* Simone Aparecida de Sousa Capperucci
O conhecimento é capaz de tornar o indivíduo cidadão, retirá-lo de uma condição de submissão e integrá-lo na sociedade de forma a modificá-la. Daí a importância de fazer do espaço escolar um lugar de consolidação de relações sociais nas quais a simbologia do poder possa ser executada, marcada e marcante. Somente através de um sistema educativo eficiente, que traduza ideais de igualdade, poder-se-á transformar a sociedade.
Para que ocorra essa mudança paradigmática na educação todos os envolvidos no processo devem deixar seus papéis passivos e se tornarem agentes de mudança; dos políticos aos estudantes, ninguém é vítima ingênua desse sistema educacional. Acomodados, somos todos parceiros do sistema de dominação escolar.
Os educadores são coniventes ao utilizarem o espaço da sala de aula para reproduzirem um sistema no qual não acreditam, aulas repetitivas, castradoras, nas quais a criatividade é renegada e a mera repetição .
Reproduzir a relação de comunicação pedagógica a uma pura e simples relação de comunicação é impedir-se de compreender as condições sociais da sua eficácia propriamente pedagógica que residem precisamente na dissimulação do facto que não é uma simples relação de comunicação; é ao mesmo tempo obrigar-se a supor, entre os receptores, a existência duma “ necessidade de informação” que seria, além disso, informada das notas dignas de satisfazê-la e que preexistiria às suas condições sociais e pedagógicas da produção. (BOURDIEU & PASSERRON, 1984 p. 45).
Se enquanto um dos condutores do processo pedagógico, o professor, coloca-se como mero reprodutor, transmissor de conteúdos, numa época na qual o conhecimento é encontrado de forma dinâmica e atualizado em diferentes espaços, atua como um dos que retificam a descrença na escola atual, consolidando a ideologia da escola como reprodutora das relações de dominação.
Ser professor não pode se restringir a vítima passiva da estrutura do espaço escolar. Tem de ultrapassar as áreas da massificação e proletarização profissional. Ser educador supõe tornar-se um mediador entre conhecimentos já adquiridos, novos a serem descobertos pelos educandos.
A educação precisa assumir o seu papel político que consiste numa proposta pedagógica condizente com a formação de pessoas que sejam cidadãs em todos os espaços, trabalhando pela construção de uma sociedade melhor para todos.
Esse modelo educacional resgatará a cidadania do brasileiro e a autonomia da escola; essa diferença no processo educativo dinamizará a aprendizagem, qualificando os participantes do processo de aprendizagem como protagonistas. Essa nova escola terá autonomia como princípio.
Autonomia não significa uniformização. A autonomia admite a diferença e, por isso, supõe a parceria. Só a igualdade na diferença e a parceria são capazes de criar o novo. Por isso, escola autônoma não significa escola isolada, mas em constante intercâmbio com a sociedade. Nesse momento, lutar por uma escola autônoma é lutar por uma escola que projete, com ela, uma outra sociedade. Pensar numa escola autônoma e lutar por ela é dar um sentido novo à função social da escola e do educador que não se considera um mero cão de guarda de um sistema iníquo e imutável, mas se sente responsável por um futuro possível com equidade. (GADOTTI, 1993, p. 47-48).
Essa nova forma de organização das escolas ultrapassará a ideologia da igualdade nas diferenças, veiculada nos discursos escolares, que esconde a uniformização necessária à massificação. A escola deve estar inserida no contexto, percebendo o mundo para além, perceber as potencialidades de cada aluno, suas individualidades, aguçando a capacidade cognitiva de cada participante do processo educacional, sejam professores ou alunos.
Espaço de pesquisa na qual o caos é o princípio da construção, como sinaliza Morin, sair do pensamento simplista e partirmos para o pensamento complexo, caminho para uma educação construtora de cidadania.
De fato, nos tempos atuais, nenhuma caracterização das funções da educação parece mais adequada do que a associação da mesma à formação do cidadão, à construção da cidadania. Nos mais variados países e em diferentes contextos, educação para a cidadania tornou-se uma bandeira muito fácil de ser empunhada, um princípio cuja legitimidade não parece inspirar qualquer dúvida. A não ser a que se refere ao próprio significado da expressão “educar para a cidadania”. (MACHADO, 2002, p. 40).
Sendo a promoção da cidadania um dos princípios básicos da educação atual, seguindo nossa linha de discussão, uma educação para a formação de massas contraria o ideal básico educacional, uma vez que na massa o indivíduo não constrói sua identidade cidadã, devido a todas as características de massa apresentadas e discutidas nesse trabalho.
Discutir o que é uma educação cidadã constitui um importante passo para que a educação forme cidadãos no contexto escolar, sejam eles professores ou alunos. Escolas autônomas que reconheçam quais as individualidades e potencialidades dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem devem ser solidificadas, uma vez que :
… as normas pelas quais a sociedade se organiza são transmitidas culturalmente às novas gerações – elas são ensinadas e aprendidas por cada novo membro da sociedade. Aquilo que aprendemos ao longo da vida, no entanto, passa a fazer parte de nós mesmos; torna-se uma bagagem interior que carregamos a toda parte aonde formos. E isto basta para percebermos que a organização social, diferentemente de outras realidades, não é algo que nos afete de fora, através da conduta dos outros. (GALLIANO, 1981, p.55).
Fomentar a possibilidade da mudança de paradigma é papel da instituição escolar como órgão que tem por objetivo incitar construção de conhecimentos, construção de habilidades e verdades que mantenham ou rejeitem a estrutura social vigente.
Oniricamente pode-se imaginar a escola como algo capaz de rever a pirâmide da estratificação social que nos divide entre os possuidores e os despossuídos ou, covardemente, pode-se considerar a escola como vítima ingênua da estratificação, não cabendo outra função a ela a não ser a de aceitação e adaptação.
Comparada aos outros países da América Latina, a Historia do Brasil se caracteriza pelo abrandamento das lutas de classes e pela inexistência de uma tradição de luta ou dos aspectos cruentes tão freqüentes na historia do povo hispânico, dos asiáticos e mesmo, em certos casos, dos europeus. As insurreições que ensangüentaram a História brasileira (Palmares, Cabanagem, balaiada, Canudos, Farrapos e outras) eram manifestações isoladas de grupos oprimidos, sem objetivos de transformação estrutural. E com raras exceções os choques entre conservadores (oligarquias) e progressistas (liberais) tiveram, sempre uma solução de compromisso, de transigência. Esta mesma solução se aplica nos casos de insatisfação das grandes massas interioranas analfabetas. Mais do que a força das armas, a grande técnica de dissuasão era a palavra o aliciamento pelo discurso conciliador. (SODRÉ, 1972, p. 23).
A história não pode ser destruída, mas reconstituída, o que nos faz repensar a função da instituição escolar no contexto sócio-político brasileiro, como a mola propulsora das transformações sociais, ou será um dos pilares que sustentam a estratificação vigente?
A história oficial do Brasil demonstra a ausência de um sentimento nacional que nos constitua como pátria, como nação, um sentimento que proporcione a conscientização, a cidadania. A Lei nº. 12.031/09 proposta pelo deputado Lincoln Portela há nove anos e, aprovada e sancionada no ano de 2009, mostra as incongruências do nosso país. A mesma altera a lei nº5.700/71, uma vez que essa já previa a execução semanal do hino, acompanhado pelo hasteamento da bandeira.
Duas observações importam serem ressaltadas: aprovar e sancionar uma lei para um assunto sobre o qual já existia uma legislação justifica a quantidade de leis e decretos que existem em nosso país, pois mesmo sendo de 1971, a lei nº 5.700 nunca foi revogada, o que nem os legisladores pareciam saber. A segunda observação diz respeito à necessidade de uma legislação que obrigue a execução do hino nacional, inclusive com ameaça de multa a quem descumpri-la, fato que demonstra a falta do sentimento nacional. A falta de espontaneidade na ação corrobora a necessidade de cidadania.
Numa discussão sobre as relações de poder deve-se verificar qual o posicionamento da escola nessa cadeia, como gerencia o processo do conhecimento, gerencia o processo do conhecimento, como se relaciona com a constituição dos saberes?
Mas o que seria exatamente a consciência coletiva nacional? Ou, melhor ainda, o que é consciência ou caráter coletivo? Podemos adiantar uma noção provisória: é o conjunto dos patterns (padrões, modelos) de comportamento, capaz de estabelecer as distinções entre indivíduos e classes, épocas e regiões diferentes. A História de cada nação impõe ao homem valores particulares, que vão constituir esses padrões, assimilados e reconfirmados pelas consciências, através de representações subjetivas e coletivas. Mas a consciência não se exaure nas representações, constituindo também projetos e estímulos à ação concreta. E assim, num processo de desenvolvimento, nacional, a consciência coletiva torna-se um dos agentes capazes de engendrar modificações estruturais. (SODRÉ,1972, p.27).
Partindo das afirmações de Muniz Sodré na obra: A comunicação do grotesco (1972), pode-se inferir que, caso a escola queira atuar no processo de construção da cidadania, deve iniciar pelo desenvolvimento da consciência coletiva, dos valores éticos que coadunam com os ideais de uma nação pautada no homem, sem desconsiderar as relações nas quais o meio está constantemente inserido, incluindo as relações de poder.
Referências:
BOURDIEU, Pierre; PASSERRON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Trad. de Maria Tereza da Costa Albuquerque e José Augusto Guilhon Albuquerque. Lisboa: Vega, 1984.
GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
GALLIANO, Guilherme. Introdução à Sociologia. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1981.
MACHADO, Nilson José. Anotações para a elaboração de uma idéia de cidadania. Disponível em: <www.iea.usp.br/iea/textos/machadoideiadecidadania.pdf >. Acesso em: 05 maio 2008.
SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco. 8. ed. Petropólis: Vozes, 1972.
* Simone Aparecida de Sousa Capperucci, Formada em Língua Portuguesa e suas literaturas pelo Centro Universitário de Caratinga ( UNEC ) em 1997 , pós -graduada em Língua Portuguesa em 1998 pelo UNEC,especialização em Literatura e Línguística aplicada em 2005 .É professora de Língua Portuguesa nas séries finais do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino do Estado de Minas Gerais, desde 1996, mestre em Educação e Linguagem pelo UNEC em 2010. Professora do Centro Universitário de Caratinga nos cursos de Pedagogia, Letras.
Mais informações sobre o autor(a), acesse: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4245469E9