Marco Antonio de Oliveira Roberto declarou que outras drogas têm o comércio e o consumo amplamente permitidos, como é o caso das bebidas alcoólicas
CARATINGA- O Supremo Tribunal Federal ainda não concluiu o julgamento sobre a constitucionalidade de se tratar como crime a posse de drogas para consumo pessoal, mas, um magistrado da comarca de Caratinga analisou um processo e declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006. O acusado foi absolvido.
Para isso, o juiz Marco Antonio de Oliveira Roberto, da 2ª Vara Criminal e da Infância e Juventude, se baseou no voto do ministro Gilmar Mendes, relator do recurso extraordinário que discute o tema no Supremo. Até o momento, foram proferidos três votos. Gilmar votou pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso, sem restrição quanto às drogas. O ministro Luís Roberto Barroso votou apenas para a descriminalização do porte de maconha e foi acompanhado pelo ministro Luiz Edson Fachin.
Na sentença, Marco fez uma série de questionamentos, dentre eles: “Se é possível portar uma lata de cerveja para consumo próprio, por que criminalizar a conduta do indivíduo que porta alguns gramas de maconha para uso recreativo?”.
O juiz concedeu entrevista à imprensa para falar sobre o tema. No caso analisado por Marco Antonio, o cidadão foi preso em flagrante por suspeita de tráfico de drogas. Segundo a denúncia, a polícia já fazia o monitoramento e recebeu denúncias anônimas a respeito do tráfico de drogas. “Iniciou-se um procedimento criminal e a prisão preventiva foi mantida pelo fato de que o indivíduo possuía registros criminais e, até então, havia indícios suficientes da narcotraficância. Foi realizada audiência e, na minha visão, o tráfico não ficou demonstrado. Para o tráfico, a quantidade de droga é irrelevante, o que basta é a destinação comercial. Mas, a prova não logrou demonstrar a narcotraficância e foi o caso de desclassificação para o crime de porte de droga para o uso próprio, previsto na Lei de Drogas”.
Na sequência, o magistrado analisou a conduta e adotou o entendimento com a tese de que o porte de drogas para o uso próprio tem que ser descriminalizado. “Destaco que não é um entendimento predominante do Poder Judiciário. Mas, acredito que o porte de drogas para uso próprio deve ser descriminalizado, não somente a maconha, mas, qualquer droga, primeiro por violação ao princípio da alteridade, porque o Direito Penal não pude punir a autolesão. Sabemos dos efeitos que a droga pode causar na pessoa, mas, é razoável punir autolesão? Outro fundamento é o princípio da razoabilidade, porque existem drogas, por exemplo, o álcool, que causam um efeito muito pior, muito mais nefasto que a maconha, e o álcool é permitido”.
O juiz Marco Antonio segue argumentando, dizendo que outras drogas, “igualmente psicoativas”, têm o comércio e o consumo amplamente permitidos, como é o caso das bebidas alcoólicas. “Na sentença até fiz uma menção entre aspas, a maconha “chapa”, a cocaína “chapa”, mas, o álcool também “chapa” e é permitido. Por que? Não estou defendendo que tenha que liberar geral, não é isso. Mas, por que punir a pessoa que usa maconha e a pessoa que usa o álcool pode ficar alterada, chega em casa, pratica a violência contra a mulher, pode ocorrer até homicídios. Então, julguei desproporcional a punição na seara criminal do porte para uso próprio”.
Para o magistrado, as drogas são um problema de saúde pública e não cabe ao Direito Penal resolver a questão. “A questão tem que ser resolvida na esfera cível, administrativa; se a pessoa tem uma condição de dependente químico, a solução não é puni-la ainda que com uma advertência, que é uma das penas que a lei prevê, mas, encaminhá-la para a rede atendimento, fazer um acompanhamento psicossocial, junto ao Caps e, em último caso, uma internação psiquiátrica para tratar drogadição. Não é punindo que vai resolver o problema”.
A questão tem sido amplamente debatida no âmbito jurídico, mas, ele defende um maior debate público sobre o tema. “Existem argumentos respeitáveis de ambos os lados, no próprio Supremo Tribunal Federal existe um recurso na Suprema Corte, que está discutindo justamente a descriminalização do porte de drogas. Já há alguns votos favoráveis, na sentença inclusive eu apresentei o voto do ministro Gilmar Mendes, um voto brilhante, explicando a inocuidade de incidir o Direito Penal nesse caso. O Supremo ainda não definiu a questão, o recurso ainda está em andamento, nem tenho propriedade para falar se essa vai ser a tese dominante ou não, porque ainda existe bastante resistência dos tribunais. O próprio TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) entende que continua sendo crime, mas, acho que essa questão precisa de um debate público mais aprofundado, porque não é só sob o prisma da alteridade, mas, também da razoabilidade. O tabaco, cigarro comum, causa um dano imenso à pessoa, câncer, tantos males. Essa visão proibicionista tem que mudar. É desproporcional, irrazoável. A questão tem que ser debatida”.
Marco Antonio afirma que é bastante comum a tramitação de processos semelhantes no Fórum de Caratinga. “Os processos de tráfico de drogas, que é punido com pena maior, com reclusão de cinco a 15 anos, além de multa, é de competência da vara criminal comum. Mas, quando se trata de porte de drogas para uso próprio, é infração penal de menor potencial ofensivo, de modo que a competência é do juizado criminal. Mesmo nos casos em que há desclassificação, inicialmente o processo tramitava sob a condição de tráfico e depois desclassificado para uso, a providência que o juiz deve adotar é remeter para o Juizado. E tem um número expressivo, um bom percentual, envolvendo o artigo 28. Também destaco que sou juiz da Infância e da Juventude e existem vários procedimentos também contra adolescentes, envolvendo apenas o porte de droga para o uso próprio”.