Por Zilanda Souza – Profª Neuropsicopedagoga
Eu passei 17 anos da minha vida frequentando instituições escolares. Comecei minha experiência aos 6 anos, no chamado “pré-escolar” e segui até a graduação. Hoje, as crianças entram mais cedo e podem apresentar um currículo mais experiente que o meu. Algumas somam mais de 20 anos de convivência em espaço escolar. Uma parte interessante da vida, momentos de construção, especialmente de formação. Sim! Somos um resultado de constantes interações e a escola tem um papel especial nisso. Paulo Freire escreveu muito bem: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Nesse termo “se educam entre si”, é possível perceber a consciência da força de um coletivo. Força que tem o poder de educar. Força esta, que vai muito além do direito a matrícula e ensino regular para todos. Estou falando de uma consciência democrática que constrói junto. Uma escola que escuta os seus e faz saber os seus interesses. Jamais vou esquecer a minha entrada na escola, ano de 1982. Meu choro e o dos meus colegas sendo censurado e ridicularizado na primeira semana de aula. Hoje, as escolas promovem a chamada “semana de adaptação”. Entre nós, naquela época havia um muro de silêncios, construído por outros desejos, que certamente não eram da maioria. Os anos passaram, e eu me tornei eleitora 10 anos depois. Votei aos 16 anos, sem compreender a democracia, sem ter consciência da minha voz, do meu poder enquanto parte de um povo. Foi quando a direção da minha escola convidou os alunos a expressarem seus desejos, suas necessidades, as ausências e os conflitos vividos dentro do espaço escolar. Pela primeira vez eu participava de um grupo que poderia se expressar. Nunca vou me esquecer daquele momento. O país vivia a iminência de um processo de impeachment e a professora de história insistia em ensinar Tratado de Tordesilhas. Nenhum de nós sabia sobre a constituição brasileira, nenhum de nós tinha consciência democrática apurada e muito menos sabíamos o que significava impeachment. Éramos filhos obedientes de uma minoria. Nesse encontro, conseguimos o direito de pesquisar e debater sobre o que acontecia no país e a grade curricular foi submetida a voz do povo. O povo que habita as escolas. O meu choro censurado e ridicularizado aos 6 anos, recebeu sua justiça mais de 10 anos depois, através do som da minha palavra e da palavra dos meus colegas ali. E foi nesta instituição, Escola Estadual Theolinda de Souza Carmo, sob a influência da professora de Literatura, a inesquecível Cláudia, que vivi a minha primeira experiência consciente de democracia.
Escola democrática é a escola que compreendeu que precisa atender a um povo. Podem ter 4, 5, 6 anos. Estamos falando do povo. Um povo em formação que tem direito a expressão, que herdou a democracia, mas precisa aprender a exercê-la. Seja numa pequena votação sobre música da festa junina, ou sobre a programação do Dia da Criança. Seja nas assembleias de discussões sobre os temas de ensino ou numa reunião extraordinária para tratar sobre a criminalidade nos portões das escolas. Em ações com essas, há evidência de um investimento em consciência democrática.
Não vejo outra forma de fortalecer nossa democracia, se não for através da uma educação para a consciência democrática. Desde a tenra idade. A começar da escuta do choro, até as propostas de reformulações do ensino.
Um povo que se educa assim, mutuamente, tem consciência do seu poder, não vende o seu voto, não se rende a sorriso falso, nem a aperto de mão interesseiro. Não se deixa seduzir pela visita do candidato nas periferias, muito menos pela rima cafona das paródias de campanha. Um povo consciente do seu poder levanta no meio das suas necessidades e carências, o seu líder e dá a ele o poder de governar para todos.
Profª Zilanda Souza – Neuropsicopedagoga