O racismo nosso de cada dia
Sempre que sou convidado a falar ou escrever sobre racismo, começo dizendo a mesma frase que repito faz um bom tempo: O debate sobre racismo, não admite achismo. Não digo isso para excluir, mas para instigar o interesse, o estudo aprofundado sobre o tema. Afinal, é impossível debater a pauta com a seriedade exigida, sem o mínimo de conhecimento histórico. O racismo desembarcou no Brasil, junto com os primeiros navios negreiros por volta dos anos 1550. Sou Rogério José da Silva, negro, 50 anos, radialista, cronista esportivo, comunicador a 29 anos. Bisneto de Bertolino da Silva, um dos cinco milhões de pretos escravizados, que deram suas vidas na construção desse país, sem receberem nada em troca.
No mundo moderno, o advento das redes sociais, popularizou o personagem que tem opinião sobre tudo, sem entender de quase nada. Por conta disso, tá cada vez mais frequente, principalmente no mês de novembro (mês dedicado a reflexão da Consciência Negra), depararmos nas redes sociais com diversas postagens, de pessoas cheias de achismos em relação a racismo. Tenho como primícia, não opinar sobre o que não sei. Por isso, jamais irão me ver dando opinião sobre alguns assuntos: Motor de submarino, reprodução do ornitorrinco, vida dos vikings e tantos outros temas da qual não entendo absolutamente nada. Isto posto, porque muitas pessoas querem falar sobre racismo, sem o devido cuidado no estudo, e respeito pela história dos nossos ancestrais?
Escravidão na África
Em diversas oportunidades que tive de conversar sobre escravidão/racismo com algumas pessoas, ouvi a seguinte afirmação “Mas, os próprios negros vendiam outros negros para os portugueses”. Em muitas ocasiões, o senso comum e o racismo estrutural são fatores que disseminam a desinformação sobre a história afro-diaspórica.
A história não é bem assim, afinal, foi contada pelo ponto de vista do opressor, assim, escrita de forma incompleta, e por muitos distorcidas numa tentativa de desqualificar a luta diária da comunidade negra atual por mais igualdade. Vamos contextualizar:
Às formas de escravização na África aconteciam por delitos. Criminosos, eram forçados a trabalhar. Em casos de extrema necessidade de um povo (que vendia os indivíduos, exemplo, fome extrema. Escravidão doméstica o povo vencedor conseguia os escravos através de guerras. Assim, parte do povo dominado virava cativo e a ele eram dados serviços como cultivo da terra e outros mais simples. De todo modo, pessoas escravizadas nesse modelo tinham direito à propriedade de terra e ao casamento.
Só pra lembrar, a África não é um país como muitos pensam. O continente africano é formado por 54 países atualmente. Registra-se hoje aproximadamente 492 grupos étnicos no território Africano, que utilizam ao menos 36 línguas diferentes. Imagine a quase 500 anos atrás? Sendo assim, não dá pra imaginar que pelo fato de viverem num mesmo continente, viviam em perfeita harmonia. Num mundo hostil, guerras eram comuns onde pretos matavam outros pretos, faziam prisioneiros e muitas vezes os escravizavam. Algo muito semelhante ao que está ocorrendo hoje entre russos e ucranianos (brancos matando brancos), ou árabes matando árabes nas guerras intermináveis. Porém, tal argumento só é usado para tentar desqualificar a luta do povo preto.
Com a chegada dos portugueses ao continente africano, a escravidão tomou rumos diferentes dos já vivenciados naquele território. Daí em diante, pessoas especializadas passaram a capturar e aprisionar outras, que seriam escravizadas e enviadas a outros continentes. Primeiramente, a Europa; depois, as Américas.
Nesse novo modelo, as pessoas escravizadas não tinham nenhum direito, muito menos participavam da cultura local, ao contrário do que acontecia na escravidão doméstica. As relações comerciais ficaram tão grandes que, em determinado período, não mais eram suficientes pessoas e terras litorâneas. Assim, capturavam gente em outras regiões e levavam à Costa Oeste africana. Essas pessoas eram obrigadas a caminhar até o destino, acorrentadas e quase sem comida, para que não tentassem fugir.
Especificamente para a América, 12 milhões de pessoas foram escravizadas ao longo de três séculos. Estas vinham, principalmente, da África Ocidental e Central. Só para o Brasil, foram trazidos cerca de 5 milhões de africanos, dentre eles, meus ancestrais. Os primeiros para o Rio de Janeiro, mais tarde, meu bisavô ainda cativo para a Zona da Mata mineira, onde nasceu meu avô Emídio Sebastião da Silva, pai da minha saudosa mãe dona Rita.
No próximo artigo, como era a longa travessia do Atlântico para o Brasil? Seres humanos amontoados como mercadorias, cujo destino eram às senzalas. Como era a vida de trabalho forçado e castigos?
Rogério Silva