José do Carmo Veiga de Oliveira
Tenho trabalhado um determinado tema na área do Direito de Família, embora há muito tempo deixei de fazê-lo, em virtude das graves preocupações e até certo ponto frustrações pessoais porque não se alcança um consenso com os cônjuges, sempre pautando as próprias pretensões ao invés de buscar um ponto de conciliação para, a partir daí, investir numa atitude que efetivamente pudesse pacificar um relacionamento extremamente desgastado e, nesse contexto, as pessoas conseguem se agredir cada vez mais ao invés de buscar uma alternativa capaz de pôr termo ao litígio cada vez mais presente, máxime em tempos de pandemia, vivido há mais de um ano.
No entanto, o que a Palavra de Deus nos mostra é o fato de que Ele criou a família, colocando homem e mulher no mesmo nível de posicionamento em termos de reciprocidade de acolhimento, dedicação, convivência amistosa e fraterna para, nesse ambiente, poderem criar e educar os filhos sempre sob as muitas bênçãos do Senhor, porque os filhos são a Sua herança.
No entanto, depois de 28 anos na Magistratura, dos quais pelo menos uns oito a dez anos tivemos jurisdição em Varas de Família, encontramos feridas que nunca se cicatrizam, porque sempre ocorre alguma situação que impede que esse processo de retomada do relacionamento familiar seja restabelecido, de modo a deixar para trás o que para trás ficou. No entanto, parece que ocorre um fenômeno extremamente complicado: por vezes, se alguém ganha uma rosquinha, só consegue enxergar o círculo que se instala no vazio do seu centro.
É evidente que Deus não criou o homem e a mulher e os ajuntou para esse tipo de relacionamento. Ao contrário. Quando Deus criou o homem e o colocou de modo a dominar a natureza que lhe foi entregue pelo próprio Senhor, na verdade, a sua missão constava no sentido de que, essa dominação, deveria recair sobre a natureza. Depois, aprouve a Deus criar a mulher e, assim, fazê-la de uma das costelas de Adão, porque já estava em Seu plano prover para o homem uma ajudadora idônea. Foi assim que Adão encontrou uma esposa verdadeira, a grande dádiva que o homem recebeu das mãos do próprio Deus para ser companheira de todas as horas, em paz, harmonia, criando os filhos que o Senhor lhes concedeu para efeito de se formar uma família dentro dos seus ditames.
É incontestável, no entanto, que todo homem e mulher, muitas das vezes, conseguem compreender e viver a vida conjugal dentro desse padrão, sob as bênçãos de Deus. No entanto, muitas das vezes e não poucas, acabam por se desentenderem e, a partir daí, mediante a dureza do coração de ambos e não apenas de um deles, ocorre o que há de mais difícil em termos de conflitos humanos: o divórcio, que foi concedido por Moisés, ainda no deserto quando conduzia o povo hebreu para a Terra Prometida.
Por isso, e por muito mais, é essencial que o casal, depois de se convencionar a respeito do casamento, de seus filhos e alinhados numa única direção, pacificamente, poderem olhar para a criação de Deus e buscar um posicionamento para que tenham a oportunidade única de conviverem de modo seguro, consolidando o relacionamento conjugal, criando os filhos na presença do Senhor e colhendo, mais tarde, os frutos que Ele preparou para a vida de ambos, de modo que sejam felizes e capazes de compreender o propósito Maior em suas vidas dadivosas.
Vivemos dias difíceis e, infelizmente, temos visto uma desagregação familiar muito forte, porque a convivência mais intensa em virtude da pandemia tem provocado grandes dissensões conjugais e, por isso mesmo, o número de separações e divórcios têm crescido bastante, de modo que o conflito conjugal vai se intensificando e os filhos sofrem como o siri quando a água do mar o arremessa contra a pedra na beira da praia.
Diante desse contexto pandêmico, é de todo necessário recorrer à presença de Deus, suplicar por sabedoria, discernimento e capacitação, pois, afinal, o que Deus uniu, o homem não separa, embora saibamos que tudo quanto nos acontece, está debaixo da soberania do Senhor, pois, “nossos dias estão contados e determinados antes que qualquer deles houvesse ainda”.
Portanto, antes de qualquer atitude da qual se possa arrepender mais tarde, compete aos pais olhar para os seus filhos, se os tiverem e, assim, voltar aos tempos de outrora, cuidar de sua educação, buscando ao Senhor como a única fonte de sabedoria, suplicando um coração pacificado para ambos, de modo que possam, a todo tempo e lugar, estarem juntos diante de Deus para que, Ele, em tempo oportuno, possa fazer cicatrizar as feridas abertas no contexto do cotidiano e, assim, alcançar o grande dia em que haveremos de nos encontrar com o Seu Filho Amado – Jesus – na convicção de que haveremos de ter um acerto de contas e, estejamos certos, de que tudo quanto fizermos e deixarmos para trás, sem nos apresentarmos diante do Pai e implorar pelo Seu perdão, seremos responsabilizados. Assim, para todos os pecados que tivermos em nossa “agenda celestial”, haverá uma prestação de contas.
Mas, estejamos certos, por outro lado, que à Destra do Pai temos Jesus Cristo, o nosso Advogado, que intercede por nós diante do Trono de Deus, em nosso benefício. E se não for possível, ainda que um instante, ocorrer a reconciliação, vejamos que é nosso dever buscar o caminho da reconciliação diante de Deus por meio de Seu Filho Jesus, aquele que reina à Destra de Deus, para que sejamos vivificados diante do Senhor e, desta forma, tenhamos a possibilidade de prosseguir num outro modelo e padrão de vida.
Isso porque, aquele que agia com violência, não o faça mais; aquele que roubava, não roube mais, aquele que mentia, não minta mais e, assim, aquele que não tinha Deus em sua vida, jamais O abandonará, porque somente por intermédio D’Ele é que será possível reconstruir a sua vida por amor e perdão que somente Ele pode conceder.
Sejamos, pois, a Sua imagem e semelhança, conforme nos criou e formou, para que estejamos sempre próximos uns dos outros e todos juntos do próprio Pai, para que possamos ter uma vida digna e santificada por Ele próprio. Tenhamos, sempre em mente, tudo isso, porque os dias que vivemos são maus e, desta forma, talvez, quem sabe, senão o próprio Pai, não teremos a oportunidade de nos reconciliarmos uns com os outros, deixando para trás o que para trás fica, e, assim, vivermos do modo como Ele nos orientou por Seu Filho Jesus, enquanto viveu aqui onde vivemos.
[1] José do Carmo Veiga de Oliveira, Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS; Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP; Post-Doctor en Derecho – Universidad de Salamanca – España; Professor de Direito Constitucional e Processual da Pós-Graduação e de Direito e Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP; Membro da Academia Mackenzista de Letras – SP; Membro da Academia Paulista de Direito; Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
2 Salmo 139, verso 16