CARATINGA – “Fale de sua aldeia e estará falando do mundo”, escreveu o russo Leon Tolstoi. E justamente a Rússia pode ser um dos destinos do café de produzido na região de Caratinga. Seria a maneira da região dizer ao mundo que tem um produto espetacular. E quem está intermediando esse ‘diálogo’ é o estudante de Economia Willy Wolf, 30 anos.
Natural de Sorocaba (SP), Willy Wolf visitou a região de Caratinga para conhecer de perto o café aqui produzido. O estudante observou a diferença na colheita em relação a outros lugares e afirmou que esse modo, manual, valoriza ainda mais o produto.
Ele conversou informalmente e disse que o russo ainda tem uma concepção antiga a respeito do brasileiro. “Pensam em selva, macacos na árvores. Isso se deve a uma personagem da TV russa nos anos 70. Ela fazia viagens e falava que o Brasil era assim. Uns ainda dizem que a nossa capital é o Rio de Janeiro”, conta Willy Wolf, ressaltando que as novelas brasileiras são muito assistidas na Rússia. “Já passou “O Clone”, “Rei do Gado”. Me perguntaram sobre “A Escrava Isaura”, mas essa não assisti. Nem nascido era”, brinca.
Em recente entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN, o jornalista Marcos Uchôa falou dos vários países que visitou. Ele contou que na Rússia perguntavam porque o brasileiro ri tanto, já que lá as pessoas não tem o hábito de rirem em público. Willy Wolf diz que já sentiu a mesma coisa. “Na Rússia dizem que quem ri em público não bate bem da cabeça (risos)”.
Outra meta de Willy Wolf é ler os grandes nomes da literatura russa. “Quero ler Dostoievski na língua original dele e saber como é sensação”.
A ENTREVISTA
Willy Wolf foi entrevistado pelo DIÁRIO. Ele falou do interesse pelo café produzido na região de Caratinga e de sua vida na Rússia. E segundo afirmou, pretende fixar residência naquele país, tamanha sua adaptação.
Willy, qual o motivo de sua visita à região de Caratinga?
Meu desejo maior é conhecer a realidade do produtor de café aqui do leste de Minas. Ouvi falar que nessa região tem bons cafés e quis vir pessoalmente conhecer um pouco dessa realidade, e provar o café, é claro.
Você é de família de cafeicultores?
Minha família não trabalha com café. Interessante que na Rússia tive uma introdução da parte de torrefação. Trabalhei numa torrefação durante alguns meses e meu desejo é dar mais visibilidade para essa parte do Brasil, que poucos lá conhecem.
Por que você escolheu essa região?
Comecei pesquisar as regiões produtoras do Brasil. Peguei café especial do cerrado mineiro, do sul de Minas, até cafés produzidos no Espírito Santo. Mas nunca recebi um lote do Leste de Minas específico, então pensei que valeria a pena conhecer a realidade da região, porque não é possível utilizar o maquinário para colher, então é muito mais manual. Agora entendo a realidade dos morros, da colheita manual. Vou poder passar agora isso pra frente, porque esse café pode e deve ser cobrado um pouco mais caro do que em regiões mais planas.
Há quanto tempo você está na Rússia?
Estou na Rússia há cinco anos e meio, cheguei primeiro para fazer curso de idiomas, não conhecia nada do idioma, não conseguia falar nada, e fiz um ano, depois entrei no mestrado em Estudos Socioeconômicos da Rússia, foi divertido e muito difícil. Agora estou fazendo doutorado, estou no último ano, e Economia.
Quais as principais diferenças entre brasileiros e russos?
O que foi um choque pra mim, é que o russo não sorri como o brasileiro, não é uma pessoa aberta. Então cumprimentava as pessoas na rua, ninguém me respondia, olhavam para minha cara e perguntavam: ‘você me conhece?’ E falava que era só um ‘bom dia’, e respondiam: “então não fale comigo”, e passavam reto. Fui descobrir que realmente quando você pergunta por uma pessoa e ela está bem, não é como no Brasil, que faz parte do cumprimento. Na Rússia se você pergunta está bem, você tem que ser próximo da pessoa, ela vai responder se ela está bem mesmo; se tem problema com o trabalho, com a família, sentimental, ela vai te responder.
Quais dicas você daria para o brasileiro que quer fazer turismo na Rússia?
Não se assuste com a tonalidade do russo. O idioma russo pode parecer um pouco rude pra quem não conhece. O brasileiro fala de uma maneira muito mais macia, e o russo, quando quer fazer uma afirmação, vai ser firme, parece que ele está brigando com você. Me assustei no começo, podem ter uma cara fechada, mas a partir do momento que você ganha confiança, eles se abrem e viram bons amigos.
Como é residir em São Petersburgo?
Muito bom. Primeiro porque é um polo gigantesco, é a capital cultural da Rússia, uma cidade que foi construída do zero pelo czar Pedro I e a arquitetura é bem planejada. É uma coisa fenomenal. Queria ver isso pessoalmente, mas o que mais me levou pra lá, foi que optei por algumas universidades. Nessa universidade onde estou, a Estadual Econômica da Rússia, em São Petersburgo, ela me deu uma bolsa de estudos, então estou cursando doutorado.
Chegou a conhecer outras regiões da Rússia?
Fui para várias regiões. Fui para o sul da Rússia, morei perto de Rostov do Don, visitei umas regiões perto do Cáucaso, visitei Sóchi, fui para Crimeia, não faz muito tempo que a Rússia tomou a Crimeia de volta. Cheguei a ir para regiões mais para dentro da Sibéria, viajei a Transiberiana, fui para as cidades mais distantes para dentro da Rússia, cheguei até o Ulan-Ude, capital da Buriácia. O intuito dessas viagens foi conhecer um pouco dos povos que vivem dentro da Rússia, parece que são diferentes do russo do leste europeu. Fui mais para o norte, conheci uns pescadores lá, peguei um barquinho. Gosto muito da Rússia, sei que é só o começo, quero viajar muito por lá ainda.
E claro, a questão do inverno rigoroso
A questão do frio é só encontrar a roupa apropriada. Prefiro frio que o calor intenso aqui do Brasil.
E a culinária russa?
Café da manhã na Rússia é muito diferente do nosso e depende da família que você está. Já fiquei em casas de famílias que comem como se fosse o almoço logo pela manhã, às vezes macarronada, às vezes peixe. Mas o mais comum para estudante onde vivo é comer aveia com leite, um pão torrado, omelete, é isso que eles comem. Frutas não muito, talvez por ser mais caro que aqui no Brasil.
Não foi fácil adaptar, na hora do almoço, eles pegam uma pratada e comem sopa. Eles amam comer sopa, tudo bem que a sopa pode ter um pouco ali de carne, de legumes, mas é sopa, não é uma coisa popular pra gente, que a gente gosta muito. Isso foi difícil, e não existe restaurante self-service, não existe churrascaria, por lá, talvez em Moscou tenha um brasileiro ou outro que já abriu um negócio. Acho que o brasileiro come umas duas vezes mais que o russo.
Já que falamos em alimentação, e o café do Brasil?
O café está sendo muito bem aceito, não sei se é por causa do frio, é uma bebida diferente para se aquecer. Uma bebida muito mais agradável pelo fato da cafeína mesmo, porque principalmente o norte da Rússia, quando começa outono e inverno, a quantidade de sol é muito baixa, então fica todo muito pra baixo, aí toma o cafezinho para dar essa acordada. Eles estão tomando muito café, a indústria de café especial tem crescido bastante por lá. Na cidade onde resido conheço entre 10 e 12 torrefadores, que já estão trabalhado com café especial. As cafeterias de São Petersburgo são muito bacanas, investimento de primeira, equipamentos dos melhores. O pessoal tem estudado muito, nos últimos campeonatos mundiais, os russos estão sendo os primeiros. Baristas, torra, degustação… Seria muito bom representar Caratinga por lá.
Você pretende fixar residência na Rússia?
Pretendo nos próximos anos continuar vivendo na Rússia, não sei exatamente se em São Petersburgo. Quero importar café do Brasil, além de dar visibilidade para o micro e médio produtor. Gostaria de ter uma vida mais estável financeiramente por lá, pretendo me casar. Então gostaria de ter essa estabilidade, e é muito bacana ver como a indústria do café tem avançado na Rússia muito mais rápido, inclusive que no Brasil. Então eu gostaria de estar perto para ver isso acontecer.