* José Geraldo Batista
O ser humano, em busca de sua identidade e de sua origem, enquanto primitivo aceitava sua gênese como divina e sentia-se parte integrante do Sideral. Por outro lado, o homem civilizado faz essa busca na História e no tempo real. O tempo do Cosmos é outro, tem uma história particular e o homem sempre tentou representá-lo através dos mitos. A história sagrada se repete pelo infinito e, como modelo para sua própria sociedade, o homem primitivo a usava. Mas a civilização moderna afastou o ser humano do sagrado, tornando-o quase que exclusivamente um vivente do campo físico. Hodiernamente o homem tem procurado o sagrado perdido, o que, provavelmente, poderia levá-lo de volta a uma harmonia. Dizer que essas utopias não estão presentes na obra de Carlos Drummond de Andrade é o mesmo que atribuir-lhe um alto grau de insensibilidade e desconexão diante do seu momento histórico.
É muito natural e compreensível que um poeta de origem interiorana e espectador de um momento extremamente conturbado deixe pistas de suas ideologias em sua obra. No caso de Carlos Drummond, sabemos que ele nasceu e viveu parte de sua infância em Itabira, cidade do interior de Minas Gerais. E, como bom mineiro, ele não poderia deixar de exaltar as características de cidades menores. Fazendo uma exegese de sua obra, fica evidente a simpatia do autor pelas coisas simples e comuns do cotidiano do interior. Percebe-se um tom saudosista de calor humano, que é, sem dúvida, muito mais consuetudinário nas cidades de interior, como certamente é na cidade natal do poeta.
O poeta em questão fez opção pela nova corrente de pensamento que havia rompido com os padrões acadêmicos do início de sua carreira e, consoante pesquisas, teria sido ele mesmo o autor da seguinte afirmativa: “minha derivação para o Modernismo decorreu da falta de jeito para versejar conservadoramente e da incapacidade de estudar, por preguiça ou qualquer outro motivo obscuro, os compêndios de metrificação”. Talvez, com o destino de ser “gauche na vida” por predição de um “anjo torto”, através de tão sublime ato de modéstia, ele tenha se destacado tanto pela senda do Modernismo. Por tudo que temos dito até aqui, fica evidente a comunicação do poeta com seu passado e suas origens. Assim, clarifica a impossibilidade de rompimento extremo com o passado, mesmo porque, o homem precisa se espelhar no passado e não cometer os mesmos erros; do contrário, a História perderia sua importância. Acostumamos à concepção do Modernismo que envolve toda uma tradição de ruptura, de acordo com Octavio Paz, mas essa ruptura, como já vimos, não rompe drasticamente com um modelo vigente, ela o transforma e o aprimora, acrescentando a ele algo de novo.
A estética do make-it-new, de Pound, em nenhum momento levanta a bandeira de desconsideração da experiência histórica, ela apenas faz apologia à construção do novo. E só se constrói o novo, se tomarmos como referência os modelos pré-existentes. A atividade artística de Ezra Loomis Pound é das mais expressivas do século XX, mas também sua atividade humana parece condensar as dramáticas contradições da primeira metade daquele século, portanto é preciso muita cautela ao se interpretar seus postulados. E a obra de Carlos Drummond de Andrade vem ratificar o conceito de aprendizado, busca de identidade e formação, através da experiência histórica; sem a ideia de demolir tudo, inclusive a história, e construir diferente.
Drummond viu a vida de uma maneira muito séria, com suas elegias, com seus amores – sejam felizes ou frustrados –, com seus momentos dramáticos e heroicos. Itabira, sua terra natal, cidade do minério de ferro, o influenciou muito em seu caráter. A personalidade poética de Drummond é austera e forte, como o ferro bruto das minas de sua cidade: “… sou triste, orgulhoso: de ferro” – diz o itabirano. Em seus trabalhos de autobiografia encontra-se o trecho por ele filosofado: “Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.”
Por isso, e por muitas mais presenças em seu trabalho, denota-se que Drummond adquirira consciência da funcionalidade da poesia e exercia seu papel como cidadão poeta. Carlos Drummond, em seus poemas do livro Rosa do Povo, apresenta um conteúdo dramático que não decorre só da qualidade da poesia em si mesma, mas também dos seus elementos de contradição, fazendo crescer assim o ritmo da dramaticidade. Esse fato se transforma num maravilhoso espetáculo de um poeta que procura equilibrar, juntar artisticamente as tendências que o apaixonam em uma época de muitas perturbações e amplas divisões difíceis para as pretensões de equilíbrio e paz. Aqui é perceptível a procura de um ajustamento entre a consciência política do homem e a arte do poeta.
Levando em consideração a consciência política do homem Carlos Drummond, é inegável que essas ideologias tenham contaminado sua arte poética. O poeta Drummond, através de seus textos, criticou a sociedade de seu país e toda a contemporaneidade. E ninguém faz críticas a uma sociedade injusta sem desejá-la melhor. Assim a utopia do poeta em questão se aflora por toda sua obra. Se alguns acreditam ser difícil encontrar algo de utópico na obra de Drummond, outros usaram-na para comparações em seus ideais políticos. É o caso de Jair Silva, em seu texto “Oropa, França e Bahia”, publicado no Estado de Minas, em 21 de abril de 1946: “Quem destruiu o nosso Chico Campos, revelando a sua formação nazista, foi o sr. Getúlio Vargas, outrora tido como grande e hoje acusado de ser pequeno. O ex-ditador convocou para o seu serviço a extraordinária capacidade cerebral do ilustre mineiro. Este não chegou a ser o substituto de Ruy, porque, como no verso de Carlos Drummond de Andrade, no meio do caminho tinha uma pedra, isto é, a filosofia de Nietzsche…”. Podemos concluir, então, que ler um poeta como nosso Drummond é sempre necessário.
*José Geraldo Batista
Professor Titular do Centro Universitário de Caratinga – UNEC, membro da ACL – Academia Caratinguense de Letras e colaborador no NUDOC – Núcleo de Documentações e Estudos Históricos. E-mail: [email protected] Mais informações sobre o autor: http://lattes.cnpq.br/4880280760796122