* Prof. Dr. Marco Antonio Gomes
Para Freud (1926), a angústia é um afeto, “um estado especial de desprazer com atos de descarga ao longo de trilhas específicas”, nascida das pulsões, (desejo) anteriormente reprimido, impedido de se manifestar a nível da consciência. A angústia estado de prazer – desprazer provoca como defesa ao EU, “sintomas” substitutos dos desejos anteriormente reprimidos, que emergem como possibilidade de satisfação. Será então a capacidade de se expressar através da escrita um sintoma, ou seja, uma via indireta que possibilitaria a manifestação de desejos ou pulsões anteriormente impedidas de satisfação? Sintomas esses desencadeados pela angústia ou pela necessidade de se “desangustiar”? Em carta a Fernando Sabino, Clarice Lispector em julho de 1946 lhe confidencia: “Não trabalho mais, Fernando. Passo os dias procurando enganar minha angústia e procurando não fazer horror a mim mesma”. O ato de escrever, produzir, parece um substituto para o que até então não se manifestou, não encontrou um via direta de gozo (satisfação). Ou seja, uma via indireta, uma trilha substituta do desejo recalcado, impedido de ser vivenciado.
Se através do ato analítico, como postula a Psicanálise o exercício da fala, o colocar-se para o outro, o resgate de conteúdos imersos no mais profundo do nosso ser, nas instancias inconscientes, possibilita que pulsões e desejos abandonados anteriormente e manifestos por vias indiretas sobre forma de sintomas, sejam reelaborados e ressignificados levando ao bom uso da Angústia como afirma Drommond (2005), em que a política da Psicanálise não é a do desaparecimento da angústia, mas do seu bom uso, podemos dizer que o ato analítico é também poético, é literário, onde o que se invoca é o que se sente, o que vem de dentro. Na tentativa de responder tal afirmação me recorro às palavras de Jacques – Alain Miller “Em cada sessão de psicanálise, nós nos contamos, escrevemos um capítulo de nossa autobiografia”. Só que não a escrevemos, nós a contamos; nós a narramos. Uma sessão de análise é sempre um esforço de poesia.
Se na sessão analítica nos contamos, escrevemos sobre nós mesmos, não seria possível também enfocar a questão por outra via? Isto é, buscar o que haveria de “analítico” no percurso de um escritor ficcional? E quanto a Literatura? Por meio dela é possível também fazer um bom uso da angústia, sem que esta seja apagada?
Recorrendo novamente a Clarice Lispector, Em entrevista feita com Pablo Neruda em 1969, incluída em “A descoberta do mundo”, indaga ao poeta chileno: “Escrever melhora a angústia de viver? Ainda em entrevista a Cultura FM declara” Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera nada… Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro”.
A angustia parece estar presente em muitos escritos, em autores que se projetam, se mostram através de seus personagens, de seus leitores, expressão máxima do embate entre a subjetividade do escritor e a realidade objetiva, geralmente opressora e que se revela no cotidiano e na vida comum de sues personagens.
Finalmente, a respeito da pergunta de Lispector a Neruda (“Escrever melhora a angústia de viver?”), poderíamos como afirma Peres (2005) cair numa tradição existencialista de abordagem da angústia, mas o tratamento dado a ela em seu processo escritural nos abre outra via de analise: a inquietante e desafiadora experiência analítica.
Por tanto caros leitores, escrever melhora a angustia de viver, mais do que isso, escrever nos faz viver, nos faz existir.
Marco Antônio Gomes é Professor Doutor em Psicologia pela USF. Coordenador e professor do curso de Psicologia do Centro Universitário de Caratinga – Unec