realidade existe um abandono e uma desassistência, como se de repente o paciente psiquiátrico deixasse de existir”.
Em relação ao atendimento dos pacientes no Instituto Raul Soares, a psiquiatra afirma que a demanda já tem ultrapassado a capacidade deste hospital. “Já está lotado, inclusive já está com vaga zero. Semana passada precisei de atendimento para paciente do interior lá e ele ficou sem atendimento. Segunda-feira fui à noite no hospital e dois pacientes chegaram lá e já tinham sido mandados embora do Raul porque não tinha vaga para serem atendidos; inclusive um fez boletim de ocorrência porque também não pôde ser atendido no Galba, que estava fechado”.
Para Paula, já está havendo uma “desassistência” e ela acredita que essa demanda vai ficar reprimida. “Porque a maioria dos pacientes psiquiátricos não conseguem procurar pelos seus direitos. Ficou muito fácil na realidade fechar 130 leitos e passar a oferecer só 80, principalmente, neste momento de covid, que ninguém está prestando muita atenção nisso. A grande preocupação nossa é que na hora que o caso fica grave precisamos do hospital e as pessoas não vão ter essa assistência nem saber o que fazer. Simplesmente vai ter que mandar o paciente para casa, ele vai se matar, agredir alguém ou vai ficar pelas ruas e não vai ter hospital, nem 130 leitos mais, só 80. Provavelmente, parece que vão fazer uma reforma no Raul e passar a oferecer mais uns 30, mesmo assim será insuficiente, porque já era, mesmo tendo o Galba”.
CAPS
Conforme Paula, muitos pacientes de Caratinga eram atendidos pelo Hospital Galba Velloso. “Eles vêm pela demanda de Ponte Nova. E o CAPS de Ponte Nova manda bastante pacientes para nós, inclusive eu mesma esse ano já atendi a vários pacientes de Caratinga. Temos uma demanda bem grande, pois apesar do CAPS de Ponte Nova ser bem estruturado, eficiente, há casos realmente que não dá conta, por melhor que sejam os profissionais, por melhor que seja o serviço. O dispositivo CAPS tem que existir, mas também o hospital”.
Ela detalha que casos que cabem internação, geralmente, são pacientes que são atendidos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), mas que estão passando por situações graves. “Que estão tentando suicídio; pacientes que estão agressivos tanto contra si quanto a terceiros; que estão usando droga compulsivamente e não conseguimos controlar; que estão delirantes; quando o paciente por causa da desorganização do pensamento sai andando pelo mundo; uso de álcool também compulsivamente. Atendemos muitos pacientes graves que, às vezes, por exemplo, já mataram familiar; já tentou suicídio inúmeras vezes, por sorte não conseguiu, graças a Deus. E conseguimos uma recuperação desses pacientes. Lembro de casos de paciente que já cortou abdome com caco de vidro todo, fez cirurgia, depois retirou intestino e teve uma recuperação excelente, hoje está trabalhando. Tenho um paciente que matou a mãe em um delírio, ele ficou internado no hospital, se recuperou e hoje tem uma vida até normal; ele tem crise às vezes e aí é necessário internar, ele reconhece isso, mas tem uma vida de qualidade. Com o hospital conseguimos atuar nesses casos muito graves. Quando fica só no CAPS e esse paciente entra numa crise dessa muito grave ou vai conseguir realmente agredir alguém, a família acaba mesmo enjaulando ele em casa, ou vai ficar acorrentado, já tive casos assim. Acaba realmente se matando ou sai pelo mundo e fica perdido”.
Conforme a psiquiatra, o caso segue repercutindo na mídia e por meio de campanhas nas redes sociais; também buscando apoio de políticos e diálogo na tentativa de reverter a situação. “Temos procurado o presidente da Fhemig, mas ele não nos deu uma resposta certa do que vai acontecer, pelo contrário, ele falou que como o cenário está mais ameno, provavelmente eles não vão precisar dos leitos do Galba, o que nos deixou mais em dúvida ainda. Semana passada conversei com a diretora assistencial da Fhemig, que me disse que o Raul seria porta única e o Galba continuaria funcionando, mas, isso parece que não está funcionando. Tenho tentado falar com ela de novo, mas não está me atendendo. Hoje (ontem) eu tinha uma reunião agendada com a diretoria do Galba, que desmarcou, então nem mesmo as nossas diretorias querem conversar conosco para tentar discutir, pois também temos proposta inclusive para aumentar o número de leitos, de oferecer os 200 leitos clínicos que eles querem, mas, continuar oferecendo serviços de psiquiatria de excelência e de qualidade como sempre oferecemos”.
Paula Gomes afirma que o próprio momento enfrentado neste período de pandemia deixa o cenário ainda mais preocupante para as doenças mentais. “Sabemos que o Galba é um hospital espaçoso, que cabe todos os leitos lá, que não precisa fechar e não reconhecemos isso de não se oferecer o serviço que possa realmente tratar o paciente psiquiátrico de uma forma integral. Isso é uma necessidade, uma lei, direito no SUS do paciente ser cuidado, tratar o paciente como um todo, com igualdade dentro da sua necessidade e com fechamento do Galba acho que Minas está sendo contra a lei, mesmo usando a pandemia como desculpa e pior que isso, a pandemia do covid trará uma segunda pandemia de doenças psiquiátricas graves, porque o cenário de incerteza, de agravamento da economia, confinamento, agravará esses transtornos. O paciente psiquiátrico não sabe cuidar da sua própria higiene, tem uma séria de dificuldades, mais do que nunca vamos precisar dos serviços psiquiátricos bem montados, equipados e articulados”.
A profissional frisa o trabalho que sempre foi prestado pelo HGV. “Acolhemos esses pacientes com um projeto terapêutico, para que possa continuar seguindo no seu município. Não oferecemos apenas serviço médico, temos arteterapia, psicoterapia, não somos um manicômio, somos um hospital humanizado. E deixar de existir um serviço desse é um absurdo nesse momento”.
A respeito do atendimento aos pacientes do município e estratégias adotadas, a prefeitura de Caratinga ainda não se pronunciou.
FHEMIG
O DIÁRIO solicitou uma nota à Fhemig a respeito deste assunto, que segue na íntegra:
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), em sintonia com o Comitê Estadual de Enfrentamento ao COVID-19, está planejando a rede de atendimento aos casos suspeitos e confirmados dessa doença. Diante disso, percebe-se a necessidade de expansão de leitos de terapia intensiva e de enfermaria.
O Hospital Eduardo de Menezes se transformou em unidade exclusiva para o atendimento ao COVID-19 (desde o dia 24 de março), com retaguarda no Hospital Júlia Kubitschek. Essas ações demandam o dimensionamento dos leitos na Rede Fhemig para atender não somente aos casos de covid-19, mas manter disponíveis aqueles para as demais doenças que continuam afetando a população.
Como existe uma baixa ocupação dos leitos psiquiátricos, foi identificada a possibilidade da transferência dos pacientes do Hospital Galba Velloso para o Instituto Raul Soares, pertencente à mesma rede e que atua na mesma linha de cuidado, ou seja, não haverá ruptura ou qualquer mudança na assistência. Inclusive, os profissionais do Galba Velloso acompanharão seus pacientes para o IRS, garantindo, assim, a manutenção da rotina e do tratamento em andamento de cada paciente.
Alguns pacientes, que têm condições clínicas, terão alta – o que já era previsto nesses casos. O suporte a esses pacientes será por meio da rede de atenção psicossocial em todo o Estado, com o apoio da Diretoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde e da Coordenação de Saúde Mental da Prefeitura de Belo Horizonte.
Cada caso está sendo avaliado individualmente e discutido com a família e/ou responsáveis. A Diretoria Assistencial da Fhemig está informando aos profissionais das duas unidades – Hospital Galba Velloso e Instituto Raul Soares – todos os procedimentos necessários para manter a qualidade dos atendimentos e a segurança dos pacientes.
Com esses remanejamentos entre as unidades da Rede Fhemig, teremos disponíveis 200 leitos para o atendimento aos casos clínicos que necessitam de internação (o Galba não atenderá casos de covid-19).