Psicóloga e professora querem que caso de São Paulo se transforme em inspiração para outras mulheres começarem o Ensino Superior, independentemente da idade
CARATINGA- Um vídeo que viralizou na internet mostra três estudantes de uma universidade particular de Bauru (SP) debochando de uma mulher que também estuda na instituição pelo fato de ela ter “40 anos”. A estudante, que na verdade está prestes a completar 45 anos este mês, está no primeiro ano de Biomedicina.
No vídeo, ela ironiza: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo depois, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira. Em seguida, a estudante que grava o vídeo diz: “Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião”. Elas chegam a dizer que a mulher “não sabe o que é Google”.
O vídeo, publicado nas redes sociais do DIÁRIO, teve grande repercussão no final de semana e gerou indignação aos internautas. A reportagem conversou com duas mulheres que se formaram na faixa etária dos 40 anos e relatam suas histórias como motivação: a professora aposentada Elizabeth Pereira, a Beth, formada em História, que é caratinguense e hoje mora no Espírito Santo e a psicóloga Clevane de Oliveira, 52 anos. Elas relatam as suas experiências e são um exemplo de que aquela frase que a vida começa aos 40 faz bastante sentido.
Com qual idade começou a fazer faculdade e por que tomou essa decisão?
BETH- Comecei a faculdade com 40 anos. O que me levou a fazer a faculdade foi principalmente a necessidade de melhorar a minha vida, porque eu tinha de crescer para proporcionar a meus filhos também a condição deles fazerem uma faculdade futuramente. Fiz visando o futuro e, interessante, que eu não parei um minuto para pensar na questão da idade. O que me impulsionou realmente foi essa questão de futuro, de olhar pra frente, que eu acho que é o mais importante. A idade aí foi uma coisa que eu nem questionei, inclusive nem despertei esse tipo de pensamento em mim na época.
CLEVANE- Entrei na faculdade com quase 41 anos, faltavam dois meses para completar. Essa decisão eu já havia tomado uns três, quatro anos antes. Aos 37 anos decidi fazer uma faculdade, mas, já tinha outra profissão, me casei, tive filhos e como eu era bem-sucedida em outra profissão, não foquei em fazer uma faculdade. Mas, sempre tive muita vontade de fazer Psicologia. Quando me formei no Magistério, não tinha Psicologia em Caratinga, logo em seguida me casei, tive dois filhos e não tive essa oportunidade. Mas, era realmente um sonho. Até que descobri que tinha Enem, fiz três e consegui uma bolsa integral na Unec. Meu sonho foi realizado.
Como era sua rotina de estudos atribuída às suas demandas do dia a dia?
BETH- Optei pelo curso de História, porque desde a minha época de infância, lá no Ensino Fundamental, que eu praticamente estudei uma vida toda no antigo colégio normal Nossa Senhora do Carmo, que hoje é onde funciona a Unec e eu sempre amei o curso de História. Tive uma professora muito inspiradora na antigamente 5ª série, que foi a Cor Maria Dulce. Ela me ensinou a amar História, então essa foi a minha opção. A rotina de estudo era muito puxada, realmente bastante esforço, mas, se você se propõe a fazer alguma coisa, tem que fazer. Se no primeiro obstáculo aquilo tirar o seu foco, você não vai mesmo pra frente. Comecei, trabalhava durante o dia, já trabalhava em escola, acho que essa foi até uma questão que me ajudou muito, o ambiente proporciona essa outra visão. Eu trabalhava na secretaria da escola, tinha feito curso de Magistério na minha época. Foi puxado. Eu estudava, às vezes, depois que eu chegava da faculdade, meus filhos já estavam dormindo, então, eu sabia que não iria ter interrupção. Eu fazia trabalhos, estudava para prova, geralmente nesse horário. Porque o período que eu não estava trabalhando, estava cuidando de casa, aquela rotina normal de dona de casa e mãe. A minha opção de estudo era essa, depois que os filhos dormiam, quando eu chegava da faculdade. Não é fácil, pela mãe você tem que levantar cedo, mas, eu estava tão decidida, que nem pensava nisso.
CLEVANE- A rotina de estudos em Psicologia, principalmente no início, era mais apertada, porque havia 20 anos que eu havia concluído o Magistério. Mas, era uma rotina super agradável para mim, apesar de às vezes cansativa no início até eu pegar o ritmo de como era estudar no Ensino Superior. As demandas foram bem desafiadoras, mas, eu amo desafios, foi tudo de bom. Conclui o curso com bastante aproveitamento, gostei muito, estudei muito, aprendi muito e aprendo até hoje. Quando entrei na faculdade meus filhos já estavam um pouco maiores, na adolescência, então, foi tranquilo. Tinha aquele período que eles estavam na escola, eu ficava bem à vontade para estudar, tive bastante ajuda da família.
Na sua turma tinham pessoas de variadas idades? Como era essa convivência?
BETH- A minha sala era bem heterogênea. Tinham pessoas de todas as idades, pessoas praticamente da minha mesma idade e outras bem mais novas mesmo, na faixa de 18, 19 anos. E inclusive o meu grupo de estudo, que nós tínhamos, nos identificamos desde o início, éramos quatro, cada uma com uma idade distinta, mas, funcionava maravilhosamente bem. Todas as quatro tinham histórias de luta. Idades, tipos de pessoas diferentes, então, eu, particularmente amava minha turma. Nunca tive problema com essa questão de discriminação, acho que porque pela época não existia essa coisa de internet, não tive dificuldade nenhuma nesse quesito. Foi muito bom. E essa mistura de idades, de pessoas, achei isso bacana demais.
CLEVANE- Quando cheguei na sala de aula, nunca nem passou pela minha mente quanto à idade, de chegar e quem estará lá. O desafio foi em pegar mesmo o ritmo de aprendizado. Mas, nunca deixei de ler, fazer cursos, gosto até hoje. Foi interessante, acho que isso me ajudou muito. Mas, quando cheguei lá, apesar de não estar incomodada com a minha idade, fiquei um pouco surpresa porque tinha uma colega nossa que era a terceira formação dela superior, tinha 60 anos na época, tinham pessoas de 45, 50, 55 e também de 17, quase 18. Todas as idades. E foi muito bom, muito aprendizado.
O que lhe dificultou em fazer uma faculdade em outro momento, antes dos 40?
BETH- Na verdade, o que faltou para eu fazer uma faculdade antes dos 40, realmente tive oportunidade de fazer, mas, na época, os cursos que tinham não era o que eu queria. Até comecei uma vez uma faculdade de Ciências Contábeis, mas, não era aquilo pra mim. Depois saí de Caratinga, mais tarde, conheci meu marido e vim morar em Vila Velha. Assim as coisas foram caminhando de uma forma diferente, tive meus filhos, quando me separei voltei para Caratinga, que era minha cidade natal, onde eu tinha família. E nesse retorno, me transformei numa mãe solo. Precisava trabalhar e fazer alguma coisa, onde eu tivesse uma condição de melhorar não só financeiramente, mas, até como pessoa, porque você sai de um relacionamento que não foi bom com sua autoestima totalmente destruída. Você tem de recomeçar, renascer e crescer. Não só para mim, mas, para meus filhos também que precisavam de uma figura forte para eles. Não podia nem me dar ao luxo de ser fraca, lógico que tinham momentos que a gente fraqueja, mas, tudo passa. Aquela oportunidade que eu tive antes e não aproveitei, resolvi aproveitar depois.
CLEVANE- Foram vários fatores. Eu não iria sair de Caratinga, não tinha essa condição financeira, porque minha vida financeira e do meu marido estavam aqui. Queria muito, mas, oportunidade veio depois com o Enem. Esse foi o momento certo. Não tenho nenhum arrependimento de não ter feito faculdade antes do 40. Foi o momento propício, respeito muito o processo das experiências na minha vida. Esse foi o momento ideal.
O que fazer um curso superior representou de mudança em sua vida?
BETH- Foi a melhor decisão que eu tomei, foi um crescimento realmente. Descobri que eu era capaz, que eu não podia acreditar que eu não era. Vou até falar uma metáfora que é muito comum, mas, é verdadeira, você tem que dar uma de fênix, renascer das cinzas ou você fica nas cinzas para sempre. Você tem de fazer acontecer. Se eu tivesse que optar por recomeçar hoje, eu começaria de novo. Faria tudo de novo, porque valeu muito a pena, principalmente, pelo crescimento cultural. Você muda sua visão de vida. Mas, quem tem a oportunidade de começar mais cedo, deve pegar essa oportunidade. Se não o fez e decidir começar aos 40, 50, 60 anos, não interessa a idade, faz e corre atrás. Mudou tudo. Lógico que se você faz um curso superior e entra no mercado de trabalho, você vai ter um ganho financeiro que vai te proporcionar também coisas que você não teria condições. Mas, independentemente disso, existem muitos outros ganhos, conviver com pessoas diferentes de você e trazê-las para sua vida, conhecer “n” histórias de vida, de pessoas que até estão numa situação de mais dificuldade que você. Cursar a faculdade só me fez crescer em todos os sentidos.
CLEVANE- Como estamos no processo, todas as nossas experiências são capazes de nos transformar. O curso superior pra mim foi uma fase muito importante na minha vida, uma realização não só profissional, de informação, adquirir todo aquele conhecimento, experiência acadêmica. Um enriquecimento pessoal, pode perceber a habilidade de me tornar ainda mais um instrumento de ajuda em relação às outras pessoas. Nossa vida é um quebra-cabeça e cada experiência vai montando as peças. Sinto que sou muito enriquecida pelo curso que eu fiz.
Ao ver a notícia que repercutiu sobre as estudantes de São Paulo debochando de uma colega de 40 anos, qual foi o seu sentimento?
BETH- Fiquei com um sentimento de indignação, nem vou dizer revolta, fiquei indignada. No momento que vi aquelas piadinhas, aquele deboche, aquela falta de acolhimento. Que tristeza. Cheguei até ficar com dó dessas meninas, porque o que seria um deboche acabou comprovando a futilidade de alguns adolescentes, não acredito que todos sejam assim. Aqueles que estão bem fora da casinha, que não sabem o que é uma dificuldade batalhar pelo que você quer, aquela coisa de quem tem tudo de mão beijada. Como pode a pessoa ter aquela visão tão pequena, restrita ao mundinho delas. Espero que elas comecem a enxergar a vida diferente, porque lá na faculdade elas vão conhecer outras pessoas, outras realidades, que sirvam de crescimento para elas, porque um dia serão profissionais. E tiro o chapéu para essa colega delas de 40 anos, espero que ela não desista. Isso foi uma infantilidade muita infeliz. A realidade é dura. Torço muito para que essa colega levanta a cabeça, siga em frente e tenha muito sucesso.
CLEVANE- Primeiro não acreditei, pensei que fosse uma pegadinha, de zoação, que para mim já seria de mau gosto. Depois vi que era verdade, tive muitos sentimentos, emoções, passei muitos pensamentos pela mente. Elas foram infelizes. A faculdade agora está ampliando mesmo para todos, principalmente essa forma do processo seletivo, com Enem. Isso deve incentivar ainda mais as pessoas a entrar na faculdade. Quem entra aos 40 tem a vantagem da experiência de vida, com foco bem mais direcionado, está ali porque deseja muito. Tenho a experiência do meu filho, ele entrou na faculdade aos 25 anos, com 18 anos ele não quis entrar, fiz de tudo. Aos 25, ele me chamou, falou do arrependimento e quis entrar, com todo foco. Por isso, acredito que é um processo, devemos respeitar e não olhar as críticas. O que nos define são nossos propósitos.
O que você diria para as mulheres de 40 anos que ainda estão indecisas se devem estudar?
BETH- Para as mulheres de 40 até os 90 anos, que pensam em voltar a estudar e ficam temerosas, principalmente depois dessa coisa infeliz que aconteceu, não deixem se abalar. Pensem em vocês, idade não importa, vá em frente. Tem hora que ainda tenho vontade de voltar a estudar, fazer alguma coisa, mas, ainda penso que é hora de descansar, passear, curtir a vida. Mas, quem está pretendendo, não pense na idade, pense em um monte de coisa que poderá viver. Estude, faça tudo o que tiver vontade de fazer, que vai proporcionar um crescimento como pessoa. Tudo vale a pena. Claro que não devemos romantizar, achar que é fácil, fácil não é. Tem dia que dá vontade de desistir, parar no meio do caminho, mas, temos de batalhar.
CLEVANE- Claro que você deve, você não vai perder nada, só vai ganhar. Coloca na balança, você vai aprender a ter estratégia. Dificuldades todo mundo tem, faculdade é como se fosse um barco, todo mundo está no mesmo barco. Às vezes eu olhava a dificuldade das outras meninas, bem mais jovens, mas, moravam longe. E deu tudo certo para todas que estavam ali. Enquanto há vida, há aquisição de novas experiências através do conhecimento.
- A psicóloga Clevane de Oliveira destaca que teve a oportunidade de fazer uma faculdade anos depois
- A professora Beth Pereira optou pelo curso de História, também aos 40 anos