Fevereiro no Brasil, tempo de festa, chegou o carnaval!
O samba enredo das escolas bem podia ser a alta do dólar, a corrupção, as falhas na saúde pública ou na educação, mas certamente não serão. Possivelmente tais temas saiam em alguma marchinha de algum bloco de rua, desses que a grande mídia não mostra. Afinal é tempo de festa, não de falar em “sujeira”, em descaso, em problemas.
Não me entendam mal, não tenho nada contra o carnaval, pelo contrário, acho uma festa linda. Nunca fui pra avenida, não é meu perfil, mas acompanho todos os enredos como amante do samba que sou.
Mas deixar de ter carnaval? Isso também virou moda. Foi comum esse ano políticos de determinadas cidades irem à mídia manifestar que não vão fazer carnaval por ter coisa mais importante para ser feita. Mas será que o dinheiro que seria gasto com a festa vai ser integralmente investido nessas coisas ou é apenas um merchandising para pousar de bom moço? Tomara que eu esteja enganado.
Sinceramente, não acho que seja a melhor opção deixar de ter, até porque é a maior festa do país. É muitas vezes a única oportunidade que o povo da favela tem de passar pela avenida de cabeça erguida, mostrar seu trabalho e ser aplaudido pela elite que paga milhões em camarotes confortáveis, cheios de luxo.
Quantos empregos são gerados nessa festa? Quantos turistas trazem seus dólares e euros para gastar no país? Quantas famílias dependem diretamente dessa renda para viver honestamente?
“Ah, mas tem sexo desregrado, tráfico e mortes!”
Não sejamos hipócritas! Tráfico, mortes e atentados sexuais são notícias o ano todo em nossos jornais, não apenas no carnaval.
A questão inicial dessa reflexão que faço aqui não é ter ou não ter carnaval. Não são os méritos ou deméritos da festa popular de fevereiro, mas sim do carnaval que se instala nesse país ao longo de todo o ano. Um amontoado de fantasias, adereços e alegorias que desfilam com um batuque desafinado e um samba enredo de desculpas esfarrapadas que ninguém mais quer ouvir.
Até quando teremos que batucar na questão do preconceito de raça, de cor, de opção sexual? Quando será que vai arranhar o disco da corrupção? Caíra um dia a máscara e por baixo dela teremos de fato honestidade?
O problema não é ter carnaval. O problema é que esperamos que ao passar fevereiro não se sambe mais sobre a sociedade. Queremos que todos cantem um dia o mesmo enredo e que quando chegar o sábado todo o povo brasileiro esteja na avenida da saúde, das obras e da educação para o desfile das campeãs.
* Noé Comemorável de Oliveira Neto é professor da FUNEC no Centro Universitário de Caratinga e na Escola Professor Jairo Grossi. Graduado em Física pelo UNEC, com especialização em Ensino de Física pela mesma instituição e mestrado em ensino de Física pela Universidade Federal de Viçosa, atua em pesquisa voltada para a Educação de Jovens e Adultos. Apesar da formação voltada ao ensino de ciências, o professor possui algumas publicações também na área literária, com contos e poemas publicados em antologias.
Mais informações sobre o autor(a), acesse: http://lattes.cnpq.br/9593195349973608