CARATINGA- A saúde de Caratinga passou por diversas transformações ao longo dos anos. Mais clínicas, aparelhos de diagnóstico e médicos especialistas em várias áreas de atuação.
Iônio de Souza, cirurgião geral, ginecologista e obstetra chegou a Caratinga. Doutor Souza foi diretor da Casa de Saúde e exerceu o cargo de secretário de Saúde.
Com ampla experiência na área, ele faz um balanço de como era a atuação dos médicos naquela época, as principais patologias que atingiam aos pacientes em comparativo aos dias atuais e deixa sua recomendação para aqueles que nos dias de hoje se automedicam e tentam se informar sobre possíveis doenças usando a internet: “Às vezes a pessoa se acha autossuficiente para poder se automedicar. E se automedicar é um mal”.
Como era o campo de medicina em Caratinga em 1964?
Se nós fizermos uma comparação do ambiente médico/hospitalar, que não podemos dissociar os dois aspectos, de quando eu cheguei para aqui e hoje, há uma diferença acentuada sobre vários aspectos. Primeiro, que naquela época, o dia que eu cheguei em Caratinga, a cidade tinha 16 médicos atuantes. Hoje tem mais de 200, talvez até mais de 300. Destes 16, só tinha um de Belo Horizonte, todos os demais eram de formação do Rio de Janeiro porque Caratinga tinha uma relação com o Rio de Janeiro muito maior do que com a capital mineira. Daí essa predominância dos médicos de lá, que não deixaram de dar um estilo da escola do Rio de Janeiro. Na época eram poucas escolas.
Como era a maneira de atuar dos médicos?
Era muito de acordo com a população. Aquela época nós fazíamos parto em casa, visitávamos o doente adormecido com muita frequência, ia lá de manhã ver o doente e de tarde passava para rever. E era comum, quando se chegava, já tinha uma cadeira separada para o doutor atender ao doente e uma toalha limpinha para enxugar as mãos. Hoje está tudo muito corrido, estamos lavando as mãos só por causa do Coronavírus.
Quais eram as patologias mais comuns naquela época?
A coisa mudou muito nesse período. Até as doenças da época diferiam das de hoje. Naquela época, quando o paciente entrava no consultório, você logo já pedia o exame de fezes pra ele porque tinha quase que 90% ou mais de esquistossomose, aqui era uma zona intensa para esta doença. E também de leishmaniose. Hoje não se dá tanto valor até à verminose de modo geral, pois vinha também o diagnóstico de amebíase, ascaridíase… Atualmente a preocupação é obesidade, infarto, problemas respiratórios; problemas renais, que a região de Caratinga a água tem um teor de alumínio um pouco maior do que o habitual.
As doenças infecciosas também eram muito frequentes?
Sim. Era comum o sarampo, a varicela, alastrim, de modo que essas doenças infecciosas predominavam muito. Hoje são mais frequentes essas doenças metabólicas, pessoal está alimentando melhor ou mais. As pessoas quando vinham dos distritos para aqui, alguns vinham até a pé ou a cavalo, hoje todo mundo vem de carro. Anda-se pouco a pé, caminha-se pouco.
O Hospital Nossa Senhora Auxiliadora dava um suporte. A Casa de Saúde também?
Imagina que Caratinga naquela época tinha o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora, que tinha 26 leitos e a Casa de Saúde que estava praticamente fechada e o dono querendo procurar um comprador. Foi aí que nós entramos e adquirimos a Casa de Saúde, da qual nós fomos diretores durante 35 anos. Passamos para outra diretoria com 120 leitos e muitas modificações, ampliação, melhoria de qualidade do atendimento, novos aparelhos de raio x, ampliação de laboratórios, centros cirúrgico e obstétrico, etc.
Qual panorama o senhor traça do acesso à saúde em relação àquela época e agora?
Hoje, inclusive, Caratinga tem até faculdade de Medicina, com isso o atendimento ficou mais democratizado. Naquela época Caratinga tinha 11 distritos e 12 povoados. Não havia estas emancipações como agora. De saúde pública só havia em Caratinga o Centro de Saúde, primeiro funcionava em uma casa em frente à Casa de Saúde, depois na Administração de José de Paula Maciel, o José Alemão, foi para onde o final da Rua Princesa Isabel, onde hoje é Vigilância Sanitária. De saúde pública é o que havia. Para se ter uma ideia, em 69/70 fui presidente do Lions Clube Caratinga Centro, eu ia a Belo Horizonte no meu carro, como o secretário de saúde também era Leão, eu tinha facilidade de conseguir vacina contra paralisia infantil. Não era raro você em Caratinga ver gente com deficiência de membros inferiores por causa de paralisa infantil. Hoje não se vê isso. Buscávamos a vacina e as domadoras do Lions Clube é quem faziam a vacinação e nós ficávamos pedindo: “Pelo amor de Deus, venham vacinar”. Era difícil. Depois veio o INPS, que se transformou em INSS, além do SUS. Aliás, diga-se de passagem que o Brasil é um dos poucos países do mundo que tem essa assistência médico-hospitalar universal. Nos Estados Unidos não tem essa assistência democratizada, existe o seguro, mas essa assistência do governo não tem. Aqui, mal ou bem tem.
Na década de 90 essa assistência já estava mais ampla?
À medida que o tempo passou, a assistência foi melhorando. Na época do governo do Dr. Anselmo Bonifácio, o chamado Dr. Fabinho, fui secretário de Saúde e tínhamos uma facilidade muito grande em prestar assistência, porque no governo dele nós faríamos um plano operativo e não havia restrição para cirurgia. A Casa de Saúde chegou a ter 240 cirurgias e 220 partos por mês. Muitos anos depois, foi cortado o SUS através da Casa de Saúde, não foi a Casa de Saúde que cortou, foi um político; reduzindo assim a facilidade na assistência à saúde. Em dois anos nós criamos 32 postos de saúde, todos os distritos e povoados do município de Caratinga, até no Suísso colocamos um posto de saúde.
Hoje em dia as pessoas usam muito a internet, até mesmo para pesquisar as doenças e exames antes de ir até a clínica. Até onde a tecnologia atrapalha?
Se nós vasculharmos a história dessa época pra cá, saímos daquela fase que o paciente vinha consultar e nós éramos habituados a ouvi-lo muito, porque havia só um laboratório em Caratinga, um raio x na Casa de Saúde; esses exames complementares eram muito limitados e restritos. Então, o médico, naquela época, examinava detalhadamente o doente porque fazia os diagnósticos através do exame físico, do que nós chamamos de anamnese, conversa com o paciente. Tanto que haviam fatos curiosos, o paciente naquela época vinha consultar muito ainda por causa de gastura e de espinhela caída. E tínhamos que saber o que era isso. Às vezes o paciente durante a consulta explicava, explicava, explicava, depois dizia assim: “Ah, doutor, espera aí. Tenho esse escrito aqui numa folha de papel, tá tudo escrito aqui, o senhor pode ler”. E entregava a informação escrita. Hoje não, tem-se os recursos, Caratinga tem mais de 20 aparelhos de ultrassom, raio x à vontade, tomografia, laboratórios com dosagens que não se fazia antigamente. O médico hoje tem uma série de recursos que não havia naquela época. E hoje todo mundo tem um celular, aliás acho que o único que não tem celular nessa região sou eu, não preciso. Então, quando o paciente vem consultar, já consultou até internet, alguns até já se automedicaram. Sobre esse aspecto é um bem ou é um mal? Às vezes a pessoa se acha autossuficiente para poder se automedicar. E se automedicar é um mal que ela só tem aquela notícia que ela nem sabe se é útil ou não. Nem tudo que vem através da televisão, rádio, do próprio jornal é verdadeiro. Merece investigação.
O que é preciso ainda avançar na área de saúde?
Na área de saúde não existe limite. O médico, por exemplo, que está sempre investigando, pesquisadores, há necessidade de profissionais que busquem ainda novos recursos. Tem recurso que é novo aqui, mas não é novo em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro, em Nova York, Londres e Berlim. É questão de ambiente, há necessidade de que nós estejamos sempre buscando as inovações.