Ecos do Terror
Em nosso primeiro artigo semana passada, abordamos os aspectos e circunstâncias do início da diáspora negra rumo a América. Como nossos antepassados foram capturados em sua terra natal para serem escravizados do outro lado do oceano Atlântico. Mas, como era essa travessia e a vida nas senzalas? As consequências ainda hoje, 136 anos depois da abolição.
Dos negreiros às senzalas
Depois de capturados pelos europeus, ou até mesmo por tribos e povos inimigos, eram embarcados a força nos navios negreiros, embarcações adaptadas para transportar africanos escravizados às Américas, priorizando o número de cativos transportados em condições extremamente desumanas. Uma atividade lucrativa que se consolidou entre os séculos XV e XIX, esses navios desempenharam papel fundamental na sustentação da economia colonial. Com conveses estreitos e ventilação inadequada, os escravizados eram mantidos acorrentados em um ambiente insalubre durante a viagem, que podia durar de seis a oito semanas, estendendo-se em alguns casos para até três meses, agravando ainda mais o sofrimento causado pela fome, doenças e violência. Muitos não suportavam e morriam durante a travessia. Às principais causas eram infecções por diversas doenças, ferimentos resultado dos muitos castigos impostos aos revoltosos, e até mesmo suicídios. Não bastasse tudo isso, às mulheres sofriam estupros e todo tipo de violência. Nesse contexto, muitos não chegavam ao destino. Seus corpos eram atirados ao mar.
Senzalas
Depois de passar de dois a três meses nos porões dos navios, chegar ao Brasil não significava fim do sofrimento. Muito pelo contrário, às senzalas não eram nem um pouco habitáveis Não existiu um padrão para essas construções, sendo cada uma delas adaptada à realidade de cada engenho, mas grande parte delas era feita de taipa, isto é, de barro, com telhados de palha. Novamente nossos antepassados viviam amontados onde doenças proliferavam.
Submetidos a jornadas que poderiam chegar a 20 horas de trabalhos, A violência era algo rotineiro na vida dos escravizados, e o tratamento violento dedicado a eles tinha o intuito de incutir-lhes temor de seus senhores. Esse medo visava mantê-los conformados com a sua escravização e impedir fugas e revoltas. Uma punição muito comum aplicada sobre eles era o “quebra-negro”, que ensinava-os a sempre olharem para baixo na presença de seus senhores.
Além disso, muitos escravos podiam ser acorrentados, para evitar que fugissem, e usar uma máscara de ferro, conhecida como máscara de flandres, colocada neles para impedir que engolissem diamantes (nas regiões mineradoras), se embriagassem, ou mesmo cometessem suicídio por meio da ingestão de terra.
Reflexo nos dias atuais
Muito diferente do que nos foi ensinado através dos livros didáticos, todos produzidos e escritos por autores brancos, repassando a narrativa do opressor, O fim da escravidão no país, não foi um ato de benevolência da monarquia, mas sim resultado da pressão e do engajamento da população brasileira. O abolicionismo ganhou força em nosso país a partir da década de 1870, com a lei Eusébio de Queirós que proibia o tráfico negreiro. A força do abolicionismo em nosso país apresentou-se de diversas maneiras. Associações abolicionistas surgiram aos montes no país, conferências abolicionistas foram organizadas, eventos públicos realizados, levantaram-se fundos para pagar a alforria de escravos, advogados passaram a atuar efetivamente contra senhores de escravos, jornalistas publicavam textos defendendo a abolição e populares abrigavam escravos fugidos em suas casas. Às revoltas aumentaram, cada vez mais quilombos de formavam, senhores de escravos eram mortos. Na década de 1880, o clima ficou insustentável para o império, mesmo contra a vontade da classe dominante, os ricos escravocratas que diziam que “Abolição iria quebrar a economia do país”. Porém, a coroa não teve outro caminho a não ser assinar a lei áurea em 13 de Maio de 1888.
Mudando da senzala para favela
A abolição formal da escravatura não resultou numa superação das mentalidades escravocratas das elites. O fato de pretos e pardos formarem 73% da população das favelas não é mera coincidência. 136 anos depois da Abolição, sem nenhuma reparação, amparo, indenização pelos mais de 300 anos de trabalhos forçados, restaram aos nossos antepassados, entre eles meu bisavô, como única opção para morar e tentar sobreviver, os morros e encostas espalhadas pelo Brasil. Às primeiras favelas no Rio de Janeiro, como o morro da Providência por exemplo. O Brasil deixou de ser império, entretanto, a falta de assistência a população preta ainda é enorme. Em tempo de eleição, políticos costumam subir o morro com às mesmas promessas requentadas a cada 04 anos. A falta de serviços básicos e dignidade ainda é um desafio social para todos nós.
Na próxima oportunidade, iremos seguir nos desdobramentos no crescente número de casos de RACISMO, também uma herança maldita dos tempos de escravização.
Rogério Silva