CARATINGA – Na manhã de ontem, foi deflagrada a ‘Operação Império’ com o objetivo de dar cumprimento às ordens de prisão e de busca e apreensão expedidas pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Caratinga, no âmbito de investigação promovida pelo Ministério Público envolvendo a atuação de organização criminosa voltada para o desvio de recursos públicos. O cumprimento dos mandados judiciais ficou a cargo de agentes das policiais civil e militar em apoio à ação do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
O ex-prefeito João Bosco Pessine, o funcionário público que atuava no setor de licitações Leonardo Machado Figueiredo, o advogado Fernando Maia e a ex-secretária Municipal de Planejamento e Fazenda Angelita Carla Nacif Lélis foram detidos de forma preventiva. Durante os trabalhos foram apreendidos computadores e documentos. Na casa de Angelita foi encontrada uma espingarda sem o devido registro.
INVESTIGAÇÕES
Segundo as investigações, por meio de empresas “de fachada”, com sede no Estado do Espírito Santo, os envolvidos simulavam a instauração de procedimentos licitatórios cujo objetivo seria a suposta aquisição de títulos da dívida pública e contratação de assessoria tributária. Estima-se que o dano imposto ao município de Caratinga alcance hoje importância superior a 30 milhões de reais. Conforme o MP, o sucesso da empreitada criminosa somente se tornou possível em razão do envolvimento direto de servidores públicos municipais, que agindo em concurso criminoso com os representantes das empresas envolvidas, possibilitaram a simulação dos procedimentos licitatórios fraudulentos.
ENTREVISTA COLETIVA
Ainda na tarde de ontem, foi realizada coletiva de imprensa na sala da delegada regional Luzinete Maria de Sá. O primeiro a falar sobre a operação foi o promotor Guilherme Silva, da comarca de Montes Claros, que faz parte do GAECO. Participaram ainda da coletiva os promotores Maicson Borges e Igor Provinciali, ambos da comarca de Caratinga; promotor de justiça Francisco Ângelo, do GAECO de Ipatinga; tenente Torres, da 12ª Companhia de Missões Especiais; Paulo Márcio da Silva, promotor que faz parte da coordenadoria da Defesa de Patrimônio Público; delegado de Polícia Civil Gilmaro Alves, do GAECO do Vale do Aço, e o sargento Wander, também da 12ª Cia.
De acordo com o promotor Guilherme Silva, a Operação Império foi coordenada pelo GAECO para desarticular uma organização criminosa que desviou recursos em espécie do município de Caratinga na ordem de R$ 2.800.000.00.
Segundo o promotor, “o prejuízo causado ao município chega a impressionante cifra de R$ 30 milhões em razão das multas aplicadas pela Receita Federal pelas fraudulentas compensações tributárias que eram realizadas pelos servidores públicos envolvidos juntamente com os empresários do Espírito Santo”.
COMO FUNCIONAVA
O promotor Guilherme Silva pontuou que os recursos eram passados por meio de transferências bancárias assinadas pelo, então, prefeito João Bosco e pela secretária Angelita Lélis e eram desviados para um escritório de advocacia do Espírito Santo, especializado neste tipo de fraude. “Em diversos outros municípios foi identificada fraude semelhante e esse escritório de advocacia se aproximava dos funcionários públicos municipais, principalmente os de alto escalão, como secretários do próprio prefeito, para vender um kit de desvio de dinheiro público
que consistia num edital de licitação, documentos para forjar a habilitação de empresas nesse procedimento. A comissão de licitações do município de Caratinga era um mero fantoche, um mero instrumento de manipulação dos interesses do então prefeito e dos secretários que geriam os recursos financeiros. As licitações eram todas montadas, essa especificamente foi fabricada para permitir a vitória desse escritório de licitação do Espírito Santo”, observou o promotor Guilherme Silva.
Ainda segundo o promotor, após a licitação ter sido homologada de forma fraudulenta com assinatura dos membros da comissão, a empresa ganhava o contrato e passava a intervir na gestão do município fazendo compensações tributárias indevidas. “O município, por meio dos servidores sempre instruídos pelos empresários do Espírito Santo, sob ordem da secretária do prefeito, realizava falsas compensações tributárias no sistema do INSS, da Receita Federal, onde o município afirmava que tinha um crédito tributário a ser compensado e ao invés de efetuar o repasse para a União, informava que estava descontando de um crédito anterior”, ressaltou o promotor. “A bem da verdade esse crédito não existe, nunca existiu e após essa compensação essa empresa emitia uma nota fiscal fraudulenta da prestação de serviços. O dinheiro era transferido para uma conta de um banco no Espírito Santo e sacado em espécie para destino ainda não identificado. Apurou-se também a existência de inúmeros bens de alto luxo no nome de laranjas que ainda estão sendo identificados”, complementou.
A empresa investigada é a Merizio & Giuberti Louzada Advogados e Associados.
Para exemplificar a situação, o promotor citou, “crio uma licitação que inexiste, finjo que existem concorrentes que inexistem, tenho escritório que vende o serviço ilícito, publico aquilo tudo, como se fosse verdade e posteriormente o desvio realmente ocorre porque a venda de título podre é feita, o dinheiro municipal é transferido para empresa e o dinheiro é compartilhado entre os operadores desse sistema criminoso”.
Questionado sobre o arquivamento dessa investigação em data anterior, o promotor disse desconhecer esse fato. Ele ainda tratou sobre a necessidade dos pedidos de prisão preventiva. “Os principais investigados estavam buscando conversar com testemunhas, orientando-as, combinando depoimentos ao Ministério Público, de forma que essa intervenção indevida nas provas gerou a necessidade da prisão”.
O promotor disse que o início da prestação de serviço da empresa Merizio & Giuberti Louzada Advogados e Associados começou em 2010 e a investigação do Ministério Público teve início em 2013 em decorrência de outra que aconteceu no norte de Minas Gerais.
A ação fiscal da Receita Federal comunicou ao MP a existência do desvio de dinheiro. “Nenhuma cautela foi tomada. O auditor do INSS procurou os gestores do município para informar que as compensações eram indevidas, mas continuavam e trocavam o nome da empresa como se fosse outra compensação tributária. Havia um conluio criminoso entre a empresa e os gestores”, ressaltou.
Segundo o promotor Guilherme Silva, 1% de toda arrecadação do município é recolhida pelo governo federal para pagar os débitos do município em razão desse esquema criminoso.
ACUSAÇÕES
Os investigados foram ouvidos e denunciados. De acordo com o promotor, eles disseram não existir irregularidade. Guilherme Silva adiantou que os investigados serão ouvidos novamente. Todos tiveram decretada a prisão preventiva e foram denunciados por fraude em licitação, participação em organização criminosa e alguns crimes de peculato, que é o desvio de dinheiro público.
Questionado sobre delação premiada de outros investigados que poderia ter alavancado as investigações, o promotor Paulo Márcio da Silva respondeu que uma das pessoas ouvidas formalizou com Ministério Público termo de cooperação e revelou a participação dela e das outras que foram presas, “ajudando no avanço do trabalho”. Sobre quem teria contribuído, o promotor disse que seriam servidores do município que participaram dos procedimentos fraudulentos e revelaram a forma como tudo acontecia. Sobre a possibilidade do advogado Salatiel Ferreira Lúcio ter conseguido a delação premiada, o promotor disse que ele foi ouvido, mas não formalizou termo de cooperação, “mas prestou depoimento relevante aos interesses da investigação”.
Não há prazo de vigor das prisões, dependerá do encerramento da discussão processual e avaliar a necessidade ou não de mantê-las. Enquanto isso, os advogados dos investigados podem recorrer ao Ministério Público uma medida que revogue essas prisões. O advogado que representa o ex-prefeito João Bosco Pessine irá conceder entrevista na manhã de hoje sobre as condições de seu cliente.
“As investigações continuam em outros municípios de todo o Brasil. É um esquema bilionário, sendo que um dos investigados reside no Canadá e será pedida ordem de captura internacional”, disse o promotor Francisco Ângelo, que agradeceu a colaboração das polícias civil e militar, do GAECO do Espírito Santo. “A partir de agora os colegas de Caratinga devem prosseguir no trabalho”, finalizou o promotor.
Conforme o comando da operação, também estão detidos representantes da Merizio & Giuberti Louzada Advogados e Associados.
OLHO
Sobre a possibilidade do advogado Salatiel Ferreira Lúcio ter conseguido a delação premiada, o promotor disse que ele foi ouvido, mas não formalizou termo de cooperação, mas prestou depoimento relevante aos interesses da investigação.