CARATINGA – O dia nem havia terminado de clarear, e uma tragédia já estava sendo anunciada no bairro Santo Antônio.
Por volta das 5h, dessa sexta-feira (18), um barranco deslizou na rua J, atingindo a casa de número 816, onde estavam Vanderlucio Batista da Silva, 41 anos; Ronara Silva Flamini, 21, e Beatriz Batista da Silva, 16 anos. Ronara era madrasta de Beatriz.
Assim que os vizinhos escutaram o barulho da parede sendo estourada pela terra do barranco, acionaram os bombeiros e, enquanto isso, arrombaram a porta e a janela da parte do primeiro pavimento da casa, que foi o local atingido para ter acesso à família.
PEDREIRO AJUDOU NA RETIRADA DOS CORPOS
O pedreiro José Geraldo de Oliveira, 52 anos, vizinho da família, ajudou na retirada da terra que tinha atingido os dois quartos da casa. “Estava dormindo, escutei a conversa dos vizinhos e do dono da casa deles chamando, gritando por eles, eles não atenderam, arrombamos a porta e a janela, entrei e ajudei, tinha muita terra em cima deles, da cabeça deles, pedaço de tijolos, tiramos um pouco com enxada, com pá, mas quando vimos já estavam mortos”, contou o pedreiro muito emocionado com a fatalidade.
José Oliveira disse que a família morava de aluguel na casa há aproximadamente cinco anos, e ressaltou que os vizinhos já temiam pelo deslizamento do barranco, mas não imaginavam que poderia acabar nessa tragédia.
De acordo com os bombeiros militares quando a guarnição chegou ao local, os populares já haviam acessado as três vítimas que estavam debaixo da terra e parede. A equipe do Samu estava presente, e constatou que os três estavam sem sinais vitais.
ÁREA INTERDITADA
A superintendente de Defesa Social, Cristiane Do Val, disse que assim que chegou ao local, toda a área foi interditada e a família que reside na parte superior do prédio foi retirada. “A prefeitura municipal lamenta muito o episódio, e se solidariza com as famílias. A gente está tentando fazer todas as ações possíveis de intervenção, segurança do local e atendimento às famílias das vítimas. Infelizmente tivemos três vítimas fatais, mais um desastre em Caratinga no período chuvoso, que vem assolando todo município, como o estado de Minas Gerais e várias cidades do país”, disse a superintendente.
Segundo Cristiane Do Val, a Defesa Civil tem o plano de redução de risco, e todas as áreas de Caratinga que possuem declividade são detectadas como sendo de risco. “A gente vive em constante monitoramento e alerta em relação a essas áreas de deslizamento e alagamentos. A condição do município é propícia, infelizmente, a grandes deslizamentos e também a alagamentos. As equipes da secretaria de Obras e de engenharia foram acionadas para fazer uma avaliação mais criteriosa do local”, disse.
Ainda segundo a superintendente, o município recebeu só em fevereiro mais de 250 mm de chuva. “A gente tem notícia no Brasil da zona de convergência que vem assolando a região centro-oeste, e nós recebemos nos últimos meses do período chuvoso, aproximadamente 1.300 mm de chuva, isso faz com que o solo fique muito encharcado, ficando muito propício a deslizamento. Existe ainda probabilidade de deslizamento nessas áreas, por isso a importância da atenção redobrada”.
Cristiane explica ainda que as chuvas tendem a continuar, pois zona de convergência ainda está instabilizada sobre o centro-oeste. “Há possibilidade de chuvas fortes, intensas e instáveis. As famílias que estão próximas a áreas de risco, precisam procurar um local de abrigo, um local mais seguro para passar principalmente a noite, e não dormir próximo aos barrancos. As áreas de alagamento, todo mundo sabe da declividade de Caratinga, são os morros e a parte central baixa. Quando a chuva é muito intensa, num volume muito grande em poucos minutos, o escoamento da rede pluvial não é o suficiente, e isso causa os alagamentos, então precisa sim de atenção, veículos não serem estacionados nesses locais. A Defesa Civil já mapeou, já sinalizou, todas essas áreas têm placas, em todas as regiões de alagamento da área central, então por favor não mantenham veículos próximos a essas áreas e se cuidem, porque o mais importante é a vida”, conclui Cristiane Do Val.
VELÓRIO
O corpo de Ronara Silva Flamini foi velado na Capela Municipal de Inhapim e o de Vanderlúcio Batista da Silva, na casa dos pais em Entre Folhas. Já o corpo de Beatriz Batista da Silva foi velado na Capela Velório de Caratinga, no Bairro Santa Zita.
MORTE PRECOCE
A morte precoce da jovem Beatriz, de apenas 16 anos de idade, repercutiu nas redes sociais. Muitas pessoas lamentaram a tragédia e algumas homenagens foram realizadas. O DIÁRIO conversou com a diretora da escola onde a jovem estudava e traz o relato do responsável por ensiná-la a tocar violão, ainda na infância.
Escola decreta luto por aluna e família
Beatriz estudava na Escola Estadual Moacyr de Mattos, que fica no Bairro Esplanada, desde o 6° ano. Atualmente, ela cursava o 3° ano do Ensino Médio.
A escola está em luto pela aluna e a família que morreram soterrados, como destaca a diretora Edna de Sousa Soares. “É triste, uma aluna que chegou com seus 11 aninhos na escola e agora já estava com 16 anos. É muito tempo de convivência, estava conosco há muito tempo. Uma menina tranquila e, infelizmente, essa fatalidade que abala a todos”.
Conforme Edna, logo que a escola confirmou a tragédia, a primeira atitude foi comunicar os colegas de sala de Beatriz, que ficaram bastante abalados com a notícia. “No primeiro momento, quando fiquei sabendo, quis confirmar todas as informações até ter realmente constatado e identificado as vítimas. A primeira sala que fui foi a dela, conversei com os colegas, os que eram bem próximos, muito emocionados e junto com eles tomei a decisão, conversando com eles. Perguntei: ‘Vocês querem sair agora?’, isso era perto de 8h. A primeira reação deles foi não, acredito que eles quiseram em amizade, coleguismo, viver junto aquele luto, aquele momento de dor e de perda. Deu o recreio e cada professor de cada turma da escola foi conversando sobre o fato e foi a consternação de após o recreio estarmos saindo”.
Diante toda a comoção no ambiente escolar, as aulas acabaram mais cedo no turno matutino. Vespertino e Noturno não funcionaram nesta sexta-feira (18). “Ficamos até o recreio, mesmo para esse momento de trabalhar com os meninos a valorização da vida, o que é a nossa vida, diante de uma fatalidade dessas a reflexão é o melhor caminho. Nos solidarizamos com a mãe nessa perda irreparável”.
A história do violão rosa da Bia
Beatriz gostava de música. O professor Manoel Jacintho, que deu aulas de violão para a garota, divulgou uma homenagem em suas redes sociais. Confira um trecho:
“Há uns anos, a convite da Dona Ana Ana Maria Dos Anjos, passei a dar aula de violão no Centro Espírita Dr Bezerra de Menezes em Caratinga, juntamente com o tio Carlos Carlos Bastos Dos Anjos e com a direção da tia Carla Provette.
Para início não tínhamos violões para atender as crianças. Lançamos uma campanha no Facebook e várias mãos caridosas doaram os violões.
Beatriz se apresentou para ser aluna e fez a inscrição com a tia Carla e falou comigo: tio Manel eu quero um violão rosa. Eu olhei para aquele cisquim de gente e disse: Beatriz vamos conseguir seu violão rosa.
Passados uns dois meses o Heber Muniz me passou uma mensagem no Facebook dizendo que queria doar um violão para o projeto. Na hora eu pedi a ele um violão rosa. O Hebinho comprou o violão na Sentinela e eu peguei o violão nas mãos do Levi (dono da loja). Trouxe o violão e ele ficou uns quinze dias na minha casa, devido a folga das aulas (tinham atividades no Centro e aula ficou parada por duas semanas). Na semana que a aula voltou, eu liguei para Dona Ana e pedi a ela para irmos à casa da Bia levar o violão rosa. Chegamos na casa da Bia e eu a gritei na porta. A menina veio e eu disse: Dona Ana tem um presente pra você. Quando chegamos no carro, Dona Ana, abriu o porta malas e tirou o violão e deu para Beatriz.
A Bia olhou pra mim e disse: tio Manel, o senhor sabe que dia é hoje?
Hoje é quinta feira Bia! Respondi rindo e ela falou:
Hoje é meu aniversário! E aí meus olhos encheram d’água e ela me deu um abraço.
Beatriz, é menina inteligente, focada, esforçada nas aulas de violão e na escola, dedicada e eu sempre a chamei de minha filha, assim como todas as alunas do projeto.
Bia, aprendeu a tocar várias músicas que o tio Carlinhos e eu ensinamos.
Hoje, Caratinga acordou com a notícia do deslizamento de terra no Bairro Santo Antônio.
Beatriz foi uma das vítimas.
Meu coração partiu. Beatriz nos deixa muito precocemente aos 16 anos de idade e sou grato a Deus por ter conhecido esse anjinho. Bia, tio Manel vai te amar para sempre minha filha de coração e alma.
Deus te abençoe minha pequena flor”.