Abri os olhos para um novo dia. Arrastei meu corpo até o banheiro, devagar e sem muita animação para prosseguir, como um fantasma que passeia por uma casa mal-assombrada. Minhas olheiras já faziam parte do figurino cotidiano; profundas, escuras e previsíveis. Enganam-se aqueles que pensam que elas me incomodam. Incomodaram, um dia. Hoje, eu as encaro com normalidade, afinal, não importa o quanto eu durma. Elas estão ali.
Deixei a água fria do chuveiro cair sobre mim e acordar meu corpo. A sensação de que cada célula despertava para mais um dia era animadora. Nunca consegui acordar simplesmente feliz ou animado. Sempre precisei de passar minutos sozinho para me regular, rever meus objetivos e encontrar razões para entrar em ação.
Ciente do meu mau humor matinal, decidi tomar meu remédio. Não. Não um remédio convencional, vendido por farmácias em gotas ou pílulas. Estava acostumado a tomar meu remédio em uma xícara. Três colheres de pó de café. Um pouco de água fervente. Talvez um pouco de açúcar ou, quem sabe, nada. Meu mau humor matinal passava após um café, naquele dia, após um café amargo.
Quando criança eu não gostava de café. O que era estranho e fazia com que alguns familiares se assustassem, já que em Minas Gerais os grãos que fazem a bebida mais popular do estado são, além de força motriz, tradição. “Como assim não gosta de um cafezinho?!”, diziam quando eu negava uma xícara. Na impossibilidade de tomar qualquer outra bebida, eu não tomava nada. Tudo bem. Não fazia diferença ou, pelo menos, parecia não fazer.
Acontece que eu mudei. Cresci. Experimentei café algumas vezes. E, com o passar do tempo, o cafezinho tornou-se parte da minha rotina. Percebi que em alguns dias eu gostava muito do café preparado pela dona Maria, minha amada avó, ou pela dona Lia, minha madrinha emprestada. A bebida preparada por delas era doce. Não doce com excesso, mas com um sabor harmônico. Havia também dias em que eu preferia o café feito por meu pai. Amargo, com pouca ou nenhuma medida de açúcar. Em dias diferentes, todos eles me satisfaziam.
Passei pela adolescência assim e, agora, no início da vida adulta, permaneço com o mesmo gosto. Às vezes me perguntam: “como você gosta do café? Doce ou amargo?” e eu sempre respondo com “hoje eu gosto com açúcar” ou “hoje eu gosto do café amargo”. Usava o “hoje” para deixar claro que naquele dia a minha preferência era por um café específico e, provavelmente, em outro dia eu desejaria de forma diferente.
Talvez pareça estranho, caro leitor, mas eu sou assim e gosto de ser assim. Certa vez, conversando com uma amiga eu percebi a variação do meu gosto pelo café. Ao final de um dos nossos diálogos que sempre pareceram gerar ótimas crônicas, eu comentei: Deza, café com açúcar em dias tristes, para lembrar que a vida é doce, por mais difícil que ela pareça ser; café amargo em dias felizes para lembrar que se a vida fosse agradável o tempo todo, não haveria graça em viver.
Tomei café amargo porque sabia que aquele dia seria especial, início de uma nova jornada, hora de ingressar na universidade e trilhar novos caminhos. Meu mau humor passou, eu estava pronto para um dia feliz que marcaria o início de uma jornada repleta de dias bons e ruins. O que importava, na verdade, era a disposição para viver cada um desses dias e, claro, escolher o café ideal para cada manhã.
Daniel Dornelas
Aluno do UNEC, escritor e criador de conteúdo literário para a internet.
@lendocomdaniel