Por Goretti Nunes
Em coma há 23 anos, Edmar precisa de ajuda para as muitas despesas que sua família tem com medicamentos e assistência de profissionais de saúde ao paciente acamado
BOM JESUS DO GALHO – “Amor. É por amor que cuidamos do Edmar, meu irmão e padrinho acamado há 23 anos. É por amor que ele está vivo”. Assim, Érika, em campanha para angariar ajuda para o irmão, dá início a uma longa conversa sobre Edmar José do Carmo.
Filho de uma família de três irmãos, Edmar nasceu em 6 de dezembro de 1975 e, segundo Érika, nasceu de novo em 19 de julho de 1998, aos 23 anos de idade, após sofrer um acidente automobilístico que o levou ao coma.
“Desde então, passamos a viver uma nova vida. Tudo mudou para ele e para nós. Meu pai fechou o pequeno comércio anexo à nossa casa e, com minha mãe, saiu em busca de socorro para o meu irmão. Tirar leite, cuidar das criações também fazia parte da rotina do meu pai, que deixou tudo para cuidar do Edmar”, recorda Érika.
O primeiro atendimento aconteceu no hospital de Bom Jesus do Galho, de onde foi transferido para Caratinga, Ipatinga e Belo Horizonte. “Ao todo, foram cerca de sete meses ininterruptos de internação, acompanhada pelos meus pais em sistema de revezamento. Meu pai cuidava do Edmar durante a noite e, minha mãe, durante o dia. Pro meu pai, que levava uma vida pacata na zona rural, enfrentar a cidade grande foi outro desafio”, lembra Érika.
Na última internação dessa série, em Belo Horizonte, ela conta que o médico deu alta ao Edmar e pediu à sua mãe que retornasse ao hospital assim que seu irmão voltasse a falar. “Desde então, estamos aguardando esse momento”, comenta Érika, que tinha 13 anos quando o irmão entrou em coma.
Técnica em Enfermagem, Érika optou pelo curso para ajudar a cuidar do irmão, que está em coma leve, mantém um nível de atividade cerebral. “Inicialmente, logo após o acidente, o Edmar estava em coma profundo e foi mantido em coma induzido para facilitar a recuperação de um traumatismo craniano; depois, a profundidade do coma foi pra moderado; agora, ele está em coma leve. Falta só despertar. Não sei se isso será hoje, amanhã ou nunca, mas creio que Deus vai dar esse despertar a ele”, comenta.
A profundidade do coma, segundo observa Érika, pode ser classificada por diversas escalas onde o avaliador, por meio de uma padronização de exame quantifica o grau do coma, desde uma leve confusão mental até o coma profundo. Uma das escalas mais utilizadas no mundo, conhecida como Escala de Coma de Glasgow, somando a pontuação por critérios como abertura dos olhos, capacidade de se expressar verbalmente e capacidade motora.
Érika conta que, “há dias em que Edmar está mais lúcido, mais atento à vida; em outros, mais prostrado. Quando ele está doente, a expressão dele muda, sutilmente. Só aprendemos a perceber essa mudança de comportamento no dia a dia convivendo com ele. Mas ainda sobre o estado de consciência dele, em 2018, Edmar adoeceu com pneumonia e ficou internado por quase dois meses, 40 desses dias em uma UTI. Certa vez, meu irmão estava no quarto, quando um neurologista me chamou para conversar sobre o estado de saúde do Edmar longe dele. De acordo com o médico, meu irmão compreende o que ouve”. Érika conta que nesse momento sentiu medo de perder o meu irmão, já que o estado de Edmar era crítico, “mas um médico me disse que ele recuperaria a saúde por sua grande vontade de viver”.
Érika frisa que muitas pessoas ajudam a alimentar a esperança da família na volta do coma, inclusive médicos. Por outro lado, de acordo com Érika, há pessoas que chegam a ser inconvenientes, que tecem comentários desagradáveis sobre o estado do irmão. “Uma colega me disse certa vez que a família dificulta a ida do Edmar. Algumas pessoas comentam que estamos sofrendo muito com o meu irmão. Outras costumam falar que a morte é melhor que a vida para o acamado. Mas nós temos pena de quem perde um ente querido e não tem a oportunidade de conviver tanto quanto nós temos convivido com o Edmar. E não somos nós que decidimos se é pra meu irmão viver ou não; no entanto, fazemos tudo pra que o Edmar se mantenha ao nosso lado com muita saúde e enquanto ele não volta de tudo pra vida. Cada dia com ele é um milagre experimentado por toda família, inclusive pelos sobrinhos. Todos passam pelo colo do meu irmão, buscam interagir com ele e aprender lições de força que o Edmar nos dá. Ele é muito querido. Mesmo não conversando com a gente, talvez não tendo consciência do que falamos, é parte importante da nossa família e é muito querido”.
MARIA, A MÃE
Dona Maria, mãe de Edmar, dedica sua vida quase que exclusivamente a cuidar do filho. “Nossa rotina é como se fosse a rotina de um hospital. Dia e noite meu filho recebe os nossos cuidados – meus, da Érika, do seu esposo e da sua filha, minha netinha de apenas 8 anos, que já ajuda até a conferir a oxigenação do Edmar, a temperatura. Ela demonstra interesse até em aspirar o meu filho, mas ainda é pequena para isso”.
Dona Maria conta também com o apoio de outra filha e do genro que moram em outro endereço. “Eles estão sempre dispostos a ajudar”, comenta a mãe de Edmar que no ano passado perdeu o que ela chama de parceiro de todas as horas, o marido Zé Tito, que morreu vítima de enfarto. Era ele quem dava o banho no filho acamado e “não arredava o pé da beira da cama do Edmar. Meu marido dava a vida dela pelo nosso filho e sem deixar faltar carinho a toda nossa família.”
Outros ajudadores de Dona Maria foram seus pais. “Mesmo idosos, eles abandonaram a sua casa e vieram morar comigo para ajudar a cuidar do Edmar, até que vieram a falecer, ambos aqui em casa. Morreram cuidando do neto”, recorda.
COVID
Dona Maria conta que mantém as despesas do filho com a ajuda de Deus e do povo. “Nossos gastos são muitos com medicação, com a manutenção de equipamentos e profissionais de saúde. Estamos com um gerador de energia emprestado, mas precisamos de um mais possante para aspirar as secreções pulmonares que muitas vezes estão bem espessas. Quando falta energia em nossa casa, é hora da correria. Sabemos que o risco não é de ter um aparelho elétrico queimado, mas uma vida em risco. Não adianta ter oxigênio no cilindro, mas não ter energia elétrica”.
Com a pandemia, os desafios se multiplicaram, segundo Dona Maria. “Muitas pessoas que nos ajudavam estão desempregadas e já não podem mais contribuir conosco. Tudo ficou muito mais difícil, tanto é que adoeci com a Covid, mas não tive com pagar alguém para olhar o Edmar. Então continuei dando assistência a ele. Eu colocava duas máscaras e entrava pro quarto, com muito receio e com a certeza de que não havia outro recurso para mim. Isso me fez lembrar do meu marido com quem fui casada quase 50 anos. Ele me perguntava sempre como ficariam os cuidados com o Edmar assim que um de nós fosse embora”.
Nos últimos anos, além do esposo e dos pais, Dona Maria perdeu dois irmãos. “Mas não perdemos a esperança, a fé em Deus. Já atravessamos períodos de muita dificuldade, mas vamos vencendo todos os dias junto com o Edmar, um guerreiro que, mesmo acamado, não tem uma ferida no corpo. Está sempre bem cuidado e é muito amado por todos nós”.
Ainda sobre as despesas, Dona Maria comenta que não recebe ajuda do Estado e que os gastos são altíssimos. “Precisamos manter uma enfermeira, que custa R$1.300 por mês; gastamos muito com medicação, materiais hospitalares. A energia, com o aumento, é quase R$500. Precisamos de mais profissionais para nos dar suporte, pois estamos muito sobrecarregadas. Temos fé em Deus de que as coisas vão se ajeitando. O Edmar é muito forte, tem muita vontade de viver. Ele já passou por tanto momento crítico da vida. Médicos já nos chamaram pra nos despedir do Edmar, mas ele é guerreiro, vitorioso. Vencemos com ele, nesse propósito de mantê-lo vivo, com saúde”.
São poucos os casos de pessoas que atravessam longos períodos de coma e recobram a consciência. Em 2019, Munira Abdulla, dos Emirados Árabes, ficou conhecida após acordar de um coma de 27 anos. O americano Terry Wallis também ganhou fama após sair do coma de 19 anos. De um estado quase vegetativo, ele se recuperou tão bem que os médicos consideraram a possibilidade de ter havido renascimento de tecidos cerebrais. “No caso do Edmar, ele acorda, fica mastigando, move os olhos, suspira em alguns momentos como se fosse uma resposta ao que dizemos a ele”, conta a irmã do paciente, que acredita em um estado, mesmo que mínimo, de consciência. “Ele reage a estímulos. Minha mãe e eu percebemos pois são quase que imperceptíveis essas manifestações por meio das expressões faciais. São mudanças de estado que só quem convive permanentemente com ele consegue perceber”.
O coma e a agonia da espera pelo despertar de um paciente são assuntos intrigantes abordados em filmes como O Reverso da Fortuna (1990) e A Vida Sonhada dos Anjos (1998), produções aprovadas na década de 90 como retrato preciso desses estados, segundo pesquisa que avaliou 30 filmes produzidos entre 1970 e 2004 retratando personagens em comas prolongados.
SERVIÇO
Como ajudar o Edmar: via pix, para o CPF 075.146.556-97. Contato com a família, pelo WhatsApp 33 9 9958.0438.