Ildecir A. Lessa
Advogado
No tempo presente, neste ano de 2016, no Brasil, a Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (10) a 36ª fase da Operação Lava Jato em cidades do Paraná, São Paulo e Ceará. Batizada de Operação Dragão, a ação apura a lavagem de R$ 50 milhões para empresas já investigadas. Tivemos ainda, neste ano, já se vai mais de mês que, o plenário do Senado aprovou, por 61 votos favoráveis e 20 contrários, o impeachment de Dilma Rousseff. O Palácio do Planalto já não consegue disfarçar a preocupação com os sinais cada vez mais fortes de que o relator no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) do processo das contas da campanha presidencial de 2014, ministro Herman Benjamin, pode recomendar a cassação da chapa Dilma-Temer, sem separação de presidente e vice.
Enquanto isso, no tempo presente ainda, é eleito nos Estados Unidos um presidente que propõe construir uma nova muralha de mais de 3 mil quilômetros de extensão na fronteira entre os Estados Unidos e o México. O objetivo de Donald Trump é conter a imigração ilegal de latino-americanos. Mas, no tempo passado, o que desafia ainda, é o ano de 1968, que passados 48 anos, continua desafiando as incontáveis iniciativas para explicá-lo. Para quem procura compreendê-lo, 1968 segue intrigante e provocador. Foram muitas as formas de interpretá-lo ao longo do tempo: ano louco, enigmático, revolucionário, utópico, radical, rebelde, mítico, inesperado, surpreendente, profético, das ilusões perdidas. Adjetivos não faltam. A pergunta que ainda busca resposta no tempo é: qual o vínculo entre tantos e tão espantosos episódios e o curto espaço de 366 dias desse ano, além de tudo, bissexto? Nem mesmo aqueles que estiveram no olho do furacão, no centro dos acontecimentos, sabem responder com convicção. Uma coisa é certa. Quem lançar um olhar curioso sobre o século passado verá que 1968 se destaca claramente entre todos os outros. Mesmo em relação a anos como 1989, da queda do Muro de Berlim, e 1991, da dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A dimensão universal, a repercussão e o extraordinário significado dos eventos que agitaram seus dias colocam 1968 em um patamar único em todo o século XX. Que ele sirva de instrumento para analisar os fatos que marcam nossas vidas até hoje. 1968 foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Ano Internacional dos Direitos Humanos. Para o povo de Cuba, ele foi o Ano do Guerrilheiro Heroico. Uma homenagem a Ernesto Che Guevara, assassinado pela CIA, no dia 9 de outubro de 1967, nos Andes bolivianos. A luta pelos direitos humanos e a guerrilha foram personagens marcantes na história de 68. Ainda em plena ressaca das festas de 31 de dezembro de 1967, o amanhecer de 1º de janeiro de 1968 descortinou um mundo dividido em dois blocos liderados, respectivamente, pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Socialismo e capitalismo. Não havia alternativas: era um ou outro. A lógica dominante era a da Guerra Fria. Os dois blocos tinham o poder de destruir várias vezes a Terra – como se fosse possível – com seus gigantescos arsenais nucleares. Por isso, ninguém atacava ninguém, mesmo com a existência de algumas zonas de guerra quente, como o Vietnã, no Sudeste Asiático. Os problemas que subsistiam não impediam que os poderosos respirassem, no limiar de 68, a euforia gerada pelo período de maior prosperidade e crescimento de toda a história do mundo industrializado. Para a maioria dos jovens, no entanto, era um ambiente insatisfatório, autoritário e injusto. Em um planeta iniciando um irreversível e acelerado processo de globalização, com as primeiras transmissões ao vivo pela televisão, via satélite, encurtando extraordinariamente as distâncias entre tempo e espaço, não era nada espantoso que jovens de formação, tradição e história tão diferentes como alemães, italianos, americanos, etíopes, escandinavos, brasileiros, franceses, tchecos, eslovacos, mexicanos, chineses e japoneses se rebelassem e encontrassem em seus protestos – que curiosamente tinham alvos em comum, como o autoritarismo – inspiração para criar novas formas de luta.
A onda de rebeldia que percorreu o globo em 68 foi inspirada, de um lado, por reivindicações específicas de cada realidade nacional – no Brasil, a luta contra a ditadura militar, impulsionada por um sentimento libertário contra o opressivo autoritarismo que permeava as relações no interior das famílias, nas escolas e universidades, nas empresas e na vida cotidiana dentro de uma sociedade de consumo e comunicação de massas que sofria a doença de uma deformada prosperidade. Mas não era só isso. Jovens de todo o planeta alimentavam também uma generosa e generalizada revolta contra o mundo bipolar, os valores sociais ultrapassados, o falso moralismo, a repressão sexual, as injustiças sociais e a guerra no Vietnã, onde um poderoso país imperialista exercia uma agressão cruel contra uma pequena e subdesenvolvida nação do Terceiro Mundo. Aos 18 anos, os jovens eram convocados para lutar e morrer no Vietnã. No entanto, eles sequer tinham o direito de votar. Teriam ainda que esperar mais três anos para completar 21 e poder escolher um presidente. Na Europa, a existência de uma “cortina de ferro” separando realidades diferentes não evitava que a juventude protestasse dos dois lados contra regimes igualmente incapazes de corresponder a seus sonhos, exigências e esperanças. Do lado oriental, especialmente na Polônia, na Romênia e na então Tchecoslováquia, as duras condições de vida e a implacável repressão da polícia política não impediam as manifestações dos jovens contra a censura, o frustrante “socialismo real” e o burocrático e repressivo marxismo oficial vigente no Leste Europeu. Protestos vistos com crescente mau humor pela poderosa União Soviética, ciosa guardiã da disciplina, da ordem e da paz dos cemitérios em suas repúblicas.
Vendo a linha do tempo da lembrança, desses acontecimentos, conclui-se que, a história se repete, na forma moderna. Que venham mais eventos, (lava-jato, chapa Dilma/Temer, eleições nos EUA), modelando a história, que sempre será repensada, como o ano de 1968. O ano que não terminou (Ventura).